Os anos passam mais algumas músicas continuam fazendo sucesso. Neste mês do Orgulho LGBTQIA , Born This Way , da Lady Gaga , permanece sendo reconhecida como um hino LGBTQIA. Mais do que cantar sobre a causa, a importância da própria identidade e aceitação, a cantora da música lançada em 2011 é também co-fundadora de uma fundação que apoia comunidades LGBTQIA. Segundo informações do site da Born This Way Foundation , a missão é: “Empoderar e inspirar os jovens a construírem um mundo mais gentil e corajoso que apoia a saúde mental e o bem-estar deles. Baseado na relação científica entre gentileza e saúde mental e construído em parceria com os jovens, a fundação incentiva pesquisa, programas, doações e parecerias para envolver o público jovem e conectá-los com recursos acessíveis de saúde mental”. Mais do que uma música para inspirar a Parada do Orgulho LGBTQIA ou ser ouvida o ano inteiro, Born This Way deixou esse grande legado que foi a fundação que já ajudou muitos jovens LGBTQIA. E o...
Kerli: Expressão Artística e a Escolha pela Jornada Independente
O desafio de todo artista profissional é não deixar a indústria cultural sugar e mastiga sua alma. Para quem está por fora dos bastidores, acha que o meio tem influências sutis nos projetos de artistas, mas a verdade é que, dependendo da área cultural, um dos principais fatores levados em conta é o comercial. Não há nada de errado, porém é algo que pode limitar e muito a produção artística e criativa.
Embora alguns artistas comecem a carreira independente e depois seguem uma carreira tradicional com produtoras, o que se observa nos últimos tempos são profissionais fazendo o caminho contrário, em busca de liberdade criativa e de produzir arte que se conecte com sua essência.
Isto é algo que eu abordo de forma sutil no meu livro de terror, Escrita Maldita. Dois escritores de terror são chamados para escrever um livro juntos, mas eles não querem simplesmente um livro que vá agradar ao editor, eles querem produzir algo que tenha um significado maior. Um autor novato e sortudo e um escritor tradicional de terror: não importa o que eles fossem escrever, as chances de vendas seriam certeiras. Porém, quanto mais eles mergulham no processo de criação literária, mais eles descobrem que talvez exista um propósito maior. Eles não publicam o livro de forma independente. Com exceção da pressão do deadline, o editor é bem paciente e compreensivo com os autores – mas essas regalias são mais raras do que imaginamos no mundo real.
Enquanto escrevo este texto, não consigo deixar de pensar em Kerli. A cantora estoniana abandonou Los Angeles para voltar para o seu país de origem. A diferença de estilo é gritante. Os últimos clipes musicais são muito mais orgânicos e nos transportam para a atmosfera da Estônia, repleta de mitos, símbolos e tradições. É difícil não assistir ao clipe de Feral Hearts e não desejar se perder pelas florestas do país.
O mais interessante é que além da cantora contar com um investimento para ajudar a promover o turismo do país europeu, Kerli também apostou em compartilhar curiosidades da sua própria carreira e também da simbologia de seus vídeos musicais. Só em Feral Hearts, por exemplo, é possível encontrar algumas referências a elementos mágicos. Algumas pessoas tentam encontrar alguma relação com Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll), mas a cantora explica que cada elemento do vídeo foi escolhido a dedo por ela.
Nos créditos do clipe, é possível perceber que Kerli é a Diretora Criativa. Para quem ficou curioso, a artista ressalta que o portal é a divisão de dois mundos e que a garotinha simboliza a ingenuidade. O que mais gostei nisso tudo é que levou anos até a cantora se der conta de que ela havia se afastado de si mesma e tanto a música quanto o roteiro do vídeo falam exatamente sobre isso: “A floresta simboliza o desconhecido”, afirma Kerli. A adulta se perdeu e teve que encarar a criança que havia dentro dela para se lembrar do seu objetivo. A mensagem dela é mais profunda e também fala sobre a conexão com a natureza e as tradições esquecidas na correria do mundo de concreto.
Liberdade é uma das primeiras coisas que os artistas perdem quando assinam contratos. Nem sempre é algo ruim. Quando existe simbiose entre as duas partes, o trabalho pode se tornar diversão e o criador sabe que tem uma rede de apoio por trás. O problema é quando os conflitos são maiores do que os prazeres e a obrigação se torna um fardo – o que antes era uma forma de expressão artística perde seu poder para o universo comercial. Não há nada de errado em produzir arte que venda. Acredite, sou autor e artista independente e não tenho nada contra dinheiro. Porém, é desagradável a sensação de que o que você quer produzir nunca será feito ou sempre ficará para depois e que nada é bom o suficiente para a equipe comercial. Em um vídeo, Kerli chega a dizer que era como se estivessem tentando transformar o que ela fazia em um hambúrguer.
A vantagem da internet foi justamente essa: amplificar a voz. Talvez em um universo tradicional, Kerli não tivesse espaço e sua música jamais ultrapassaria seu país. No mundo em que o consumidor tem o poder de escolha, ele pode mostrar que nem sempre a indústria cultural está certa e o que os artistas produzem colocando suor, alma e coração pode fazer tanto sucesso quanto aquilo que é planejado obsessivamente por uma equipe criativa.
Ninguém disse que a vida é justa. Existem cantoras que vão além da técnica e imprimem seu espírito em suas produções e não fazem a metade do sucesso. Não é nenhuma novidade de que em todas as áreas, o marketing e a publicidade são imperativos: mesmo no universo dos gênios e das invenções, como é comentado no livro Onde Nascem os Gênios, do jornalista Eric Weiner.
O mundo não é uma competição de quem canta melhor, de quem produz arte mais autêntica, mas se o artista sente que o caminho que ele estava não o representa mais, talvez seja um alívio descobrir que ele pode simplesmente dizer não para o que não concorda, dar um passo para trás e se redescobrir. Não é assim que é a nossa existência? Uma eterna jornada de redescobrimento?
Às vezes, o que é silenciado, quando finalmente entra em contato com os outros, se revela algo muito mais precioso do que aquilo que é gritado aos sete ventos. A magia da arte está na transformação: a tristeza e as coisas reprimidas podem virar coisas lindas.
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.