Formado em Jornalismo, ex-professor universitário, e escritor,
Tales Gubes Vaz se mudou para São Paulo no início de 2014 para aprender mais e se dedicar à
arte da escrita. Atualmente, ele tem trabalhado como revisor e diagramador freelancer e seu mais novo projeto é o
Ninho dos Escritores, um programa para ajudar no desenvolvimento de criação de histórias, troca de ideias sobre livros e técnicas para escrever.
Tales Gubes é autor dos contos
O Bufo, O Terceiro Passo e O Ponto do Amor, publicados em 3 coletâneas diferentes (
Loveless, Contos de Ocasião e Homossilábicas Vol. 3, respectivamente). Durante a entrevista, enviada por e-mail, o escritor falou sobre sua
vida de escritor, sua relação com o blog, a
literatura gay, o Ninho dos Escritores e finalizou com uma
dica para escritores iniciantes.
Confira a entrevista com o escritor Tales Gubes Vaz:
Ben Oliveira: Antes de se aventurar no caminho da escrita, você se formou em Jornalismo e deu aulas. O que o impulsionou a seguir a jornada do escritor?
Tales Gubes: Eu já me considerava escritor antes de entrar para o curso de Jornalismo. Contudo, assim que entrei no curso, descobri que o mundo era muito maior do que eu acreditava até então e me fechei, perdendo a coragem de escrever. Por um longo período, eu pensei que não era bom o bastante para ser escritor. Isso aconteceu por descobrir pessoas próximas que escreviam melhor que eu e, especialmente, por ter aulas com professores cuja didática incluía menosprezar os alunos que não escreviam conforme eles acreditavam que era o ideal. Eu só recuperei a coragem de escrever uns oito anos depois, quando participei de um concurso na Editora Escândalo e tive um conto (O Bufo) selecionado para publicação. Aquele aceite foi como um convite para que eu retomasse a escrita, e foi o que fiz.
Ben Oliveira: No início deste ano você se mudou para São Paulo em busca de novas experiências, contatos no meio literário e oportunidades que não existiam em Goiânia. Como essa mudança tem influenciado sua vida de escritor? Quais têm sido as vantagens e desvantagens?
Tales Gubes: Ao mudar para São Paulo, eu larguei a vida segura que eu tinha antes. Troquei empregos fixos como professor pela loucura de uma cidade grande e a vida de revisor e diagramador freelancer. Sem a menor dúvida, a maior desvantagem foi a minha vida financeira despencando vertiginosamente. Sobre as vantagens, essa mudança me ensinou uma coisa muito preciosa: eu poderia viver lá em Goiânia, ou qualquer outro lugar, muito do que estou vivendo aqui. O que São Paulo oferece é a mesma coisa que outros lugares, mas ampliado em quantidade e intensidade. Por um lado, isso é bom, já que me coloca em contato com pessoas fantásticas e situações loucas, mas o princípio de qualquer ação na minha vida sou eu mesmo. Apenas acontece de eu ter precisado vir a São Paulo para descobrir isso.
Ben Oliveira: No começo de 2014, você fez uma lista de objetivos, como escrever diariamente, construir novos relacionamentos e conhecer lugares novos. Por que esse planejamento é importante? Tem conseguido cumprir seus objetivos? O que mudou?
Tales Gubes: Posso assumir a vergonha pública de não seguir praticamente nenhum item daquela lista? Eu a montei porque precisava de uma base para me organizar. Quando tudo é muito novo, fica fácil demais se perder pelo caminho. Eu estou há oito meses em São Paulo e com certeza posso atestar que a cidade faz convites o tempo inteiro. Hoje estou mais tranquilo quanto aos meus objetivos: em linhas gerais, eles continuam os mesmos, mas não me cobro tanto sobre escrever todos os dias ou cozinhar um prato novo a cada semana. A vida vai acontecendo conforme as coisas fazem sentido. Se em uma semana não fez sentido cozinhar, tudo bem. Eu vou parar e pensar sobre isso, ver se o que eu fiz ao invés de cozinhar valeu a pena. Se sim, ótimo. Se não, da próxima eu revejo. Se aprendi alguma coisa com essa lista, é que eu não sou o tipo de pessoa que segue esse tipo de lista.
