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Destaques

Escrevendo Novos Capítulos

Dezembro chegou e com ele veio a vontade de escrever novos capítulos de sua história. Estava disposto a deixar outubro e novembro para trás, tentar se focar no momento presente e se deixar perder nas novas linhas que se formavam. Era verdade que deixar os capítulos anteriores para trás não era uma tarefa fácil, mas precisava seguir em frente, sempre se movimentando em direção aos seus sonhos. Tentava não criar expectativas sobre que tipos de histórias iria escrever, o papel em branco que antes o paralisava, agora servia como um convite para deixar novas palavras surgirem. Escrevia pra quê, afinal de contas? Para se lembrar? Para esquecer? Para colocar para fora? Para simplesmente praticar o ato de escrever? Não havia uma resposta certa ou errada. Escrevia porque era sua paixão fazer isso e enquanto continuasse respirando, pretendia continuar escrevendo. Escrever capítulos novos poderia ser uma atividade interessante. Diferente do que muitos pensam, nem todos escritores deixam tudo plan...

Asperger (Forma leve de autismo): Graphic novel francesa ajuda na conscientização

Existem milhares de pessoas no mundo que têm autismo/Asperger e não fazem ideia. Uma ótima maneira de trazer conscientização é por meio da arte e da literatura. A graphic novel A Diferença Invisível (La Différence Invisible) – cumpre bem esse papel informativo e educacional –, das autoras Julie Dachez, Mademoiselle Caroline e Fabienne Vaslet. A obra francesa foi publicada originalmente em 2016, e no Brasil, foi publicada pela editora Nemo, em 2017, com tradução de Renata Silveira.


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Para quem prefere vídeo, saiu um lá no meu canal do YouTube (o vídeo pode conter revelações sobre a história, já que a intenção foi explicar a Síndrome de Asperger). Se prefere texto, leia abaixo:



A síndrome de Asperger é uma forma leve de autismo, sem atraso de linguagem ou deficiência intelectual. Vale lembrar que o autismo não é uma doença, é uma condição de desenvolvimento neurológico. Os sintomas podem melhorar ou piorar com o passar do tempo. Existem muitos preconceitos e desinformação em relação ao universo dos autistas, por isso achei tão relevante A Diferença Invisível. É realmente uma leitura de utilidade pública, que pode ajudar até mesmo no autodiagnóstico, levando em conta que muitos médicos subdiagnosticam pessoas autistas. Dificilmente acertam o diagnóstico de primeira. Existem autistas que levam anos até conseguirem o diagnóstico correto, assim como alguns, passam a vida inteira sem serem diagnosticados.

Minha vida seria muito mais fácil se eu tivesse lido essa graphic novel na minha adolescência. Há muito de mim na Marguerite. Aliás, assim como a personagem que só descobriu aos 27 anos, foi nessa mesma faixa, aos 28 anos que descobri que tenho Asperger (e também a escritora Lizzie Huxley-Jones que está organizando uma antologia para escritores e artistas autistas). De repente, muitas coisas começaram a fazer sentido. Assim como a protagonista, os barulhos podem me fazer mal. É algo que para quem não é autista pode parecer frescura, mas além de incomodar ao longo dia, pode ser uma experiência terrível na hora de dormir. Sofri muito com a insônia quando era mais novo. Conseguia escutar até o ruído da televisão e não havia nada que eu pudesse fazer para comprovar que não era um charme meu. Certa vez, fiquei uma semana inteira sem ir ao colégio, porque não conseguia dormir e fui chamado à coordenação para conversar e tudo o que me diziam é que eu deveria tentar relaxar, tomar chá, entre outras trivialidades que não ajudaram em nada.

“Não há nada a curar em vocês, nada a mudar. Seu papel não é se encaixar em um molde, mas sim ajudar os outros – todos os outros – a sair dos moldes em que estão presos. Você não está aqui para seguir um caminho predefinido, mas, ao contrário, para seguir o seu próprio caminho e convidar aqueles ao seu redor a pensar fora da caixa” – Julie Dachez, A Diferença Invisível

Todos os dias, a Marguerite faz praticamente as mesmas coisas. Ela luta diariamente com a sensação de deslocamento. Além de lidar com o próprio incômodo, ela também precisa aguentar os comentários das pessoas ao seu redor e os julgamentos, especialmente no trabalho. Ao virar das páginas, à medida que conhecemos melhor a personagem, percebemos que muito do que lhe acontece poderia ser adaptado para que sua vida se tornasse mais leve.


