A série alemã Cassandra mal estreou e fez certo sucesso na Netflix . Com uma trama envolvendo uma casa inteligente (smart house), a série mostra um cenário desastroso no qual uma família se torna vítima das ações fora de controle de um projeto sobre transferência de consciência conectada em todos pontos e nos quais, eles estão sempre sendo observados. O que mais me chamou a atenção na série foi conferir que ela se passa em dois tempos e como a tecnologia foi implementada no passado, apesar de não focarem muito nisso. Diferente do foco ser na tecnologia aplicada, acaba se tornando os elementos humanos que serviram de espelho para sua criação, uma mulher motivada pela necessidade de controle e vingança. A série toca em alguns pontos, como a manipulação (gaslighting), fazendo a mãe da família achar que está ficando louca e sendo duvidada pelos outros, enquanto eles se tornam, literalmente, reféns de sua própria casa. Apesar de ter um estilo mais retro, a série ganha atenção do público p...
O livro Promessa de Liberdade não é uma leitura para quem procura uma viagem sem turbulências e depois voltar para casa relaxado, com os pés para o alto, a respiração calma e o coração tranquilo. A autora brasileira Evelyn Postali escreveu um romance de realidade alternativa que se passa em um Brasil em que a escravidão dos negros não acabou e outras minorias são oprimidas. Neste momento em que vivemos de polarizações e radicalismos, nada como uma dose de literatura para nos fazer mergulhar no assombroso terreno da imaginação. Enquanto algumas histórias começam com "era uma vez", outras se criam a partir do “e se” e estas, nem sempre terminam com um final feliz.
A obra disponível no formato físico no Clube de Autores e em formato de eBook na Amazon é o segundo romance publicado pela escritora, logo após a publicação de Trilhas de Silêncio. Desde o prefácio do livro, somos avisados pelo escritor Alfer Medeiros sobre a força de Promessa de Liberdade, que é capaz de incomodar e emocionar. “Não espere alívios cômicos ou ações hollywoodianas neste livro. Aqui prevalecem a aspereza e o sabor amargo que um Brasil escravagista contemporâneo pode oferecer em doses maciças… Que Promessa de Liberdade deixe muitas sementes de reflexões em sua mente, pois o questionamento inconformado é o combustível desta história – e toda ficção tem raízes fincadas na realidade que nos cerca”, alerta Alfer.
O romance foi dividido em três partes e a cada início a autora nos brinda com uma epígrafe que se encaixa muito bem com a trama, lançando algumas reflexões que complementam à narrativa, como esta do filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre: “Viver é isso: ficar se equilibrando o tempo todo entre escolhas e consequências”. Escrever sobre liberdade é sempre algo complicado, principalmente quando se trata de uma história com uma dose de distopia. Quem poderá dizer que é completamente livre? Quantas amarras visíveis e invisíveis fazem parte da condição humana e persistem com o passar dos séculos? Seja no real ou na ficção, pensar na escravidão é algo ainda inquietante, que nos remete ao período sombrio da história brasileira… Agora, pense como seria nosso país se a escravidão não tivesse sido abolida.
“Homens são livres, nascem livres. E histórias podem ser mal contadas… Nossa condição humana advém da liberdade. Liberdade de ir e vir, de viver, de nascer, ou morrer, de cultuar um Deus, mais de um, ou nenhum. Liberdade de estudar, amar, casar”.
Narrado em terceira pessoa, desde o primeiro capítulo o leitor é transportado para uma das manifestações que acontece em Curitiba, em que líderes de um movimento marchavam pela justiça e igualdade, data que lembrava a morte de Isabel I e marcava o fim da esperança no final do século XIX da assinatura da lei que determinaria o fim da escravidão. O cenário é noticiado de forma velada pela mídia e logo acaba se dissipando entre notícias do cotidiano. Deste plano geral, vamos saltando pelos quadros dos personagens e vivenciando seus contextos que diante de tantas injustiças sociais podem nos tirar da zona de conforto e despertar emoções, como a empatia e a raiva.
O personagem principal da história se chama Carlos. Filho de uma das famílias mais poderosas e que era à favor da escravidão, ele não concorda com os pensamentos do pai e tenta viver de forma autônoma, se dedicando à paixão pela música. Mesmo sendo branco, ele acredita que a liberdade deveria ser um direito de todos e tenta discretamente se envolver com o movimento abolicionista, seja ajudando a compor canções ou acompanhando os eventos em que escravos podem ser levados por seus donos.
“A sociedade brasileira, acostumada à escravidão dos negros, há alguns poucos anos aceitara a escravidão imposta às minorias contrárias às leis cada vez mais rígidas e a religião predominantemente católica, mas à mercê da benevolência do Estado. Índios, ateus, homossexuais e praticantes de outras religiões e cultos viviam na obscuridade, aventurando-se nas relações, temendo serem descobertos e aprisionados sem qualquer oportunidade de defesa, torturados e mortos muitas vezes, esquecidos nas prisões especiais. Pessoas comuns, cujas vontades limitavam-se pelo fanatismo nacionalista, esqueciam-se da vontade própria”.
