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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Roll Red Roll: Documentário mostra esforço coletivo para investigar estupro em cidadezinha dos Estados Unidos

Com um início bastante incômodo, trazendo áudios com insinuações comemorativas de jovens após cometer e/ou presenciar estupro, o documentário de crime real Roll Red Roll (Rede de Abuso) traz relatos de um caso chocante que aconteceu em 2012, nos Estados Unidos, na pequena cidade de Steubenville, em Ohio. O filme norte-americano foi dirigido e produzido por Nancy Schwartzman, lançado originalmente em 2018. No Brasil, é possível assisti-lo na Netflix.

Por trás da tranquilidade de muitas cidades pequenas se escondem histórias de silenciamento. Um dos entrevistados para o documentário disse que na época dele, esses casos levavam à suspensão por alguns dias dos jovens, mas não à prisão. O pior no caso de Steubenville foi perceber que muitos moradores da cidade não tinham consciência sobre o quanto era errado culpar a vítima e proteger os abusadores, o que fez com que a história se espalhasse pela internet.

“A completa falta de empatia é o que assusta”, declarou Alexandria Goddard, a blogueira e ativista que descobriu sobre o caso e divulgou, já que muitos jornais da região pareceram ignorar. Ela ficou chocada com os comentários feitos nas redes sociais relacionados ao período em que o crime aconteceu, antes mesmo que fosse investigado pela polícia. De forma independente, ela conseguiu coletar informações suficientes para levantar uma discussão em seu blog sobre o possível envolvimento de jovens jogadores de futebol americano e testemunhas.

O documentário mostra como o caso repercutiu na comunidade, bem como o papel que a internet teve nas investigações, pela quantidade de registros feitos com data e horário no Twitter e outras mídias sociais, ajudando a reconstruir as cenas – a vítima havia perdido a consciência, mas por causa da cultura de estupro, muitos dos jovens não perceberam a gravidade de suas atitudes, tampouco notaram que estavam se incriminando mais ainda ao expor na internet fotos, vídeo e comentários grotescos.

Com a divulgação da história no blog, aconteceram desdobramentos inesperados. A história chegou até a jornalista Rachel Dissell que foi até a cidade investigar melhor e entender se havia algo na cultura regional que colaborou para o silêncio e proteção dos agressores. Além disso, também atraiu a atenção do grupo de hackers Anonymous, que espalhou um vídeo sobre o caso e pediu para internautas compartilharem e resultou numa manifestação onde jovens e mulheres falaram sobre a violência sexual que sofreram.

Um ponto interessante do documentário foi a utilização de filmagens do detetive J.P. Rigaud entrevistando algumas das testemunhas e um pequeno trecho do julgamento. Nesse aspecto, por conta de questões relacionadas à privacidade da vítima e dos demais envolvidos, o documentário deixa a desejar, pois não se aprofunda tanto na parte criminal e sim nos aspectos culturais.

Devido à gravidade do tema e o constrangimento das pessoas em cidades pequenas, a intenção inicial do documentário era dar um olhar sobre a questão cultural relacionada ao abuso, mas por causa da complexidade do assunto, nesse aspecto, o documentário falhou em não ter entrevistado diferentes especialistas para demonstrar que a gravidade do silenciamento vai além da busca por justiça e suas implicações para a saúde mental e necessidade de melhor conscientização.

O documentário Roll Red Roll ganhou seis prêmios no ano de sua estreia e em 2019. Se ignorarmos o que poderia ter sido melhor em termos técnicos e nos focarmos na história que foi contada no filme, a lição que passa é a de que em muitos casos, a justiça social só é alcançada por meio de um esforço coletivo. 

Se a blogueira ativista, a jornalista, os hackers, o detetive, as testemunhas e a pressão de familiares preocupados com seus próprios filhos não tivessem acontecido ao mesmo tempo, talvez o caso teria permanecido sem solução. Seguindo os vieses de muitos dos moradores da cidade, até mesmo das jovens, a vítima não deveria estar lá e de alguma forma foi responsável – ignorando que ela tinha bebido, estava inconsciente e os crimes foram além do ato, mas também dos registros fotográficos e audiovisuais e da exposição e humilhação na internet.

Roll Red Roll dá um alívio ao nos lembrar que existem pessoas lutando por uma sociedade mais justa, ainda que em muitos lugares e situações a sensação que se tem é a de que estão remando contra a maré. Também reafirma o perigo de manter o silêncio diante de crimes que podem se tornar recorrentes, especialmente quando determinadas figuras usam seu ‘poder social’ como um passe livre e proteção.

Para quem gosta de leitura, a história me lembrou um pouco do livro Adeus, Promessas, da autora Kristin Halbrook.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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