Os anos passam mais algumas músicas continuam fazendo sucesso. Neste mês do Orgulho LGBTQIA , Born This Way , da Lady Gaga , permanece sendo reconhecida como um hino LGBTQIA. Mais do que cantar sobre a causa, a importância da própria identidade e aceitação, a cantora da música lançada em 2011 é também co-fundadora de uma fundação que apoia comunidades LGBTQIA. Segundo informações do site da Born This Way Foundation , a missão é: “Empoderar e inspirar os jovens a construírem um mundo mais gentil e corajoso que apoia a saúde mental e o bem-estar deles. Baseado na relação científica entre gentileza e saúde mental e construído em parceria com os jovens, a fundação incentiva pesquisa, programas, doações e parecerias para envolver o público jovem e conectá-los com recursos acessíveis de saúde mental”. Mais do que uma música para inspirar a Parada do Orgulho LGBTQIA ou ser ouvida o ano inteiro, Born This Way deixou esse grande legado que foi a fundação que já ajudou muitos jovens LGBTQIA. E o...
Entrevista: Evelyn Postali, escritora compartilha sua paixão por contar histórias
Professora de artes, escritora, artista, Evelyn Postali se aventura pela paixão da escrita por meio de contos, poesias e romances, mas seu encantamento por histórias não para por aí – ela também é aficionada por ilustrações e fotografia. Nascida em Antônio Prado, no interior do Rio Grande do Sul, Evelyn é o tipo de artista que explora diversas formas de expressões e sabe como conduzir o leitor pelas trilhas da vida com delicadezas e intensidades.
Autora de inúmeros contos de diferentes temáticas publicados em antologias e do romance Trilhas de Silêncio (Leia a resenha do livro), publicado em 2016, Evelyn agora se prepara para lançar outro romance de ficção, Promessa de Liberdade, já disponível no formato de eBook na Amazon.
Durante a entrevista, a escritora falou sobre o seu interesse pela escrita e literatura, a importância de incentivar o hábito da leitura no Brasil, o seu processo de criação literária, os seus romances e finalizou com algumas indicações de livros e deixou dicas para escritores iniciantes.
Confira abaixo a entrevista com a escritora Evelyn Postali:
Ben Oliveira: Evelyn, quando surgiu o seu interesse pela arte de escrever?
Evelyn Postali: Adolescência é uma fase estranha. É quando nos apaixonamos e, ao mesmo tempo, mergulhamos em mudanças significativas. Nem tudo é um mar de rosas. Nem tudo também é revolta, revolução. Foi aí que surgiu a necessidade de escrever. E manter sob sete chaves. Em total segredo. Coisa mais comum na vida ter um diário carregado de declarações platônicas de amor unilateral, não é? Esse talvez tenha sido o primeiro momento de escrita livre, totalmente crua, desapegada de sentido, mas com muito sentimento.
Ao terminar o Ensino Médio, ingressando na faculdade e, posteriormente, assumindo o magistério, o tempo foi tomado por trabalhos e mais trabalhos e leituras técnicas. Meu interesse voltou-se para a Arte de forma intensa e positiva. Todas as leituras, todas as pesquisas e projetos estiveram voltados para essa área.
Em 2007, através da minha sobrinha conheci as fanfictions e, incentivada por ela, escrevi algumas histórias dentro do universo de Supernatural. Virei uma ficwriter! Tenho muito amor por esse universo e, dele, arrecadei amizades maravilhosas. Esse universo, que muitas vezes é discriminado, acolhe pessoas apaixonadas por histórias, por caça-fantasmas, galáxias distantes, por cabines telefônicas, por música, por diversidade!
Cinco anos depois, participando de eventos literários com minha irmã, senti as pernas mais firmes e o desejo mais livre, e sob pressão da Ceres, minha irmã, que é escritora, decidi participar de antologias. Trilhas de Silêncio nasceu em meio a essas coisas todas.
