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Destaques

Palavras não ditas

Era uma vez um escritor que tinha tanta empatia por alguém próximo, que, muitas vezes, levava para a terapia problemas que não eram seus. Nem sempre sabia como ajudar. Não sabia como dizer não. Sempre estava disposto a ouvir. Até o dia em que se esgotou e se deu conta de que se as coisas não mudassem, ali não era seu lugar para ficar. Quando foi que precisou se diminuir tanto para caber nas expectativas do outro? O outro sequer sabia que seus posicionamentos ideológicos eram contrários e, vez ou outra, sofria com microagressões, mas se silenciava em bem da amizade – era quase como se vivesse uma vida dupla, da qual o outro desconhecia. Foi deixando um monstro crescer cada vez mais, um monstro alimentado pelo silêncio e que tanto se preocupava com o outro, que às vezes se deixava de lado. Para pessoas que estão familiarizadas com impor limites, o caso poderia ser bobeira, mas para ele, havia chegado a um estado de exaustão, no qual não queria voltar atrás. Estava exausto de ouvir proble...

Argon: Série sul-coreana mostra as paixões e os desafios do telejornalismo investigativo

Personagens jornalistas estão presentes em várias obras televisivas, cinematográficas e literárias, mas se você gosta de ficção que explora os bastidores da profissão, a série sul-coreana da tvN, de 2017, e no Brasil disponível pela Netflix, Argon leva o telespectador para os desafios de uma equipe em manter vivo seu telejornal investigativo, lidando com interferências internas e externas.

Kim Baek-jin (Ju-hyuk Kim) é o âncora do Argon, um programa jornalístico que para ele é muito mais do que um trabalho, mas uma paixão e revela o seu compromisso com os princípios éticos do jornalismo de buscar a verdade e os fatos. Além da competição por telespectadores com jornais de diferentes emissoras, dentro da própria empresa, outro telejornal tenta brigar pelo holofote.

Com uma equipe formada por profissionais com diferentes níveis de experiência, uma das personagens principais da série é a jovem Lee Yeon-hwa (Woo-hee Chun), tentando conquistar o seu espaço no jornal e driblando a desconfiança dos que a veem como uma concorrência (que a apelidaram de mercenária), disposta a pegar a vaga efetiva na empresa.

De forma realista, a série mostra como os desempenhos e as expectativas dos jornalistas vão mudando com o tempo, especialmente após tentativas de silenciamento dentro da própria empresa, por meio de processos judiciais e dos conflitos de interesse. Nesse aspecto, Argon dialoga com outra série sul-coreana, Law School, cujo roteiro explora como a área de direito também sofre interferências diante de pessoas poderosas e a relação entre imprensa, justiça e política.

Muitas pessoas escolhem a carreira de jornalista com a intenção de ajudar a mudar o mundo, mas como é bem explorado na série, os desafios são tantos que o mercado de trabalho acaba podando e muitos profissionais acabam se ajustando tanto à linha editorial da empresa em que trabalham, que acabam se esquecendo e se controlando para não divulgar o que pode gerar algum tipo de problema relacionado às empresas parceiras do jornal.

Por ter uma proposta mais investigativa, a série envolve tanto por conta dos dilemas éticos e a necessidade de calcular os danos das reportagens, bem como com a preocupação pelo formato jornalístico, já que as informações precisam ser divulgadas no tempo de exibição do programa e qualquer erro pode afetar não só a audiência, mas os envolvidos e a imagem da empresa.

Entre amizades, traições e sabotagens, Argon mostra o lado mais doce das pequenas conquistas profissionais e o lado sujo que existe em toda área de trabalho, mas que no jornalismo tem suas particularidades, como a luta por entrevistas exclusivas, furos jornalísticos e como um erro pode afetar a credibilidade da imprensa, inflamando a competitividade.

Os custos de trabalhar em uma profissão que exige muitas horas, remuneração baixa e que muitos optam mais pela paixão do que pensando em como isso pode afetar a área pessoal: Argon transmite bem a figura do jornalista que está disposto a se sacrificar pela verdade, ainda que isso possa colocá-lo em situações humilhantes profissionalmente e, muitas vezes, levando para um mundo workaholic onde as relações pessoais e as ausências delas são sentidas na pele.

Em um meio de egos e orgulhos, o último episódio traz uma ótima lição sobre humildade, trabalho em equipe e a importância da retratação, ainda que isso possa comprometer a imagem da empresa e da persona profissional. Uma série sobre a coragem de quem não abre mão dos próprios valores e ideais, e sabe o momento de baixar a cabeça, mas também de não se corromper pelo sistema. 

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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