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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Kerli: Expressão Artística e a Escolha pela Jornada Independente

O desafio de todo artista profissional é não deixar a indústria cultural sugar e mastiga sua alma. Para quem está por fora dos bastidores, acha que o meio tem influências sutis nos projetos de artistas, mas a verdade é que, dependendo da área cultural, um dos principais fatores levados em conta é o comercial. Não há nada de errado, porém é algo que pode limitar e muito a produção artística e criativa.


Embora alguns artistas comecem a carreira independente e depois seguem uma carreira tradicional com produtoras, o que se observa nos últimos tempos são profissionais fazendo o caminho contrário, em busca de liberdade criativa e de produzir arte que se conecte com sua essência. 

Isto é algo que eu abordo de forma sutil no meu livro de terror, Escrita Maldita. Dois escritores de terror são chamados para escrever um livro juntos, mas eles não querem simplesmente um livro que vá agradar ao editor, eles querem produzir algo que tenha um significado maior. Um autor novato e sortudo e um escritor tradicional de terror: não importa o que eles fossem escrever, as chances de vendas seriam certeiras. Porém, quanto mais eles mergulham no processo de criação literária, mais eles descobrem que talvez exista um propósito maior. Eles não publicam o livro de forma independente. Com exceção da pressão do deadline, o editor é bem paciente e compreensivo com os autores – mas essas regalias são mais raras do que imaginamos no mundo real.

Enquanto escrevo este texto, não consigo deixar de pensar em Kerli. A cantora estoniana abandonou Los Angeles para voltar para o seu país de origem. A diferença de estilo é gritante. Os últimos clipes musicais são muito mais orgânicos e nos transportam para a atmosfera da Estônia, repleta de mitos, símbolos e tradições. É difícil não assistir ao clipe de Feral Hearts e não desejar se perder pelas florestas do país.


O mais interessante é que além da cantora contar com um investimento para ajudar a promover o turismo do país europeu, Kerli também apostou em compartilhar curiosidades da sua própria carreira e também da simbologia de seus vídeos musicais. Só em Feral Hearts, por exemplo, é possível encontrar algumas referências a elementos mágicos. Algumas pessoas tentam encontrar alguma relação com Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll), mas a cantora explica que cada elemento do vídeo foi escolhido a dedo por ela.

Nos créditos do clipe, é possível perceber que Kerli é a Diretora Criativa. Para quem ficou curioso, a artista ressalta que o portal é a divisão de dois mundos e que a garotinha simboliza a ingenuidade. O que mais gostei nisso tudo é que levou anos até a cantora se der conta de que ela havia se afastado de si mesma e tanto a música quanto o roteiro do vídeo falam exatamente sobre isso: “A floresta simboliza o desconhecido”, afirma Kerli. A adulta se perdeu e teve que encarar a criança que havia dentro dela para se lembrar do seu objetivo. A mensagem dela é mais profunda e também fala sobre a conexão com a natureza e as tradições esquecidas na correria do mundo de concreto.

Liberdade é uma das primeiras coisas que os artistas perdem quando assinam contratos. Nem sempre é algo ruim. Quando existe simbiose entre as duas partes, o trabalho pode se tornar diversão e o criador sabe que tem uma rede de apoio por trás. O problema é quando os conflitos são maiores do que os prazeres e a obrigação se torna um fardo – o que antes era uma forma de expressão artística perde seu poder para o universo comercial. Não há nada de errado em produzir arte que venda. Acredite, sou autor e artista independente e não tenho nada contra dinheiro. Porém, é desagradável a sensação de que o que você quer produzir nunca será feito ou sempre ficará para depois e que nada é bom o suficiente para a equipe comercial. Em um vídeo, Kerli chega a dizer que era como se estivessem tentando transformar o que ela fazia em um hambúrguer.