Ben Oliveira: Todo escritor é também um bom leitor. Qual é o papel da leitura em sua vida? Evelyn Postali: Quando pequenas, minha irmã e eu tínhamos uma pequena biblioteca. Gibis, clássicos infantis, enciclopédias. Éramos incentivadas a ler e a pesquisar o que não sabíamos. Eu gostava de saber sobre os astros do céu, sobre as constelações. E era apaixonada pelas HQs do Batman. Elas eram em preto e branco. Gostava de histórias de princesas como a grande maioria das crianças.
Na escola, líamos autores brasileiros. Eu li bons livros, mas algumas leituras precisam de mentes maduras ou do tempo certo de leitura.
Histórias como as de Júlio Verne me encantavam e ainda encantam. É um universo que me transporta para uma experiência maravilhosa. Eu gosto muito de ficção científica, de lendas, de histórias de terror, de mistérios policiais. Aventura! Ação! Também gosto de histórias românticas.
Eu li e ainda leio muita poesia. A cada leitura, uma descoberta, um pensamento diferente. Recentemente eu juntei os poemas guardados de anos e revisados entre 2010 e 2015 em um livro – Mó do tempo, pó da alma e onze poemas.
Ben Oliveira: Você é professora de artes. Além de escrever, também gosta de fotografar e pintar. De que forma você acha que essas diferentes expressões artísticas estão presentes em seus textos? Evelyn Postali: Amo fotografia. Eu observo aves. Tenho paixão por elas. Mas fotografia é algo incrível. Também adoro desenho, cinema, arquitetura. Música (boa música – porque ultimamente...), poesia. Gosto de conhecer processos de criaçãodentro desses universos. Estou sempre buscando aprender. Costumo ilustrar meus textos quando tenho um tempo. Trabalhar com as imagens nos editores. Nada profissional, mas me empenho para saber fazer bem feito.
A arte é uma ação que liberta. É uma ação que, acredito, apenas o ser humano livre é capaz de desenvolver. É preciso estar aberto para as mudanças. É necessário não ser acomodado. Porque a arte desassossega, desequilibra; ela mexe com a sensibilidade, com o entendimento de mundo. Ela trabalha com as possibilidades, com versatilidade, horizontes amplos e abertos, com as incertezas, com as transformações. É pensamento, ação, sentir.
Acredito que todo esse universo tenha me feito aberta para o novo, para o diferente, para questões que incomodam, para o sensível. Ver o mundo com olhar deferente. Talvez isso tenha me feito buscar histórias que me passem sensibilidade, verdade, novidade; que não sejam vazias de conteúdo, que falem de coisas verdadeiramente humanas, próximas de mim.
Ben Oliveira: Você já considerou produzir alguma obra literária juntando o texto com as ilustrações? Evelyn Postali: Estou trabalhando para isso. Tenho alguns projetos – muitos! – mas os mais estruturados são um livro de contos que estou ilustrando e duas histórias infantis. Talvez o livro de contos fique pronto antes, porque as histórias infantis ainda não saíram do rascunho. Eu busquei parcerias para desenvolvê-las, mas não encontrei muita receptividade. Também porque o mercado se apresenta incerto. Então, terei que fazer por mim mesma quando for possível.
O livro de contos já tem nome (Páginas do Imaginário – Contos Fantásticos) – e já tem capa! Os contos passaram por revisões e estiveram disponíveis no blog por algum tempo. Agora, estou ilustrando. Já encaminhei para o EDA. Aos poucos ele vai se materializando.
Os dois livros infantis ainda não têm título.
Outro desejo é fazer uma graphic novel. Roteiro já existe. Apesar de desenhar, não tenho técnica e suporte para realizar. Essas coisas vão ficando engavetadas.