A trama começa a se movimentar quando um escravo cruza o caminho de Carlos. Colocando a segurança dos dois em perigo e, ao mesmo tempo, estreitando seus laços. Quanto mais Carlos se envolve com o escravo, mais ele conhece sobre a realidade do outro e tem certeza de que não quer ser como o pai escravagista. Embora os amigos de Carlos saibam de sua posição ideológica, há segredos que ele tenta manter deles, pois podem custar sua vida. Neste jogo de ocultamentos e revelações, cada vez mais o leitor se afunda em um terreno instável, assim como são as dinâmicas de poder.
À medida que outros personagens vão se inserindo na história e nos tornamos familiares com seus vícios e virtudes, mais percebemos que a luta de Carlos e dos que querem abolir a escravidão não é tão solitária, porém não deixamos de notar como a força da repressão pode ser capaz de envenenar mentes e corações. A verossimilhança dos personagens e as descrições desta sociedade doente são impactantes, afinal, difícil é não associá-los às pessoas e cenários idealizados por muitos preconceituosos e extremistas.
A linguagem do romance é bem direta. A premissa deste universo repressor acaba se espelhando na narrativa. Em um mundo em que artistas são silenciados, pessoas são condenadas por causa do tom de sua pele, livros são proibidos, homossexuais são considerados invertidos, mulheres são submissas e os homens no poder são os únicos que têm voz, falta, propositalmente, espaço para a sensibilidade poética e as múltiplas faces da arte tão bem exploradas pela autora em seu outro romance. Promessa de Liberdade é aquele tipo de leitura que nos dá um aperto no peito, nos tranca a garganta e soca a alma. Plantar esperança em um campo de flores cinzentas e destruídas pode ser a salvação de alguns personagens, mas é a condenação de outros. O que esperar de uma sociedade que silencia dores, amores e vozes?
“Não tenho nada aqui… Também sou escravo, apesar de ser branco. Não tenho liberdade para ser o que sou, ou para amar, ou falar o que penso. Não acredito nessa sociedade cuja base econômica é a escravidão e a desigualdade. Você, mais do que ninguém, sabe disso. Nasceu escravo. Seus pais foram escravos. Você é igual a tantos outros, massacrados nas fábricas, ou servindo de cobaia em laboratórios, ou arriscando a vida nos serviços mais perigosos. Faz parte desse jogo organizado para iludir as massas”
Evelyn Postali soube muito bem apertar a ferida em Promessa de Liberdade. Se é leveza que o leitor espera encontrar, que não se deixa levar pelo título. Enquanto algumas obras de ficção exploram o terror de criaturas sobrenaturais, outras são como espelhos dos demônios que carregamos dentro de nós. Em alguns minutos de imersão, impossível não se colocar na pele dos personagens e não viver aqueles momentos sombrios – ou pior ainda, cair na tentação de imaginar um futuro não tão otimista que nos espera. Do inconfortável teatro dos relacionamentos familiares até as correntes literais, acompanhamos a jornada de dois homens marcados por suas identidades, desejos e cicatrizes. Um romance que nos faz pensar sobre a liberdade fugaz e a importância dos direitos humanos e como o destino do brasileiro seria bem mais problemático do que o atual caso a Lei Áurea não tivesse sido assinada.
Sobre a autora – Evelyn Postali nasceu sagitariana em uma pequena cidade, Antônio Prado, no interior do Rio Grande do Sul. É professora de Artes. Ama fotografia, desenho, música e observar pássaros. Não nasceu com ossos pneumáticos, mas espera que isso se resolva um dia. Já plantou algumas árvores, escreveu cartas de amor, e tem suculentas no jardim. Participou de algumas antologias quais se orgulha: Estranha Bahia (EX! Editora), Monstros, Seres Mitológicos e Luz e Escuridão (Editora Buriti) e Ponto Reverso, Amores (Im)Possíveis, Livre para Voar, O Segredo da Crisálida Vol. 3 (Andross Editora). Escreve contos do gênero fantasia, ficção científica, terror, fantasia moderna, drama, ação e aventura.
Além de poder adquirir Promessa de Liberdade no Clube de Autores e em eBook na Amazon, a autora Evelyn Postali disponibilizou alguns capítulos do livro no Wattpade no blog: http://promessadeliberdade.blogspot.com.br/
Oi, Evelyn! A gratidão é recíproca. Espero que mais leitores possam se interessar pelo livro Promessa de Liberdade. Afinal, nos possibilita refletir bastante sobre a vida em sociedade, o poder e o preço da liberdade. Abraços
Obrigada pela resenha, Ben. Parabéns, mais uma vez pelo blog. Sucesso para nós!
ResponderExcluirOi, Evelyn! A gratidão é recíproca. Espero que mais leitores possam se interessar pelo livro Promessa de Liberdade. Afinal, nos possibilita refletir bastante sobre a vida em sociedade, o poder e o preço da liberdade.
ExcluirAbraços