Ben Oliveira: Alguns dias antes de se mudar, você vendeu alguns livros, mantendo só os mais próximos. Quais foram os efeitos desta necessidade de desapegar das coisas materiais em sua vida?
Tales Gubes: Foi difícil. Eu sempre fui viciado em ter livros. Quando comecei a vendê-los e doá-los (fiz algo parecido com minhas roupas e com meus móveis), fui percebendo como nada daquilo realmente importava. Os livros que ficaram comigo são os que consulto com mais frequência. Aqueles que foram lidos uma vez e nunca mais, esses não fazem mais parte da minha vida. Agora, oito meses depois, já tenho vários livros acumulados em uma estantezinha no meu quarto. O costume de comprar é muito cretino, porque é simplesmente isso, um costume, um vício. Passar pela experiência de mudança, porém, me ensinou que eu posso passar por ela novamente. O apego que eu tinha às coisas diminuiu muito, algo que eu sinto que influenciou também a minha escrita e a minha perspectiva sobre ser escritor.
Ben Oliveira: Atualmente, além de escrever o escritor precisa saber promover o seu trabalho. Qual é a importância ao autor de manter um blog e saber usar as redes sociais ao seu favor?
Tales Gubes: Para alguém formado em Comunicação Social, eu sou péssimo com divulgação. Escrevo um blog não porque quero divulgar meu trabalho (embora tenha tentado utilizar meu site várias vezes como ferramenta de divulgação), mas porque gosto do contato propiciado com as pessoas que me leem. É uma relação bacana essa construída com os leitores. Imagino que seja parecida com a que eu formo com as pessoas que eu leio: um misto de admiração com amizade. Atualmente, uso meu site e as redes sociais como formas de interagir o máximo possível com as pessoas que possam se interessar pelo que me interessa. Perdi um pouco o egocentrismo de querer ser o centro, a celebridade, o autor-estrela.
Ben Oliveira: Antes de criar o blog com seu nome, você administrava o Raposa Antropomórfica. Qual é a relação entre o animal e você? Essa transição também reflete alguma transformação em você?
Tales Gubes: A história é meio boba. Sabe o Tails, amigo inseparável do Sonic? Em inglês, o nome dele e o meu soam iguais. Desde que descobri isso (acho que faz uns dez anos), comecei a me identificar com raposas. Depois de um tempo, comecei a querer ser tão esperto e luxurioso quanto às raposas das mitologias orientais. Era uma coisa meio de criança, meio de querer ser alguém que ainda não era. Hoje em dia eu mantenho porque continuo apaixonado pelas mesmas características, mas agora é mais uma questão delas me representarem do que serem uma parte da personalidade a desenvolver. Sair da Raposa Antropomórfica para o site com o meu nome representou um passo no sentido de fazer meu nome aparecer mais. Foi um movimento de puro ego: eu quero ser conhecido e reconhecido, então o jeito mais fácil seria um blog com o meu nome. Faltou entender, na época, que as pessoas que me seguem não me seguem por quem eu sou (à exceção dos meus amigos, mas esses me ligam quando querem saber da minha vida), mas sim pelo que eu faço, que de alguma forma reverbera com o que acreditam ou também fazem.
Ben Oliveira: No seu blog, você escreve sobre a escrita, seu cotidiano e a cultura em geral. Ultimamente, você começou a publicar alguns contos seus lá. Como tem sido esse feedback entre leitor e autor? Como ele influencia sua criação literária?
Tales Gubes: É assustador. O que eu escrevo é parte de mim em carne viva, uma parte que está sempre exposta e que nunca fecha, nunca cria casquinha. Ainda assim, o pessoal tem sido muito gentil nos comentários, mesmo (ou talvez especialmente) nos negativos. Sentar com uma pessoa que leu o que eu escrevi e que está se dando ao trabalho de me dizer o que achou, como a história a tocou ou deixou de tocar... Isso é impagável. E, claro, rola uma baita influência, já que eu construo uma relação pessoal com as pessoas que se dedicaram a me ajudar com seus comentários. As opiniões dos comentaristas são consideradas com muito cuidado, inclusive sendo questões que passo a observar em escritas futuras.
Ben Oliveira: Como foi a sensação quando teve o seu primeiro conto (O Bufo) publicado em uma coletânea?