Assim como Marguerite, neste exato momento, milhares de autistas não diagnosticados estão lidando com uma série de dificuldades. Aspergers podem aprender a se adaptar, porém conhecer mais sobre si mesmo pode fazer muita diferença. Por que os sons incomodam tanto? Por que a luminosidade pode ser um problema? O toque, os odores... Ir ao supermercado ou ao shopping pode ser uma experiência bem intensa. Quanto mais você aprende sobre o autismo, mais percebe que existem muitos elementos que estão conectados e que influenciam na percepção sobre o mundo e na forma que as outras pessoas percebem o autista. Essas e outras perguntam são respondidas na graphic novel, de forma bem leve, emocionante e didática.

“Ao abraçar sua verdadeira identidade, aceitando sua singularidade, você se torna um exemplo a ser seguido. Você tem o poder de romper essa camiseta de força normativa que sufoca a todos nós e nos impede de viver juntos com respeito e tolerância” – Julie Dachez, A Diferença Invisível

A Diferença Invisível é uma história repleta de descobertas, que nos mostra a importância da identidade, do reconhecimento e também do respeito. A jornada de Marguerite é a mesma que centenas de adultos fazem com uma frequência maior do que as pessoas imaginam e que outros deveriam fazer – não se trata simplesmente de um nome, um rótulo, mas de algo que influencia tantas coisas que é impossível negar a falta que o diagnóstico faz. Ser autista afeta relacionamentos (amizade, amoroso e sexual), comunicação e o cotidiano. Só para exemplificar alguns dos sintomas e comportamentos do Asperger (Autista de Grau Leve) – vale ressaltar, que os sintomas podem piorar ou agravar com o tempo e como é um espectro, a autora lembra que existem tantas formas de autismo quanto autistas.


Confira alguns dos sintomas do Asperger (Autista Leve):

  • Interesses restritos (nem sempre conseguem interagir com quem não gosta das mesmas coisas)
  • Dificuldade de captar mensagens (piadas, analogias e ambiguidades) e expressar emoções (pode sentir vontade de rir ou sorrir em situações tristes e provocar estranhamento e o contrário também)
  • Se sentir cansado em lugares lotados (além de ser difícil prestar atenção em várias pessoas falando ao mesmo tempo, pode se sentir drenado)
  • Necessidade de ficar sozinho para recarregar as energias (pessoas não autistas adoram reunir uma quantidade grande de pessoas, enquanto os autistas se sentem bem em grupos pequenos)
  • Alimentação restrita (não comer algumas coisas e/ou querer comer sempre coisas parecidas)
  • Dificuldades nas interações sociais
  • Hipersensibilidade (barulho, luz, toque, odor – o excesso de estímulos sensoriais pode provocar mal-estar e também pode provocar insônia ou crises)
  • Ecolalia (repetição de palavras, frases e perguntas, seja por conta própria ou repetir o que a pessoa está falando ou a última frase/palavra dita pelo outro)
  • Hiper sinceridade (nem sempre consegue medir as palavras e pode ofender sem querer e/ou revelar coisas que alguém pediu para ele mentir)
  • Dificuldade para mentir (embora possa aprender observando os outros – é um mito que nenhum Asperger saiba mentir, mas é mais difícil para ele do que para um não autista)
  • Comportamentos estereotipados (movimentos repetitivos: girar objetos, pular, balançar as mãos, mexer no cabelo, coçar etc.)
  • Ser muito ligado às rotinas (mudanças de lugares podem ser bem complicadas e qualquer imprevisto pode desencadear uma crise – os horários são muito importantes para os Aspergers)
  • Detalhistas (percebem coisas que nem sempre os outros notam)
  • Respeitam as regras
  • Aceitam melhor as diferenças dos outros (embora nem sempre sejam respeitados e possam sofrer bullying em diferentes fases da vida)
  • Memória fotográfica (pode se lembrar de coisas que os outros não se lembram, mas também podem sofrer de cegueira de rosto – não se lembrar do rosto de pessoas que a conheceram em determinadas fases da vida)
  • Hiperfoco (podem se concentrar durante horas em algum assunto que gostam e até mesmo perder o sono por causa disso e se esquecer do mundo)


*O diagnóstico em mulheres é muito mais difícil de fechar, especialmente porque ao longo da vida, elas são incentivadas a socializarem cada vez mais. Recomendo a leitura deste artigo: Mulheres Aspies: Mulheres Adultas com Síndrome de Asperger. Em busca de um perfil feminino da Síndrome de Asperger. Sobre a autora do artigo: Tania Marshall está terminando seu doutorado/PhD em Estudos sobre Autismo, especializando-se em mulheres com Autismo. Ela tem mestrado em Psicologia do Desenvolvimento em Psicologia Aplicada e Bacharelado em Psicologia.