Ben Oliveira: No Brasil, o índice de leitura ainda é bem baixo. Acredito que todo escritor acaba sendo um pouco professor, tendo que estimular o interesse pela leitura. Como professora e escritora, qual é a importância de despertar e incentivar o hábito da leitura? Evelyn Postali: Em um país como o Brasil, onde o poder aquisitivo é baixo, onde a instituição escola é desprezada, onde professor é desacreditado e cultura é um bem supérfluo... Fazemos sempre tudo o que está ao nosso alcance para os alunos criarem o hábito da leitura. Posso afirmar isso como professora. As ações dentro da escola estão voltadas para isso. Mostrar que se lê, falar sobre o que se leu, contar sobre livros, fazer relações, refletir sobre o que se leu, é dar exemplo. Isso faz sentido para o aluno e ele vai perceber, mesmo que aos poucos, a importância dessa ação. Isso é quase vital. É tão importante quanto respirar. Porque pessoas que não leem, que não viajam nessa magia, que não despertam o pensamento para esses universos, têm uma visão limitada do mundo. Não basta só Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Física, Química, Educação Física! O mundo vai além de conteúdos rígidos. E, posso dizer, eles não são ensinados de forma tão rígida também. Existe uma versatilidade no ensino hoje, muito diferente de alguns anos. Então, não ler, não mergulhar nessas histórias fantásticas que outros escrevem, faz o mundo ser pequeno e comum. E ele não é.
Também não importa se leu um livro em dois meses ou dez. Importa se a leitura fez sentido, se você, como leitor, deu sentido para ela; procurou o sentido, refletiu. Mas é preciso mais, porque meia hora de leitura na escola não vai formar um cidadão leitor. É preciso desenvolver mais ações para que isso se torne algo comum.
Ben Oliveira: Os capítulos iniciais de Trilhas de Silêncio foram publicados na internet em um blog, antes do livro ser publicado na íntegra em ebook e livro impresso. De quais formas essas ferramentas de publicação online podem ajudar escritores? Evelyn Postali: Eu tive pouco retorno no Blog e no Wattpad em termos de comentários, mas acredito que a mostra dos capítulos desperte interesse dos leitores pela continuação da leitura. As plataformas estão à nossa disposição, então, devemos utilizá-las. É uma maneira, também, de nos fazermos conhecidos.
Uma das coisas que tenho vontade de fazer é traduzir para o inglês a história. Quem sabe para um futuro não tão distante.
Ben Oliveira: Trilhas de Silêncio é um romance de delicadezas, silêncios e olhares. Os personagens e cenários são tão bem escritos, que é difícil não se imaginar dentro da história. Como foi o seu processo de escrita do romance? Evelyn Postali: A ideia surgiu em 2010, com um pequeno texto que está dentro de uma das partes do livro e com um título que foi descartado – História em três tempos. Escrevi alguns capítulos e mostrei para algumas pessoas que apontaram problemas de construção. Durante um ano, escrevi pequenos trechos e o roteiro. Depois abandonei, desanimada.
A partir da escrita de contos para antologias, senti coragem para retomar o que hoje é Trilhas de Silêncio. Muito do incentivo que tive partiu da Sil, minha amiga e beta (olha eu aqui acenando para você, mulher!). Durante um ano eu escrevia as cenas e ela lia e revisava. Escutava minhas reclamações e minhas dúvidas, revisávamos e analisávamos as ações dos personagens. Eles já estavam estruturados, mas minha preocupação era de manter o rumo, a coerência. No final de um ano, mais ou menos, a história estava pronta. Então, parti para as revisões. Todas as cenas eram revisadas por mim e pela Sil.
Procurei uma leitora crítica, a Kyanja Lee, que fez um excelente trabalho apontando falhas, repetições, ideias confusas. Na avaliação dela, faltava algo mais para compor o personagem Vicente. Então, escrevi cinco cenas a mais, mostrando esse personagem. Das cinco, três estão no livro. Duas extras, ainda estão para serem mostradas aos leitores.