Tales Gubes: “Opa, eu realmente posso ser escritor, deixa eu apagar esses oito anos sem escrever e voltar a acreditar em mim mesmo”. Ninguém deveria precisar de um conto publicado para acreditar em si mesmo, mas eu precisei. E que bom que aconteceu.
Ben Oliveira: Quando li o seu conto O Terceiro Passo me identifiquei com o protagonista e pude enxergar sua essência nele. Por que é importante escrever com a alma?
Tales Gubes: Cada um tem uma voz única. Tentar mascarar essa voz por meio de técnicas genéricas de escrita criativa ou fórmulas acaba homogeneizando tudo. Quando alguém lê algo que escrevi com tesão, com frequência a resposta do pessoal que me conhece é “nossa, não precisava nem me dizer que era teu, eu senti isso”. A escrita é uma relação que estabelecemos com a pessoa que lê: aquilo que escrevemos pode ser um pedacinho de nós. É uma troca de afetos, uma troca do meu tempo escrevendo pelo tempo de leitura e reflexão da pessoa que lê. Escrever sem alma me parece um caminho possível, e longe de mim julgar, mas eu sinto quando estou fazendo isso e é justamente quando escrever me dói.
Ben Oliveira: Como funciona o seu processo de criação? Quais sãos suas manias (ritual da escrita)?
Tales Gubes: No geral, eu sento e escrevo. Algumas vezes planejo antes, mas invariavelmente descubro a maior parte das minhas histórias enquanto estou escrevendo. O que é mágico, porque a coisa vai se construindo, mas também é um inferno, porque envolve reescrever milhares de vezes até encontrar o jeito mais coerente (com aquilo que eu queria dizer). Uma coisa que eu fazia e parei era reescrever por cima do mesmo arquivo. Isso rouba a memória das revisões e a possibilidade de observar, depois de um tempo, como o texto foi melhorando. Agora, toda vez que vou escrever por cima de algo que tinha escrito antes, eu começo um novo arquivo (versão 2, 3, 15...). Ocupa um pouquinho mais de espaço no computador, mas certamente valerá a pena para observar meu processo criativo. Aliás, sobre o processo criativo, eu tenho um diário de escrita, no qual registro meus pensamentos sobre o que venho escrevendo, o quanto consegui escrever em um dia, se foi tranquilo, se foi difícil etc. É um jeito de me conhecer melhor através da ação que mais faz sentido para mim.
Ben Oliveira: Quando conheceu a escrita zen e qual é sua relação com ela?
Tales Gubes: Conhecer, eu conheci pelo livro da Nathalie Goldberg,
“Escrevendo com a alma”. Entretanto, ouso dizer que ela está presente na minha vida desde sempre. Quando escrevo, eu me perco do mundo e sou só escrita. O ato de escrever é a minha meditação, é o meu reencontro comigo e com meus pensamentos.
Ben Oliveira: Uma das suas áreas de estudo foi a Teoria Queer. Pode explicar qual é a relação dela com a literatura gay?
Tales Gubes: A Teoria Queer propõe o questionamento das normatizações. Essa é uma questão complexa, especialmente quando consideramos uma literatura gay, porque eu entendo e trabalho com a identificação “gay” como uma etiqueta política. Apresento-me como gay porque assim posso me somar com outras pessoas que vivem experiências semelhantes e que têm questões similares às minhas aguardando atendimento. Idealmente, porém, é o caso de reconhecer que toda e qualquer categoria é um limite que estabelecemos para o que somos e/ou podemos ser. Eu produzo literatura gay, mas um dos meus grandes interesses é trabalhar com uma literatura queer. Um dia conseguirei, mas é um projeto para a vida.
Ben Oliveira: Dois de seus contos publicados em coletâneas têm temática gay. Como você avalia o cenário atual da literatura voltada para o público LGBT no Brasil?
Tales Gubes: Está melhorando. Tenho a impressão de que a literatura contemplando personagens LGBTs está aumentando. Contudo, eu não falaria em “literatura voltada para o público LGBT no Brasil”. Uma história sobre um casal de homens não é para casais de homens lerem, é para todos. Tendo isso em mente, quem faz literatura com temática LGBT ainda tem um longo caminho para percorrer em termos de qualidade literária e reconhecimento.
