Os anos passam mais algumas músicas continuam fazendo sucesso. Neste mês do Orgulho LGBTQIA , Born This Way , da Lady Gaga , permanece sendo reconhecida como um hino LGBTQIA. Mais do que cantar sobre a causa, a importância da própria identidade e aceitação, a cantora da música lançada em 2011 é também co-fundadora de uma fundação que apoia comunidades LGBTQIA. Segundo informações do site da Born This Way Foundation , a missão é: “Empoderar e inspirar os jovens a construírem um mundo mais gentil e corajoso que apoia a saúde mental e o bem-estar deles. Baseado na relação científica entre gentileza e saúde mental e construído em parceria com os jovens, a fundação incentiva pesquisa, programas, doações e parecerias para envolver o público jovem e conectá-los com recursos acessíveis de saúde mental”. Mais do que uma música para inspirar a Parada do Orgulho LGBTQIA ou ser ouvida o ano inteiro, Born This Way deixou esse grande legado que foi a fundação que já ajudou muitos jovens LGBTQIA. E o...
Autismo: A importância de escutar e interpretar o autista
O autista é incompreendido. Não importa se Asperger, grau leve, moderado ou severo. Muitas vezes, sua incapacidade de comunicar e expressar emoções levam as pessoas ao seu redor e os profissionais da saúde a tomarem atitudes que podem ser mais prejudiciais do que benéficas, como o uso excessivo e/ou desnecessário de medicamentos ou terapias que podem provocar ansiedade, como forçar o autista a olhar nos olhos por muito tempo.
Já bati nesta tecla algumas vezes: autistas não são iguais. O que incomoda um autista pode não provocar o mesmo efeito no outro e essa diferença de percepção pode gerar dúvidas. O conhecimento (e autoconhecimento no caso dos adolescentes e adultos autistas) pode ajudar e muito na redução das crises e do mal-estar. Por isso é importante o empoderamento* do autista, para que ele tenha um pouco de autonomia e aprenda a ser ouvido ou interpretado pelas pessoas ao seu redor. Há muitos profissionais e familiares falando pelos autistas, mas poucos autistas sendo escutados. Mesmo uma mãe que convive diariamente com o filho pode não ter a mesma noção do que acontece em seu mundo interno e interpretar de forma errada situações como preguiça, rebeldia e/ou agressividade.
*Essa questão do empoderamento não é exclusiva do meu texto. No mundo inteiro, autistas estão defendendo que suas vozes precisam ser ouvidas, não somente as de organizações que, muitas vezes, são dirigidas por não-autistas. Recomendo que leia um pouco para entender a diferença de percepção. As associações formadas por autistas não são contra formas terapêuticas que podem ser benéficas, mas são contra o excesso de medicamentos. Talvez o termo empoderamento incomode por um viés ideológico, mas não quer dizer que não seja necessário. Se o autista tem a voz desvalidada o tempo inteiro: se quando ele diz que barulho faz mal e alguém interpreta como frescura; Se quando diz que corre o risco de ter epilepsia (no caso de quem tem a comorbidade), ele não é respeitado; se quando um médico olha para ele e diz que não é autista porque ele aprendeu a olhar nos olhos; entre inúmeras variações do que acontecem no dia a dia de um autista (se fosse escrever, esta lista não teria fim), então, sim, a sociedade precisa aprender a escutar. Não se trata de reduzir a carga, se trata das pessoas entenderem que uma condição neurológica diversa não vai mudar só porque eles desejam. É impossível para um autista se tornar um não-autista (não é impossível que ele aprenda e repita comportamentos, mas biologicamente, ele continuará sendo autista, mesmo quando é 'invisível').
É muito difícil para um autista explicar para um neurotípico (não-autista) algumas coisas. O que faz sentido para nós pode não fazer sentido para eles e vice-versa. Embora não seja doença, mas uma condição neurológica, é triste ver que para algumas pessoas é complicado entender essa diferença e como esses preconceitos podem atrapalhar mais do que ajudar, especialmente aqueles que morrem de medo do diagnóstico, como adultos camaleões que nunca foram diagnosticados e/ou familiares que também são autistas, mas não percebem.
