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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

O dia em que a professora chorou

Ela acordou pela manhã, tomou um banho de água gelada, comeu seu pão, bebeu café, deu um beijo nas duas filhas, abraçou o marido e saiu de casa. Todos os dias ela repetia as mesmas coisas. Não importava se estava com dor no corpo, enxaqueca, cansada ou triste. Ela amava o seu trabalho.


Ainda era cedo quando ela chegou à escola e entrou na sala dos professores. Ninguém podia imaginar a notícia que escutariam e como ela afetaria a jovem professora. A prefeitura atrasaria mais uma vez o pagamento.

– Assim não é possível! – berrou um dos professores.

– Eles acham que não temos contar para pagar? – lamentou outra.

– Precisamos fazer uma greve. Não podemos ficar de braços cruzados.

Ela só escutava. Remoía aquelas palavras dentro de si. Nada acertado, ela foi para a sala de aula.

– Bom dia, professora! – disse uma das alunas.

– Bom dia, minha querida!

A aula passou voando. Quando se deu conta, já estava na hora da chamada. 37 nomes. Ela dizia cada um dos nomes com toda paciência do mundo.

Quando chegou em casa, ela ligou a televisão e viu uma notícia sobre professores que ameaçavam entrar em greve. O prefeito alertava sobre os salários serem maiores do que as médias dos outros estados. Ela quase vomitou ao escutar aquilo. Trabalhava de manhã, à tarde e o pouco tempo que tinha durante a noite, ela preparava as aulas da semana. Era um trabalho que nunca acabava.

No outro dia, ela fez as mesmas coisas em casa e foi ao trabalho. Os outros professores falaram novamente na greve. Ela pensou nos alunos, nas aulas que precisaria repor, na importância da educação.

Os outros professores a viram indo para a sala de aula.

– Você não vem?

– E os meus alunos? A diretora não vai gostar nada disso.

– Pois ela que nos pague logo, então.

A professora foi para a sala e logo foi recebida com uma série de perguntas.

– Professora, vai ter aula hoje?

– O que é a tal da greve?

– É verdade que você está com preguiça de dar aula?

– Meus pais falaram que você ganha melhor do que eles e estavam reclamando. Por que?

Ela olhou para os alunos. Não sabia por onde começar a responder. Tantas dúvidas, tantas preocupações. O salário do marido não seria suficiente para pagar as contas. Pensou em como a família teria que comer menos para sobreviver. Pensou em tudo, menos nas respostas.

Uma vontade de sair correndo a devorou. As lágrimas quentes lutavam pelo rosto; a garganta apertada; a dor no peito. Ela pegou as coisas e saiu o mais rápido que podia.

A diretora entrou na sala e se surpreendeu com a ausência da professora. Ela era uma das suas melhores funcionárias, fazia chuva ou sol, frio ou calor.

– Onde está a professora?

– A professora faltou! – gritaram os alunos ao mesmo tempo.

Ela sabia que se não fosse lutar pelos seus direitos seria incapaz de ensinar os seus alunos. Não era só uma questão de dinheiro. Ela se lembrou dos adolescentes que se inspiravam e tinham um carinho grande por ela, seus ensinamentos iam além da sala de aula. Naquele dia, ela preferiu reprovar diante dos olhos da diretora. Ela tinha mais uma aula para dar, uma aula sobre a vida.

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e do livro de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1), disponível no Wattpad. 

Comentários

  1. As conexões do universo são poderosas. Hoje, arrumando algumas coisas, encontrei um bilhete que recebi da minha professora da primeira série. Guardo como um tesouro! No Twitter vejo seu post sobre ter encontrado um texto dentro de um livro. Saio de lá e ao entrar no Facebook vejo seu link para o texto que havia mencionado na outra rede social. Chego aqui e o texto fala de uma professora. A luta da professora do seu texto me lembra os ensinamentos da que me enviou o bilhete e que guardo na memória pelo resto da minha vida. Abraços. Eudes.

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    1. Oi, Eudes! Muito bom te ver por aqui. Acho linda e poderosa essa conexão da literatura. Podemos encontrar referências em várias coisas e fazer muitas ligações. Alguns professores deixam marcas para a vida toda. É uma pena que a profissão não seja tão valorizada no país.
      Gratidão!

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  2. Eu lembrei do meu professor de história do ensino médio, ele basicamente salvou a minha vida quando disse, depois de um trabalho que ele pediu, que eu escrevia muuito bem e nao deveria desistir, ele sentou do meu lado, apontou onde podia melhorar, ele foi a melhor pessoa que conheci naquele período. É por causa dele que eu nunca tirei a ideia de escrever da cabeça.
    Obrigando por me fazer lembrar disso através do seu conto!

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    1. Oi, Michele! É muito bom quando um texto nos leva a mergulhar em memórias, né? Professores devem ser mais valorizados, especialmente esses que tiram um tempo para dar atenção aos alunos e incentivá-los. Como sempre, sou grato pela sua leitura e visita aqui no blog ♥

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