“Dez minutos da sua atenção”, era tudo o que ele pedia, sem imaginar o quanto o dia tinha sido horrível, sem imaginar que a qualquer momento poderia chorar. Dez minutos que poderiam mudar sua maneira de enxergar as coisas. Dez minutos para perceber que ele estava certo, que quando alguém queria te ver, a pessoa dava um jeito. Dez minutos para se reencontrarem após dois meses sem se verem. Foi andando encolhido até ele. Com vergonha de como estava uma bagunça naqueles dias. Com receio de suas intenções e de como reagiria a tudo aquilo. Dezembro havia sido um mês longo sem terapia e os dias após a virada do ano também não tinham sido os melhores. “Como era bom ser normal e poder fazer as coisas, sem ser visto como um sintoma”, pensou. Surpresas poderiam gerar mais ansiedade, tudo o que estava evitando naquele momento, mas se colocou no lugar do outro e mesmo com todos seus instintos dizendo não, cedeu ao inesperado pedido de visita. Era uma noite quente e por alguns minutos, quase t...
Se em Hellraiser: Resnascido do Inferno (The Hellbound Heart) nós mergulhamos um pouco no universo dos Cenobitas e da caixa de Lemarchand, no novo livro do Clive Barker, O Evangelho de Sangue (The Scarlet Gospels), viajamos para planos mais sombrios e infernais, desvendando mistérios antigos e acompanhando batalhas épicas de criaturas demoníacas. A obra de ficção foi publicada pela editora DarkSide Books, em 2016, com tradução de Alexandre Callari.
Desde o prólogo do livro, o leitor conhece alguns magos que praticam diferentes tipos de magia negra, como a necromancia, e como o caminho deles cruza com o do Cenobita, o antagonista do romance de horror e fantasia sombria. Muitos magos foram assassinados… Será que você consegue adivinhar quem foi o responsável? Isso mesmo! Os poderes de Pinhead estão cada vez mais fortes e ele parte em uma jornada à procura de mais conhecimentos, livros mágicos e muita destruição.
Saltando para o primeiro capítulo de O Evangelho de Sangue, o personagem principal é apresentado (reapresentado, para os que já haviam lido outras narrativas de Clive Barker) ao leitor, Harry D’Amour, o detetive e investigador particular de casos de ocultismo. O homem marcado por tatuagens que o protegem do mal e o alertam quando há algo estranho acontecendo relembra algumas histórias dele.
“Sua carne era virtualmente branca, a cabeça careca tinha sido ritualisticamente marcada com sulcos profundos que corriam tanto horizontal quanto verticalmente, sendo que em cada interseção um prego fora martelado através da carne sem sangue até o osso. Talvez, outrora, os pregos tenham brilhado, mas os anos os tornaram opacos, Não importava, pois eles possuíram certa elegância, ampliada pela forma como o demônio erguia a cabeça, como se observasse o mundo com um ar de condescendência cansada”.
Clive Barker criou personagens bem ácidos que estão longe de serem mocinhos, ou seja, se você gosta de personagens anti-heróis, é difícil não se deixar seduzir pelas histórias do escritor. O próprio Harry D’Amour tem uma personalidade bem sombria – não é atoa que as criaturas sobrenaturais e o perigo adoram flertar com ele. Quando ele reencontra uma velha amiga, Norma, uma velha e cega vidente, suas jornadas que já eram repletas de acontecimentos paranormais, voltam a ficar mais confusas ainda.
Não importa aonde vá, Harry D’Amour é um ímã para o problema e nem sempre suas tatuagens mágicas podem ajudá-lo a se defender, especialmente, quando seus inimigos são mais mortais do que ele imaginava. O detetive enfrenta a morte de perto. Mas com os dias sombrios, ele também encontra aliados que irão ajudá-lo a desvendar o que está causando todo esse pandemônio. Viajando por terras distantes e pelo inferno, Clive Barker nos brinda com personagens grotescos, mentes doentias e seres lutando pelo poder.
“Harry poderia tentar tirar algum conforto da crença de que tudo, exceto a alma, era uma ilusão humana, mas não havia nada de ilusório na sua atual situação. O cruzamento onde ele, Caz, Dale e Lana estavam era um pesadelo sem chances de escapatória. Cada um dos humanos olhava para uma rua diferente, mas todos tinham a mesma visão inescapável: cidadãos da cidade profana transformados em monstruosidades vindo na direção deles. As terríveis multiplicidades tinham brotado dos lugares onde as ementes do nevoeiro haviam se alojado, transformando cada fera num horror em si”.
Os capítulos intercalam os focos narrativos de Harry D’Amour e do Cenobita, que passa a ser conhecido como Sacerdote do Inferno. E apesar de cada um dos núcleos ter uma história envolvente, confesso que fiquei mais interessado em desvendar mais os segredos e conflitos do antagonista do que me envolver com as tragédias do protagonista. No entanto, o envolvimento de Harry com outros personagens peculiares não deixa de tornar suas aventuras atraentes, especialmente, ao lembrarmos que os destinos deles e do Cenobita estão entrelaçados e conflitos espetaculares envolvendo magias e correntes, com muito derramamento de sangue e destruição de corpos e almas.
Eu ainda não li Os Livros de Sangue, do Clive Barker, mas depois de ler Hellraiser e O Evangelho de Sangue, bateu aquela vontade de me aventurar por mais histórias do autor. Só agora descobri que o filme O Último Trem (The Midnight Meat Train) foi baseado em um conto escrito por ele e fiquei com vontade de rever – fica aqui uma indicação de filme de terror bem intrigante!
“O que tinham em comum, aqueles muitos mortos, era o sangue. Ele fora expelido de seus corpos com força convulsiva, exatamente como o Sacerdote do Inferno planejara ao escrever os feitiços. Os espasmos mortais que lançara sobre os irmãos e as irmãs eram uma crueldade que ele próprio inventara, e plausíveis apenas porque as leis da magia estavam fazendo pelos corpos o que a natureza não era capaz. Quando os feitiços chegavam às vítimas, reconfiguravam em questão de segundos a organização de suas estranhas, de modo que os corpos se transformavam em jarros cheios de sangue, expelindo tudo em duas ou, no máximo, três convulsões”
O Evangelho de Sangue é aquele tipo de leitura para quem ama narrativas infernais. Uma dose de terror, outra de fantasia sombria, Clive Barker me deixou envolvido e curioso a cada virada de página. Creio que cada leitor deve entrar em contato com o livro e tirar suas próprias conclusões, pois assim como eu gostei, também li alguns comentários negativos escritos por fãs do escritor. Demônios interiores, demônios do inferno. Um romance que veio para trazer algumas respostas, mas que acaba criando espaço para novas inquietações!
Sobre o autor – Clive Barker é um homem renascentista de nossos tempos. Escreveu mais de vinte best-sellers de terror, incluindo Imajica, Livros de Sangue e a série de livros infantis Abarat. Produtor, roteirista e diretor de cinema, é o criador por trás das franquias Hellraiser e Candyman. O filme O Último Trem é baseado em um de seus contos. Dirigiu o videoclipe Hellraiser, do Motörhead. Desenvolveu os games Undying e Clive Barker’s Jericho. É artista plástico. Saiba mais em clivebarker.info.
E você, já leu O Evangelho de Sangue? Ficou com vontade de ler? Comente!
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