Nas últimas semanas, tenho observado autistas adultos se preocuparem com as crianças autistas que não têm a opção de dizer não, como aos remédios fortíssimos que tomam na infância. Nem tudo necessita de remédio, mas os ajustes são essenciais. Se os familiares e cuidadores de autistas não entendem quais são as coisas que podem fazer mal e provocar crises, muitas vezes, eles podem interpretar como uma doença. Embora autistas possam ter comorbidades, nem sempre elas estão presentes.
Outra coisa que incomoda autistas é o olhar de pena, o capacitismo, pessoas que agem como se fosse um castigo divino nascer com autismo. Além de ser ofensivo, não leva em conta de que da mesma forma que não é fácil para os familiares, nem sempre é fácil para o autista se adaptar ao que esperam dele. O único castigo do ser humano diferente é viver em uma sociedade preconceituosa que julga o tempo inteiro.
Algumas coisas que levam autistas a serem mal-interpretados por familiares, colegas, amigos e profissionais da saúde inexperientes e desatualizados sobre autismo:
Movimentos repetitivos e ecolalia
Estereotipias ou Stim são comportamentos repetitivos de autoestimulação (movimentos, sons, entre outros) que são utilizados para o autista se autorregular e se acalmar. Diante dos excessos de estímulos e de estresse, esses movimentos ajudam a prevenir algumas crises. Pode provocar estranhamento em pessoas não-autistas, mas se não é algo que prejudica, não há sentindo em proibir e/ou reprimir o autista ou querer substituir por remédios. A repetição de frases e perguntas também pode incomodar, especialmente nos dias em que as pessoas estão sem paciência. Vale lembrar que autistas não repetem propositalmente as coisas e puni-los por isso ou responder com grosseria pode só afastá-los. A vida é um eco. Autistas podem dizer coisas e ter comportamentos que são mal-interpretados ou podem ser sinceros demais sem querer, mas quando alguém tenta machucá-los, muitas vezes, é de propósito.
*Esse vídeo pode provocar mal-estar em quem tem sensibilidade à luz e às cores. O efeito visual foi para transmitir como ela enxerga o mundo.
Atenção
Autistas podem ter hiperfoco e interesses restritos. Podemos parecer apáticos e desinteressados quando falam de assuntos que não gostamos e falar muito sobre assuntos que gostamos. Isso leva algumas pessoas a interpretarem de forma errada, como ansiedade, depressão ou bipolaridade. A diferença entre autistas e neurotípicos também acontece nos diálogos. Se um autista não se interessa por um assunto, nem sempre ele consegue fingir que está interessado no que a pessoa tem a dizer – esse teatro social pode não fazer sentido.
Contatos sociais
O cansaço de lugares lotados de pessoas é real. Vale a pena questionar até que ponto vale a pena expor o autista a situações que o farão precisar recarregar as energias durante horas depois. O autista pode dizer não para situações que podem fazer mal e quem não entender, paciência. É fácil julgar aquilo que não sente. Assim como introvertidos, autistas podem se sentir esgotados, mesmo os autistas que são extrovertidos (existem autistas comunicativos). É preciso tirar o peso das costas do autista, parar de desejar que se comporte como um não-autista. O máximo que acontece é a aprendizagem do que é esperado dele. Instintivamente, autistas não diagnosticados aprendem ao longo da vida a evitar situações que podem provocar mal-estar. Não é necessariamente a mesma coisa que sociofobia ou que ao transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, embora possam ser comorbidades de alguns autistas. Outro ponto pouco discutido é o de relacionamentos pessoais; autistas também namoram e casam e muitos dos desentendimentos nos relacionamentos vêm da incompreensão desses comportamentos, especialmente na comunicação: se um autista ouve algo que pode ter outros sentidos, ele pode interpretar errado e/ou não entender piadas e expressões.
Horários
Por conta do hiperfoco, alguns autistas podem passar a madrugada lendo, pesquisando e/ou interagindo com assuntos que os interessam e não conseguir dormir nos horários esperados. No caso da falta de flexibilidade de horário, muitos recorrem a remédios e tratamentos que possam relaxar e induzir/corrigir o sono. Vale observar de que forma os medicamentos podem influenciar nos outros comportamentos.