A vantagem da internet foi justamente essa: amplificar a voz. Talvez em um universo tradicional, Kerli não tivesse espaço e sua música jamais ultrapassaria seu país. No mundo em que o consumidor tem o poder de escolha, ele pode mostrar que nem sempre a indústria cultural está certa e o que os artistas produzem colocando suor, alma e coração pode fazer tanto sucesso quanto aquilo que é planejado obsessivamente por uma equipe criativa.

Ninguém disse que a vida é justa. Existem cantoras que vão além da técnica e imprimem seu espírito em suas produções e não fazem a metade do sucesso. Não é nenhuma novidade de que em todas as áreas, o marketing e a publicidade são imperativos: mesmo no universo dos gênios e das invenções, como é comentado no livro Onde Nascem os Gênios, do jornalista Eric Weiner.


O mundo não é uma competição de quem canta melhor, de quem produz arte mais autêntica, mas se o artista sente que o caminho que ele estava não o representa mais, talvez seja um alívio descobrir que ele pode simplesmente dizer não para o que não concorda, dar um passo para trás e se redescobrir. Não é assim que é a nossa existência? Uma eterna jornada de redescobrimento?

Às vezes, o que é silenciado, quando finalmente entra em contato com os outros, se revela algo muito mais precioso do que aquilo que é gritado aos sete ventos. A magia da arte está na transformação: a tristeza e as coisas reprimidas podem virar coisas lindas.

Leia também: Maria Dahvana Headley: Inspiração, escrita, sucesso e persistência

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

Comentários

  1. A Kerli é uma artista incrível e visionária. Cria seus próprios figurinos, escreve suas próprias músicas e dirige seus vídeos. Por mais que não receba os créditos, ela foi uma grande inspiração para a personagem que a Lady Gaga criou.
    É muito interessante ver um artista deixar o tão sonhado contrato com uma gravadora pra fazer um trabalho mais verdadeiro. Amei o post!

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    1. Oi, Marco! Bom te ver por aqui. Ela é realmente incrível! Acredito que essas novas músicas estão mais autênticas do que as antigas e estou torcendo para que ela consiga se manter produzindo. A diferença de orçamento é gritante, mas em termos de qualidade, creio que ela pode continuar fazendo algo melhor do que antigamente.
      Abraços e gratidão!

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  2. aaaaaaaaaaaah que texto lindo, cheio de vida é que me inspirou a ouvir a Kerli mais ainda, sempre gostei dos clipes delas e dessa maneira mais "orgânica" ficou mais poético e magico o jeito dela expor sua música! Adorei o texto Ben <3

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    1. Haha Gratidão pela visita! ♥
      Também achei que ficou bem mais poético. Não tenho nada contra música mais comercial, mas o toque que ela deu só veio a acrescentar na experiência. A música pode ir além.
      Abraços ♥

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  3. me empolguei ficou sem concordância! #Sorry hahahaha

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    1. Fica tranquila! Aqui é um espaço livre de julgamentos :P

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  4. Achei o vídeo e a música lindos. E o texto também. Infelizmente muitos artistas tem que sucumbir a vontade de outras pessoas pra terem um mínimo de reconhecimento. Eu não sei se conseguiria fazer algo assim. Falando sobre autores, acredito qeu hoje muitas editoras estão dando mais liberdade pro autor.

    Vidas em Preto e Branco

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    1. Oi, Lary! Isso acontece em várias áreas culturais, acho que é bem relativo. Em relação às editoras, o desafio é que existem muitas histórias que jamais serão publicadas... por isso é importante que escritores se aventurem na jornada independente.
      Da Kerli, dá para perceber bem a diferença entre o estilo antigo e o atual dela. Me atrevo a dizer que o atual ficou mais bonito, além de artístico. Essa liberdade é importante para o artista.
      Gratidão pela visita ♥

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  5. Que mensagem linda, muito motivacional! Eu me apaixonei pelo trabalho da Kerli depoos que vc me mostrou!!!

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    1. Gratidão, Michele! Fiquei inspirado no trabalho dela. Observando os vídeos da gravação, dá para ver que ela se empenhou em fazer cada detalhe dar certo. Fico feliz em ver que ela se reencontrou.

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