Trilhas de Silêncio ainda contou com leituras críticas do Douglas Pereira, excelente escritor e revisor (recomendo sem hesitar!) e de Camila Deus Dará, também ótima escritora de fantasia.
Entre capa para e-book (Bianca Sousa fez a capa para a versão digital), registro no EDA, contratempos com uma editora que não cumpriu os prazos e falta de experiência, o ano de 2015 se foi. O bom de tudo é que nesse ano de 2015 algumas pessoas leram a história e me deram um retorno positivo. Fiz novas revisões. Aprendi a fazer capas! E conheci um anjo chamado Samuel Cardeal (leiam as histórias desse escritor!). Ele diagramou o livro com fotos que eu tinha feito para ilustrar a história, opinou sobre a composição da capa (o que colocar nas orelhas!), me ajudou com a ficha catalográfica e ISBN.
Posso dizer que desses anos de trilhas e Trilhas, aprendi um bocado. Sem arrependimentos.
Ben Oliveira: Algumas histórias são mais difíceis do que outras na hora de escrever. A maior parte da história se passa em Lagoa Bela. Por você estar familiarizada com o ambiente, você acredita que isso foi uma vantagem? Evelyn Postali: Eu não queria, desde o começo, escrever uma história em um cenário longe de mim, da minha vivência. Também porque Israel, Vicente, Ana, Melinda, surgiram dentro desse cenário, com as particularidades desse lugar que tem um pouco da minha vivência, um pouco do lugar onde estou, um pouco de lugares que conheço. Abusei de elementos familiares. Tudo o que eu pude.
Mas cada história é uma história. Promessa de Liberdade, por exemplo, se passa em Curitiba e em alguns lugares específicos do Paraná. Coisas próximas, cenários familiares, modos de vida conhecidos. Fuligem, a nova história – policial – que está sendo revisada, acontece em Porto Alegre. Se um dia eu tiver alguma ideia de roteiro que se encaixe em Paris, por exemplo, ou em Tóquio, ou em algum lugar do deserto da Patagônia, então, tentarei escrever de forma a me aproximar ao máximo da veracidade do lugar que envolverá os personagens. Tudo vai depender da ideia que surgir.
Tenho vontade de escrever uma história que se passe longe do Brasil. Ainda não criei coragem para isso. Mas ela seria uma história policial com certeza. Tenho alguns roteiros que merecem uma chance. Ben Oliveira: Quais foram os principais desafios na hora de escrever? Evelyn Postali: Foi uma jornada com muitos desafios. Às vezes, batia a insegurança. Medo de errar. Medo de mostrar o que estava escrevendo. Às vezes, as questões da forma de narrar atropelavam meu dia. Escrever em primeira pessoa a maior parte dela foi um pouco limitador. Em outras vezes, a parada se dava pela revisão, ou pela estrutura dos personagens, ou, ainda, a indecisão quanto ao melhor roteiro para determinada cena. Teve dias em que não saiu um único suspiro para o papel. Em outros, duas, três páginas seguidas; uma ou duas cenas sem problema algum.
Escrevi Trilhas de Silêncio entre filhos, companheiro, escola, alunos, casa... Aproveitava os poucos momentos em solidão para colocar as ideias em ordem. Muitas vezes, esperava a casa dormir para eu escrever e trocar ideias com a beta. Ben Oliveira: A literatura acaba levando o leitor a vivenciar outras histórias, experiências e a se colocar na pele de outras pessoas. Sua obra retrata alguns temas, como a homofobia, os laços de família e os contrastes entre a vida no campo e na cidade grande. Além de entreter, você acredita que a leitura pode ajudar a combater preconceitos? Evelyn Postali: Eu acho tão estranho as separações que são feitas pelas pessoas... Eu escrevi uma história cujos personagens são pessoas iguais a mim, a você, ao meu companheiro, ao seu. As pessoas tendem a rotular as histórias. Essa história é para os ‘x’, essa história é para os ‘n’, essa outra é para os ‘y’... Eu já ouvi de um autor iniciante (eu também sou novata, apesar da idade) que se sentia desconfortável lendo um dos meus contos. Explicou-se dizendo que a causa era a temática homoafetiva. Eu não sei para onde caminha a humanidade, mas sei para onde quero caminhar: para a frente, sempre ampliando meus horizontes, diminuindo a distância entre mim e o outro. O que nos resta, afinal, dessa jornada senão o entendimento de sermos finitos e precisarmos viver plenamente essa vida?