Hipersensiblidade e hipossensibilidade
Está conectada aos muitos comportamentos que são incompreendidos. Se o autista se incomoda com barulhos, ele vai evitar lugares barulhentos se não tiver como reduzir esses ruídos e por conta da sensibilidade ao som pode achar que estão gritando com ele se o tom de voz for alto ou se muitas pessoas tentarem falar ao mesmo tempo com ele pode não saber no que se focar. Se o autista for hipersensível a luz, ele pode passar mal. Se tiver hipersensibilidade ao toque, um leve toque pode parecer mais pesado do que é e pode se sentir incomodado se ficarem tentando encostar nele o tempo todo. Além da hipersensibilidade, alguns autistas também podem ter hipossensibilidade. A combinação entre as duas coisas podem levar a comportamentos que provocam estranhamento em não-autistas, como não sentir dor ou sentir dor demais, não sentir frio ou sentir frio demais e por aí vai.
Empatia
Um dos principais mitos do autismo é o da falta de empatia. Isso leva a pessoas tratarem o autista como se fosse invisível e falar algo na frente dele, como se ele não estivesse escutando ou prestando atenção. Da mesma forma do que indivíduos não-autistas, autistas podem ter empatia demais, mesmo que as outras pessoas não percebam ou que eles não consigam demonstrar. Um autista pode não se sentir confortável em velórios, por exemplo, seja pela dificuldade de chorar e/ou sentir vontade de rir em momentos inesperados. Quem gosta de fofoca pode interpretar de forma errada. Antigamente, os médicos e os psicólogos – alguns ainda o fazem, por isso muitos autistas e familiares de autistas demoram para encontrar profissionais especializados – podiam interpretar alguns desses comportamentos como se fossem transtornos mentais, como a esquizofrenia, sociopatia e outros, aumentando ainda mais o preconceito, exclusão e uso de medicamentos desnecessários. Nossos rostos nem sempre interpretam o que sentimos: podemos sorrir quando estamos tristes e parecer tristes quando estamos felizes, entre inúmeras variações; também podemos ter dificuldade de interpretar expressões faciais dos outros.
Há tantas coisas que precisam ser ditas sobre o universo do Transtorno do Espectro Autista. Esse texto é só uma pincelada. Não sou nenhum especialista – embora temporariamente meu hiperfoco se tornou estudar o autismo –, mas pelo que observo, há muitos preconceitos daqueles que deveriam nos ajudar e não compreendem os mitos sobre o autismo. O despreparo de profissionais podem levar a atitudes antiéticas, como associar o autismo com a vacinação. É importante ressaltar que o autismo não é algo atual. Existe uma diferença gritante entre algo que só está sendo conhecido agora e algo que não existia. Isso nos faz pensar em tantas pessoas que foram mal-interpretadas ao longo da história, assim como artistas e algumas pessoas que eram autistas e nunca souberam e foram tratados com olhares de estranhamento pelos outros.
O preconceito ainda é real e diário, não quer dizer que precisamos aceitá-lo. Um dos melhores conselhos ao lidar com o autismo ainda é a aceitação. Às vezes, você precisa fechar os olhos e tampar os ouvidos para falsas ideias, como a indústria da cura do autismo (você não pode curar o que não é uma doença). Existem pessoas que envenenam os filhos achando que estão ajudando, outros que procuram conforto em ilusões. Uma criança autista cresce e se torna um adolescente autista e posteriormente, adulto e idoso autista. Lutar contra algo da natureza pode provocar mais sofrimento. O preconceito e a ignorância fazem com que autistas sejam violentados de inúmeras formas: psicologicamente, fisicamente e até mesmo sexualmente. E o que preocupa, nós, autistas, é de que muitas pessoas não têm conhecimento e/ou condições de se defenderem do mundo que não nos entende e vê doença em tudo que foge da normalidade.
Se o autista não se sente confortável e respeitado em casa, por que o mundo exterior vai respeitá-lo? Se os profissionais de saúde tratam o autista como se fosse doente, por que as pessoas leigas que não fazem a mínima ideia do que é o autismo vão respeitá-lo? Há muitas questões que precisam ser refletidas. Se não há inclusão dentro de casa, dificilmente terá fora também. Mudar o mundo é utopia, mas esperar que um autista se comporte como um não-autista só para agradar a sociedade, é perigoso e pode levá-lo à depressão. Deixe cada um ser como é. Você não pode consertar o que não está quebrado.
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.