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Destaques

Palavras não ditas

Era uma vez um escritor que tinha tanta empatia por alguém próximo, que, muitas vezes, levava para a terapia problemas que não eram seus. Nem sempre sabia como ajudar. Não sabia como dizer não. Sempre estava disposto a ouvir. Até o dia em que se esgotou e se deu conta de que se as coisas não mudassem, ali não era seu lugar para ficar. Quando foi que precisou se diminuir tanto para caber nas expectativas do outro? O outro sequer sabia que seus posicionamentos ideológicos eram contrários e, vez ou outra, sofria com microagressões, mas se silenciava em bem da amizade – era quase como se vivesse uma vida dupla, da qual o outro desconhecia. Foi deixando um monstro crescer cada vez mais, um monstro alimentado pelo silêncio e que tanto se preocupava com o outro, que às vezes se deixava de lado. Para pessoas que estão familiarizadas com impor limites, o caso poderia ser bobeira, mas para ele, havia chegado a um estado de exaustão, no qual não queria voltar atrás. Estava exausto de ouvir proble...

The Tinder Swindler: Documentário da Netflix sobre golpista que manipulou mulheres de vários países

The Tinder Swindler (O Golpista do Tinder) é um documentário da Netflix que pode servir para abrir os olhos de quem sempre imagina que algumas situações só podem acontecer com os outros, mas nunca questiona a possibilidade de se ver na mesma situação, como conhecer pessoas manipuladoras e golpistas em aplicativos de encontro. 

Dirigido por Felicity Morris, o documentário se foca nas histórias e questões emocionais das vítimas, mostrando até mesmo alguma das trocas de mensagens em texto, fotos, áudios e vídeos, que por si só dão indicativos do comportamento manipulador, mas para ficar mais esclarecedor para o público leigo, ficaria mais interessante se tivessem entrevistado psicólogos e psiquiatras especialistas em narcisistas e psicopatas com este perfil comportamental, bem como alertar a população sobre como identificar os sinais de alerta, já que os padrões e as dinâmicas são tão personalizados, que mesmo pessoas com um perfil mais seguro caem nesses golpes.

É importante mencionar que divulgar quais táticas são adotadas por manipuladores não tem a intenção de culpar a vítima, especialmente quando isso, muitas vezes, só acontece por uma falha de sistema. No caso do golpista citado na série, ele já havia sido preso justamente por isso e continuou cometendo os mesmos crimes após ser solto, fazendo vítimas em vários países, revelando como o sistema de segurança é tão falho que dá um passe livre para seguir o mesmo modus operandi em outras partes do mundo.

Quem não está íntimo com o mundo da saúde mental, pode até achar que o principal problema relatado no documentário é o do golpe financeiro, porém, quem está familiarizado com técnicas usadas por narcisistas e psicopatas para identificar as vulnerabilidades das vítimas e até mesmo arrancar delas o que desejam, fica bem claro que o golpista tinha uma experiência sólida no que estava fazendo e sabia quais botões emocionais apertar.

Em um nível superficial, fica claro o quanto as vítimas foram machucadas, a ponto de uma delas precisar se internar em uma clínica psiquiátrica, mas não de forma aprofundada o suficiente para mostrar a gravidade do contato próximo com uma pessoa tão disfuncional. Nesta parte, o documentário peca ao não mencionar como uma situação assim pode estar repleta de tanto abuso emocional que pode levar a codependência e a traumas, levando à ansiedade, à depressão e até mesmo ao desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático.

Além de fazer vítimas com jogos mentais focados em relacionamentos românticos, ele também explorava aquelas interessas em amizades e relações profissionais. A parte chocante do documentário é a descoberta de que mesmo com um trabalho jornalístico revelando esse esquema e com denúncias em policias de vários países, ele permaneceu impune. Somente após o documentário da Netflix, por exemplo, ele foi banido no Twitter.

Uma reviravolta instigante, porém perigosa, é que algumas das vítimas decidiram se vingar, em uma tentativa de recuperar o dinheiro e de tirar a máscara dele. Enquanto o golpista chega a ser preso, ele pega uma pena tão leve que após alguns meses é liberado e as vítimas do golpe continuaram com dívidas.

Documentários assim ajudam a entender um pouco porque tantas vítimas de casos semelhantes nem sempre procuram a polícia ou vão atrás de justiça – embora seja tão criticado, o jornalismo revela sua importância nesses momentos de utilidade pública para alertar outras possíveis vítimas. Seja antes, durante ou depois o contato com alguma pessoa tão manipuladora assim, muitas vezes, o trabalho preventivo de reconhecer as red flags é tão importante e, claro, o apoio psicológico para as vítimas.

Leia também:

Maneiras de Amar: Livro explora como a teoria do apego em adultos influencia relacionamentos românticos 

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BTK, Meu Pai: Livro de memórias escrito por filha de serial killer narra devastação à saúde mental 

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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