Sob esse aspecto, sim. A leitura pode ajudar a combater preconceitos. A escrita pode mudar a maneira das pessoas entenderem o mundo.
Eu acredito que todo escritor escreve para diminuir distâncias, criar ligações, instigar reflexões sobre a vida... para transformar de alguma maneira. Por pouco que seja, toda história vai provocar o leitor, vai mudar algo dentro dele, vai quebrar aqueles cristais tão bem cuidados dentro de cristaleiras, ou vai abrir janelas e portas para espaços desconhecidos.
Eu não acredito na escrita sem intenção. Também não acredito em um escritor que não busque sacudir o leitor em algum momento, ou que não queira um mínimo de reflexão sobre sua construção. Pode não ser o suficiente, mas se cada um faz um pouco,poderemos verificar alguma mudança.
Ben Oliveira: Muitos escritores iniciantes acabam apostando na autopublicação e se esquecem de outros elementos importantes, como a revisão e o projeto gráfico. Comoestá sendo sua experiência com a autopublicação?
Evelyn Postali: Ela envolve mais aspectos negativos do que positivos. Autopublicação implica em você estar sozinha em meio a um oceano de dúvidas tentando ficar na superfície. Eu, por exemplo, não entendo nada de mercado, de divulgação. Eu divulgo o livro através dos meios que eu conheço – blog, Wattpad, Twitter, Facebook, mensagens. E é isso. Mas não é uma ação efetiva, que dê garantias de ser lida.
Antes de ‘optar’ pela independência, enviei o original para algumas dezenas de editoras. Quando não recebia resposta, a proposta vinha através de um ‘não estamos aceitando originais’ ou de valores além da possibilidade de qualquer escritor. É complicado. Então, luta-se com as armas que se tem. Enquanto não se alcança um reconhecimento de fato, ou suporte concreto, vai-se escrevendo, não é?
Ben Oliveira: Se eu pudesse descrever sua escrita em uma palavra seria versatilidade. Você já escreveu contos de fantasia, ficção científica, terror, drama, ação, além de escrever romances e poesias. Algumas dessas temáticas e gêneros te atraem mais do que outras ou sua paixão é por contar histórias? Evelyn Postali: Histórias! Minha paixão é por histórias. Histórias policiais, de ficção científica, de fantasia, horror, românticas, de final infeliz, dentro do universo nacional, fora dele... Histórias. Uma das coisas que aprendi com a minha amiga e beta foi que, ao pensar na ideia, no tema, a pergunta a se fazer não é ‘por que escrever essa história?’. A pergunta a ser feita é: por que não escrever?
Ben Oliveira: No primeiro capítulo de Trilhas de Silêncio tem um trecho marcante: “Histórias comuns não existem porque nenhuma, de verdade, pode ser assim considerada. Contar uma história não é senão contar um pedaço de nós...”. Seres humanos são movidos por histórias. Em uma sociedade em que a literatura nem sempre é valorizada, é fácil acabar se sentindo desvalorizado, principalmente para pessoas da área artística. Você acredita que todos nós podemos escrever nossas próprias histórias? Evelyn Postali: Nós escrevemos histórias todos os dias, Ben. Algumas vão para o papel. Outras apenas são vividas e guardadas, ou como experiências, ou como situações a evitar. O homem sempre contou histórias. As primeiras, ao redor das fogueiras, envoltas em mistérios, pertencentes a um mundo ainda desconhecido. Depois, através de pergaminhos, de livros com iluminuras, jornais, revistas, livros ilustrados. Hoje, através da tecnologia, dos meios digitais.