Link para leitura: http://mulheraspie.blogspot.com.br/2014/01/mulheres-aspies-mulheres-adultas-com.html

Não tem como falar muito sem não revelar toda a história da personagem. O que mais gostei na narrativa é a verossimilhança e como esse trabalho entretém, informa e ao mesmo tempo serve como um material de estudo e autoconhecimento para Aspergers. Eu acredito que o diagnóstico formal pode ser importante, mas também sei que existem muitas limitações, como fica claro na graphic novel e também como é possível conferir nos vídeos e textos sobre o assunto. É mais fácil reconhecer o autismo na fase infantil do que na fase adulta. Para quem não tem a oportunidade de conseguir o diagnóstico ao vivo, uma forma de saber se há alguma chance de ser autista é por meio dos testes. Lembrando que existem pessoas que passam a vida inteira sem o diagnóstico e outras que só conseguem após anos de insistência. Portanto, a identificação dos comportamentos pode fazer muita diferença. Mesmo sem o diagnóstico formal, a pessoa no espectro autista pode fazer os ajustes necessários para tornar sua vida mais fácil e lidar com o excesso de estímulos diários que não fazem tão mal para alguém que não é autista. Minha recomendação é muita leitura e a procura de médicos que sejam especialistas. Lembrando que como o Asperger é um autismo de grau leve, existem médicos que reconhecem somente o autismo moderado (grau 2) e autismo severo (grau 3). Procure associações de autismo e entre em contato à procura de indicações.

“A síndrome de Asperger é muitas vezes associada a outros problemas: transtorno de déficit de atenção (TDA/TDAH), ansiedade, transtorno bipolar, distúrbios de sono, depressão, distúrbios de aprendizagem... Os profissionais de saúde muitas vezes conseguem identificar os problemas acarretados, mas não a síndrome de Asperger. Assim, essas diversas condições muitas vezes são o que chamam a atenção, retardando o diagnóstico” – Julie Dachez e Mademoiselle Caroline, A Diferença Invisível

A dedicatória da Julie Dachez é emocionante e empoderadora. Para quem ficou curioso, coloquei os trechos dela ao longo deste texto. A mensagem final que fica é: não tenha vergonha de ser diferente e procure outras pessoas que possam entender e aceitar você do jeito que é.


No post anterior do blog, eu deixei alguns links úteis: http://www.benoliveira.com/2018/04/video-asperger-adulto-e-diferenca-invisivel.html

Além de ler A Diferença Invisível, também já li Mundo Singular (Ana Beatriz Barbosa Silva), O Menino Que Desenhava Monstros (Keith Donohue) e no momento estou lendo Em Algum Lugar Nas Estrelas (Clare Vanderpool) e O Tratamento Psicanalítico de Crianças Autistas (Tânia Ferreira e Angela Vorcaro). Para quem gosta de filmes, um que assisti recentemente é Adam, lançado em 2009.

*Lembrando: as próprias autoras de A Diferença Invisível ressaltam que o tratamento de psicanálise não é o mais adequado para autistas e já foi fortemente desaconselhado por organizações de saúde. Estou lendo o livro por curiosidade.


Sobre as autoras:

Julie Dachez é diagnosticada com um tipo de autismo (a síndrome de Asperger) aos 27 anos. Uma descoberta tardia, a qual transforma num trampolim para uma nova vida: ela para de ser forçar a aceitar um cotidiano que não é para ela e decide viver plenamente com suas forças e suas fraquezas. Em A Diferença Invisível, Julie conta seu percurso, mas também fala de diferenças – no sentido amplo do termo –, de respeito, de tolerância e de autoaceitação. Seu blog (http://emoiemoietmoi.over-blog.com/) é acompanhado por vários autistas e profissionais da saúde.

Mademoiselle Caroline nasceu em Paris e vive na Haute-Savoie. É autora de vários álbuns humorísticos e autobiográficos, como Quitter Paris e Je Commence Lundi. Em 2013 publicou Chute Libre, um relato sobre suas três depressões, que suscitou um grande interesse da mídia e dos leitores, e em 2015 lançou a adaptação em quadrinhos Touriste, do livro homônimo de Julien Blanc-Gras.

Veja também: 15 pessoas no espectro do autismo descrevem qual a sensação de ter uma crise

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

Comentários

  1. Olá
    Eu não tenho asperger, mas tenho dois primos que são autistas, grau 2 e grau 3. Eu tenho mutia vontade de ler essa Graphic. Parece bem interessante e deve ser esclarecedor pra muitas pessoas.

    Vidas em Preto e Branco

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    Respostas
    1. Oi, Lary! Vale a pena a leitura, sim. Ajuda muito a entender como a rotina pode ser impactante na vida de quem tem Asperger e como algumas coisas podem fazer mal. Não é frescura ou tentativa de chamar a atenção, embora pessoas não-autistas possam interpretar dessa forma.
      Abraços

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