A vida era mais do que frases de efeito e pensamento mágico. Muitas vezes, era sobre como realmente se sentia. Ser sincero consigo mesmo nem sempre era fácil, mas necessário. Aceitar que, em algumas situações, não fazer parte da vida do outro é o mais saudável para os dois. Assim como acreditar que o contrário também era possível. Era enxergando os dois extremos que poderia encontrar um lugar no meio. Então, a dor que havia sentido um dia, desaparecera. Não era nada mágico. Não era simples efeito do tempo. Era processar as emoções e aceitar as coisas como eram. O exercício de lidar com a frustração era algo diário, mesmo quando não imaginava que estava fazendo. Era somente ao lidar com aquilo que o incomodava, que realmente poderia se libertar. Não era fácil, mas era como finalmente tinha encontrado alguma paz. A paz vinha de ter abandonado a necessidade de agradar aos outros, ainda que desagradasse a si mesmo no processo. A paz vinha de entender que a esperança nem sempre era uma...
Mary e Max (2009) é o título de uma animação de longa-metragem que conta a história de dois personagens que se correspondem por trocas de cartas. Mary é uma garotinha solitária que acaba se comunicando com Max. O que esperar dessa história entre uma menina da Austrália e um homem dos Estados Unidos? Mais do que você imagina.
A animação em stop motion foi escrita e dirigida pelo australiano Adam Elliot, com produção de Melanie Coombs. Em uma entrevista, Adam Elliot revelou que Max foi inspirado em um colega com quem ele trocava mensagens durante 20 anos que vive em Nova Iorque. “Como o Max, ele é ateu, judeu e tem Síndrome de Asperger. Há várias semelhanças, mas o filme não é baseado na vida dele. Eu disse que foi inspirado nele”, afirma Adam Elliot
Unidos pela solidão e pela curiosidade, Mary e Max apresenta uma história sobre como duas pessoas bem diferentes podem se conectar através das palavras e como mesmo com a distância, essa sensação de proximidade pode ser diminuída quando encontramos alguém disposto a nos entender.
“Ele sentia o amor, mas não conseguia articulá-lo”– Mary e Max
É interessante observar que, embora pessoas com Síndrome de Asperger (autistas) tenham dificuldade com a comunicação ao vivo, muitas dessas limitações são reduzidas em outras formas de interação, como é mostrado na animação: troca de cartas, mas se trazermos para o nosso contexto, a internet facilitou e muito a vida de aspies, possibilitando que eles conhecessem outras pessoas no universo virtual sem que precisassem sair de casa. O que começa como uma troca de curiosidades culturais acaba se transformando em uma amizade. A história mostra o desenrolar de cada um deles e de que forma os acontecimentos influenciam suas cartas. Enquanto Mary está tentando juntar dinheiro, Max descobre que mesmo na fase adulta, ainda há tanto que ele não sabe sobre si mesmo.
“As pessoas geralmente pensam que eu sou indelicado e grosseiro. Não consigo entender como ser honesto pode ser considerado impróprio. Talvez seja por isso que não tenho amigos”– Mary e Max
Uma história sobre diagnóstico tardio de Síndrome de Asperger na fase adulta e de como o autismo influencia não só os próprios comportamentos de Max, mas também a maneira que ele é percebido pelos outros. Entre aproximações e distanciamentos, Mary e Max passam por diversas situações transformadoras.
“A razão pela qual eu te perdoo é porque você não é perfeita. Você é imperfeita. E eu também sou. Todos os humanos são imperfeitos” – Mary e Max
A animação é muito mais dramática que eu esperava e tem um toque melancólico. Torcemos para que os personagens se realizem, se desenvolvam e possam ser felizes, porém a dose de realismo da produção nos leva uma jornada inesperada. Angustiante e imprevisível como a existência, mesmo tentando adivinhar quais serão os destinos de Mary e Max, somos arrebatados pelo final.
Mary e Max nos faz refletir sobre a importância das amizades, mesmo quando temos dificuldades de encontrar pessoas por perto e mesmo quando as circunstâncias de vida não são as mais favoráveis. Embora Mary não seja autista, ela carrega marcas da infância que afetam completamente sua autoestima e sua estabilidade emocional; já Max luta com os desafios do dia a dia e com a dificuldade de ser entendido pelos outros, especialmente quando se mora em uma cidade grande, barulhenta e repleta de estímulos sensoriais e situações que podem causar crises autísticas.
Um filme sobre autoaceitação e amor próprio que nos mostra os desafios de uma amizade à distância e de como por mais finas que sejam as linhas que ligam as pessoas, elas podem fazer a diferença. Uma narrativa repleta de humor, ironia e tristeza, que embora a intenção não seja educar, acaba levando conscientização sobre o Síndrome de Asperger (autismo) e nos faz pensar em como nossa identidade e encontrar nosso lugar no mundo importam.
Assista ao trailer da animação Mary e Max:
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.