As nossas vivências e as vivências dos que nos cercam são elementos, materiais, geradores de ideias. Uma notícia, ou um acontecimento, é bastante para irmos além, fantasiarmos e escrevermos roteiros mentais sobre o que vimos ou ouvimos. Quando alguém nos conta algo ou quando vemos algo acontecer, ou lemos, nossa mente já funciona de forma a gerar ideias, levantando hipóteses, criando relações. Isso tudo acontece o tempo todo.
Alguns têm mais facilidade para contar histórias; deixam fluir a emoção, narram os fatos com dinamicidade ou com poesia, e encantam os ouvintes ou leitores. Enchem nossa vida com narrativas intensas, vibrantes, nos transportando para outros lugares e tempos. Outros precisam de ajuda para desenvolver as tramas, torná-las claras; é preciso, nesse caso, conhecer e desenvolver técnicas para destrinchar o emaranhado do roteiro, por simples que seja. Mas todos conseguem contar, em determinado momento, alguma história que vai ser parte da vida do outro. Esse é o ponto máximo de contar uma história: ela fará parte do outro.
Ben Oliveira: Concursos literários e coletâneas, muitas vezes, são portas de entrada para escritores iniciantes entrarem em contato com outros autores e amadurecerem a escrita. Do início até os dias atuais, como essa experiência te ajudou tanto com a escrita quanto com a construção de relacionamentos com outros escritores e profissionais da área? Evelyn Postali: Escrever contos e participar de concursos é muito bom. Juntando as antologias que aconteceram e as que não aconteceram por motivos diversos (falência editorial, concursos duvidosos) já foram aí, nove publicações sobre vários temas. Além da experiência na escrita, os relacionamentos construídos ao longo desses anos foram maravilhosos. Tenho muito a agradecer as amizades e a aprendizagem durante esse tempo.
Ben Oliveira: Recentemente você anunciou o lançamento do seu próximo livro: Promessa de Liberdade. Conte sobre a trama e sobre o que o leitor pode esperar da obra? Evelyn Postali: Essa história surgiu a partir de um conto de mesmo nome. Esse conto está na antologia Ponto Reverso, da Andross Editora. Eu participei dessa antologia porque fugia dos temas recorrentes. Promessa de Liberdade é uma realidade alternativa. A história se passa em um Brasil com uma economia forte. Contudo, o país tem na escravidão dos negros e no massacre das minorias a base de todo o desenvolvimento econômico. Projeta-se no cenário mundial como uma potência capaz de competir com os fortes países capitalistas ou os concorrentes socialistas.
Nessa história, temos Carlos. Ele é filho de um dos homens mais poderosos do país e dono da maior rede de treinamento escravo. A liberdade que ele almeja está muito além daquela que possui. Ele é músico de uma banda considerada transgressora, ele luta para manter-se longe das garras poderosas da opressão exercida pela família e Estado.
Nessa realidade alternativa, nesse Brasil contemporâneo, onde a escravidão de negros ainda persiste, onde as mulheres são reprimidas e o amor livre de preconceitos é punido com a prisão ou com a pena capital, Carlos terá que enfrentar momentos difíceis no encontro com E-558, um escravo fugitivo das empresas do pai. E-558 foge de uma das empresas em decorrência de um ataque do MLB, um grupo que luta às escondidas pela abolição da escravatura e pela mudança das leis do país.
No momento desse encontro, ele questionará o real sentido da liberdade que possui e daquela que almeja.
O Alfer Medeiros que prefaciou a história diz algo bem dentro do que eu poderia dizer também: Não espere alívios cômicos ou ações hollywoodianas neste livro. Aqui, prevalecem a aspereza e o sabor amargo que um Brasil escravagista contemporâneo pode oferecer em doses maciças. Do simples incômodo à mais profunda revolta, deixe-se emocionar por este livro escrito ao som de grilhões rompidos, rock’n’roll e lamentos abafados dos oprimidos. Que Promessa de Liberdade deixe muitas sementes de reflexões em sua mente, pois o questionamento inconformado é o combustível desta história – e toda ficção tem raízes fincadas na realidade que nos cerca.