Ben Oliveira: Sobreviver só de escrita no Brasil é algo bastante difícil nos anos iniciais. Além dos custos do cotidiano, a jornada do escritor envolve comprar livros sobre escrita e literatura e participar de cursos. Como tem feito para administrar seu tempo de escrita e ganhar dinheiro para se manter?
Tales Gubes: Eu trabalho como revisor e diagramador freelancer. Minha renda inteira vem daí. A partir deste mês, também começarei o Ninho de Escritores, um projeto que inclui alguma remuneração, mas nem de longe suficiente para viver só dela.
Ben Oliveira: Faltam poucos dias para começar o Ninho dos Escritores, seu novo projeto de acolhimento de autores. Como ele funcionará?
Tales Gubes: A resposta curta é: eu não sei. Não sei por que o projeto é um convite a pessoas que tenham um interesse em comum (a escrita). Este convite inclui prática, revisão, discussão de experiências pessoais e técnicas, troca de ideias sobre livros e modos de cativar por meio do texto escrito. O currículo será construído na prática, no dia a dia. Eu não tenho uma proposta que indique o que será “aprendido” em cada encontro. Fazer isso seria pressupor que eu sei o que uma pessoa precisa aprender para escrever. Eu não sei. O que eu sei é que cada um tem um processo, que estar em grupo pode ser útil para quem quer escrever e, acima de tudo, que eu tenho condições de ajudar pessoas que queiram se desenvolver como escritoras. Isso é o Ninho de Escritores: contato, afeto, acolhimento. Um ambiente seguro para que as pessoas experimentem e cresçam como brincantes das letras.
Ben Oliveira: Quais são suas expectativas para o Ninho?
Tales Gubes: Dominação mundial? Eu quero que o Ninho de Escritores cresça, sem a menor dúvida. Tenho milhares de planos sobre como isso pode acontecer, mas sinto que não é hora de acelerar e olhar para o futuro, mas sim desacelerar e aproveitar o processo que começará agora. A partir da primeira ninhada, acredito que saberei que caminhos poderei tomar para que a coisa continue e cresça de forma saudável, equilibrada e coerente.
Ben Oliveira: Como sua experiência como professor, escritor e participante de cursos de escrita influenciará a dinâmica do Ninho do Escritor?
Tales Gubes: Ao longo da minha experiência com educação, aprendi infinitos exemplos do que não quero que o Ninho de Escritores seja. Eu poderia fazer um longo discurso sobre isso, mas como recentemente publiquei um texto exatamente sobre essa questão, prefiro deixar que os interessados leiam. (
http://ano-zero.com/educacao-feminista/)
Ben Oliveira: Quais são seus escritores / livros favoritos?
Tales Gubes: Atualmente, meu livro favorito é Amsterdam, do Ian McEwan. Gosto da ideia de ter um favorito por vez. Hoje, esse é o livro que eu indicaria. Há outros bons, que me tocaram e tal? Sim. Mas quem quiser outras sugestões, pode entrar em contato comigo. Eu cada vez menos acredito em listas genéricas, mesmo que elas representem o meu gosto.
Ben Oliveira: Quais dicas você deixaria para escritores iniciantes?
Tales Gubes: Acho que uma ganha de todas: relaxe. Escrever é um processo por si só. Não escreva para escrever um livro, escreva para contar uma história. Se virar um livro, é outra etapa, uma etapa que não necessariamente tem a ver com a escrita. Mas essa é uma dica que só funciona para quem é meio como eu, desligado das coisas práticas da vida. Eu não consigo escrever pensando em formatos específicos porque a história tende a me surpreender. Há quem diga que isso é sintoma de falta de planejamento, e talvez seja, mas eu estou bem tranquilo. Estar tranquilo ajuda as palavras a fluírem.
*Blog do escritor Tales Gubes: http://talesgubes.com/
Sempre uma boa abordagem e uma ótima contribuição. Sucesso ao tales no projeto Ninho de Escritores. Gosto da dica: Relaxe! Ansiedade e desespero não leva a lugar nenhum. ;)
ResponderExcluirObrigado pela visita, Paulo!
ExcluirTambém gosto da ideia de relaxar quando se está escrevendo. Acredito que é preciso paciência para escrever, caso contrário acabamos nos perdendo pelo caminho.
Abraços