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Destaques

Sem talvez

Não havia talvez quando se tratava de pôr a própria saúde mental em primeiro lugar, especialmente quando o outro a estava negligenciando. Não havia talvez para continuar sustentando um relacionamento que não ia para frente, no qual o outro se negava a se responsabilizar e se colocava constantemente no papel de vítima. Não havia talvez quando você havia se transformado em uma espécie de terapeuta que tinha que ficar ouvindo reclamações e problemas constantes, se sentindo completamente drenado após cada interação. Já não havia espaço para o talvez. Talvez as coisas seriam diferentes se o outro tivesse o mesmo cuidado com a saúde mental que você tem. Talvez a fase ruim iria passar um dia. Talvez a pessoa ia parar de se pôr como vítima e começar a se responsabilizar. Eram muitos talvez que não tinha mais paciência para esperar. Então, não, já havia aguentado mais do que o suficiente. Não era responsável por lidar com os problemas do outro. Não era responsável por tentar levar leveza diante...

It's Okay Not To Be Okay: Série sul-coreana sobre literatura, saúde mental e a coragem de seguir em frente

Assim como acontece com produções televisivas norte-americanas, há muitas séries sul-coreanas que tem o seu lado mais cômico e repleto de clichês, mas o dorama Tudo Bem Não Ser Normal (It’s Okay Not To Be Okay) não é um deles. Repleta de referências literárias e de discussões nas entrelinhas sobre saúde mental, a série conquista desde os primeiros minutos com narração e animação de uma das histórias escritas por uma das personagens principais, Ko Moon-young (Seo Yea-ji), a escritora de literatura infantil com uma pegada sombria.

Dirigida por Park Shin-Woo e escrita por Jo Yong, a série tem como Ko Moon-young uma das personagens mais intrigantes por conta de seus comportamentos que, muitas vezes, beira aos de quem tem transtorno antissocial. Porém, à medida que os episódios vão passando e a história de vida da escritora é narrada, ainda que muitas de suas ações sejam infantis e inconsequentes, dá para compreender um pouco como sua personalidade foi moldada.

Acostumada a manipular os outros para conseguir o que deseja, a autora fica obcecada por Moon Gang-tae (Kim Soo-hyun), um homem que, em muitos aspectos, parece ser completamente o oposto dela, aparentando ser alguém calmo e empático com todos. Cuidador em hospitais e irmão mais novo de um autista adulto, Moon Sang-tae (Oh Jung-se), a história de vida dos três está entrelaçada de uma forma que é explorada ao longo da série.

Do mesmo modo que a série Atypical revela como algumas famílias acabam dando mais atenção para os filhos neurodiversos do que para os neurotípicos, Moon Gang-tae foi criado para cuidar do irmão autista e isso acabou influenciando em sua personalidade. Porém, ao entrar em contato com Ko Moon-young, do mesmo modo que ela encara seus demônios, ela acaba desafiando os outros, intencionalmente ou não, a questionarem por que elas são do jeito que são – algo que ela também costuma fazer por meio de sua literatura e dos cursos em que ministrado sobre contos de fada, sempre focando no lado mais trágico e real remetendo às origens do gênero, menos no lado delicado e romântico por trás das narrativas.

Embora o foco principal da série seja mostrar como os três personagens estão conectados seja por coincidência ou destino, ressaltando suas diferenças e semelhanças e como essa dinâmica faz com que eles amadureçam e aceitem mais não só as diferentes formas de interagir com os outros, mas também que entrem em uma jornada de autodescoberta.

Além dos transtornos, a série também aborda alguns dos traumas dos personagens. Em uma das frases de um dos livros da Ko Moon-young, O Menino Que Se Alimentava de Pesadelos, além de revelar um pouco da personalidade da escritora, os personagens também tiram inspiração para se abrirem sobre seus passados dolorosos e medos: 

“Lembre-se de tudo e supere. Se não superar, sempre será uma criança cuja alma nunca floresce” 

Cada episódio também se foca nas histórias de vida e transtornos psicológicos dos personagens secundários que estão internados no hospital – como estresse pós-traumático, transtorno de personalidade múltipla (transtorno dissociativo de identidade), dependência química, transtorno bipolar, entre outros – o que humaniza ainda mais a série.

Para quem já está acostumado com os dramas coreanos, há muitos elementos em comum, mas a experiência se torna única graças ao roteiro e às referências internas e externas de elementos da literatura e essa inevitável relação entre criação literária e experiências de vida. 

Como o próprio título em inglês da série lembra: Tudo Bem Não Estar Bem, a cada episódio os personagens passam por situações em que suas forças e fragilidades ficam evidentes, bem como a pessoa por trás da máscara social que todos desenvolvem para sobreviver diante das adversidades. A garota que sempre pareceu forte e fria, por exemplo, esconde um passado de tragédia familiar e o garoto que cresceu cuidadoso e sorridente, na verdade, aprendeu a esconder sua raiva e abriu mão de muitas coisas por causa dos outros.

No final das contas, como narrativas que são circulares, muitas das frases e interpretações tanto das obras da Ko Moon-young, como de outros contos de fada acabam servindo como inspiração para que os personagens transformem suas histórias de vida.

Para quem quer se aventurar em outras séries sul-coreanas, aos que gostam dos desafios do universo editorial e a necessidade de reinventar, recomendo Romance Is a Bonus Book, já para quem curte uma dose de romance sobre amadurecimento e arte, recomendo Nevertheless

Vale lembrar que as histórias da escritora da série foram publicadas em livro. 

Coleção de livros It’S Okay to Not Be Okay: https://amzn.to/3DFNdtC

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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