Ben Oliveira: Quais escritores e livros marcaram sua vida e acabam influenciando sua escrita? Evelyn Postali: Quando penso em livros que li, as primeiras palavras vêm de poemas. Poemas. Poetas. Guardo, dos livros de poesia, momentos inesquecíveis. Pablo Neruda, Vinícius de Moraes, Leminski, Robert Frost, Cecília Meireles, Bukowski, Cummings, Mário Quintana e muitos outros. Longe dos poemas, é difícil nomear algum autor específico porque li muitas coisas. Eu li Machado de Assis, José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida, Moacir Scliar, Shakespeare, Júlio Verne, Ítalo Calvino, Jorge Luis Borges, Umberto Eco, Clarice Lispector, Yukio Mishima.
Os últimos lidos (e considero que sempre é válido listar coisas, mesmo quando temos certeza de que esqueceremos algo): Reinaldo Arenas (Antes que anoiteça), Christopher Isherwood (Um homem singular), Haruki Murakami (O incolor TsukuruTazaki), Alfer Medeiros (Fúria lupina, Livraria limítrofe), Eric Novello (A sombra no sol, Neon azul, Exorcismos, amores e uma dose de blues), Eduardo M. Kasse (O andarilho das sombras), Luiz Rufatto (Eles eram muitos cavalos), Marçal Aquino (Cabeça à prêmio), Felipe Colbert (A entrevista ininterrupta, Ponto cego), Samuel Cardeal (O quarto cavaleiro, Depois do fim), Elder Caldeira (Águas Turvas), Benjamin Alire Saenz (Aristóteles e Dante descobrem os segredos do universo). E tenho leituras planejadas para esse ano: Oscar Wilde (reler O Retrato de Dorian Gray), Ngugi Wa Thiongo (Um grão de trigo), Jeanette Winterson (Deuses de pedra), John Green (Looking for Alaska), Stephen King (O cemitério), Gabriel Garcia Márquez (reler Cem anos de solidão). E dois e-books já iniciados: do Alec Silva, A guerra dos criativos, e da Tatiane Mareto Silva, Jogos de adultos. Sou uma leitora lenta. Não consigo ler muitos livros em um ano. Todos os livros que li até agora foram excelentes livros.
Ben Oliveira: Quais dicas você deixaria para os escritores iniciantes? Evelyn Postali: Primeiro: Já se escreveu sobre tudo, mas não de todas as formas. Então, todas as ideias são boas. A questão é escrevê-las de forma diferente.
Segundo: Revisar, revisar e revisar. Buscar leitores-beta ou revisores para varredura no texto buscando erros, repetições de ideias, pontas soltas. Aquele conselho que todos os escritores mais experientes falam – escrever, escrever, escrever; revisar, revisar, revisar – é um ótimo conselho.
Terceiro: Eu ainda me considero uma escritora iniciante. Antes de ensinar, procuro aprender. Oficinas, seminários, encontros, cursos! Não somos obrigados a saber tudo, mas não devemos limitar nossos horizontes. O conhecimento não ocupa lugar dentro de nós. E quanto mais se aprende, melhor fica.
Quarto: Não desistir! Se uma ideia não vingou, se você não conseguir desenvolvê-la no momento em que ela surge, guarde para depois. Para tudo tem um tempo.
Ben Oliveira: Alguma mensagem que você gostaria de deixar para seus leitores? Evelyn Postali: Eu quero deixar o meu agradecimento de todo o coração pelo carinho, pelo incentivo, pela divulgação, porque isso é de um valor que não consigo mensurar. Serei eternamente grata.
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