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Destaques

Scoop: Jornalistas da BBC e uma entrevista polêmica com príncipe Andrew

Quando um escândalo internacional envolvendo a Família Real estoura, uma jornalista tenta ser a primeira a conseguir uma resposta do príncipe Andrew para a BBC. Scoop é um filme de 2024 sem grandes surpresas para quem acompanhou a cobertura midiática da época, que mostra a importância do jornalismo não se silenciar quando se faz relevante. Um caso que havia sido noticiado há nove anos sobre a amizade de Andrew e Jeffrey Epstein estoura com a prisão do milionário e suicídio. Enquanto jornais de diferentes partes do mundo fizeram cobertura, o silêncio de príncipe Andrew no Reino Unido incomoda a equipe de jornalismo, que tenta persuadi-lo a dar uma entrevista. Enquanto obtém autorização para fazer a entrevista, a equipe de jornalismo mergulha nas informações que a Família Real não gostaria que fossem divulgadas sobre as jovens que faziam parte do esquema de tráfico sexual e as vezes em que príncipe Andrew estava no avião particular de Epstein. O filme foca mais na equipe de jornalismo do

Autismo: Problema de representatividade na ficção ou no mundo real?

O problema da representatividade e autismo: Alguns médicos e psicólogos que não entendem de autismo; pessoas comuns que reproduzem preconceitos sobre autismo. Como a representatividade na ficção vai melhorar, se no mundo real, as pessoas entendem o básico do básico?


Se a ficção é um espelho do real, não é tão chocante perceber que as séries, filmes e livros se focam em personagens brancos e meninos, afinal, esse é o grupo com mais diagnósticos de autismo. Por que isso acontece? Por que só eles são autistas? Não! Mesmo não sendo algo recente, alguns profissionais não entendem o suficiente sobre Transtorno do Espectro Autista e esse grupo (meninos brancos) é o mais privilegiado em termos de identificação, tratamento e, em alguns casos, fazem parte da população que lida com menos desigualdade social e tem acesso a melhores profissionais da saúde.

Recentemente, a quantidade de diagnósticos em meninas com Síndrome de Asperger tem aumentado – a ONU fez uma campanha falando sobre a importância do diagnóstico de autismo em meninas e mulheres –, porém se formos levar em conta a dificuldade de identificação durante anos, as estatísticas acabam privilegiando mais os garotos. Não é por acaso que escolheram a cor azul e essa mesma cor tem sido refutada por novas associações que preferem o espectro colorido ou o vermelho, mostrando que dentro do universo autista, existem pessoas diversas. Mesmo as ferramentas de identificação de autistas tem falhado na identificação de mulheres (o material está em inglês, mas pode ser lido aqui: Autism screening tool may not pick up women with the condition).

Existem muitas questões que poderiam ser discutidas quando se trata de ficção e autismo. Além do gênero, também vale a pena lembrar que as questões de identidade e orientação sexuais ainda são tabus no autismo. Outro ponto: o que tem acontecido com a parcela da população que foge do perfil diagnosticado (sexo masculino, infantil e branco)? Não precisa ser nenhum especialista para entender, eles estão sem diagnósticos e provavelmente passarão anos até conseguir um e/ou passarão a vida inteira sem um: algo mais comum do que se imagina.

Percebo a diferença na parcela de diagnóstico facilmente nos grupos virtuais. Nos debates internacionais, vejo uma população mais diversa no ativismo autista (autistas de diferentes grupos étnicos, gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, não-binários, assexuais, heterossexuais e autistas que têm outras deficiências – interseção de grupos minoritários), enquanto no Brasil, o debate permanece preso à infância.

No Twitter, uma autista negra e ativista norte-americana alerta que autismo não é exclusivo de brancos. As reações ao comentário dela são diversas: “Quem foi que disse que os autistas são só brancos?”. Ninguém disse. As estatísticas maquiadas disseram e o preconceito geralmente é espalhado por esses números e conhecimentos superficiais sobre o autismo que são gritados a sete ventos.

No Brasil, alguns autistas adultos, especialmente os que têm Síndrome de Asperger, são vistos como o Pé Grande, Saci ou qualquer outra criatura do folclore ou de teorias da conspiração – não somos criaturas imaginárias e invisíveis. Você escuta absurdos como: “Me falaram que Síndrome de Asperger não existe mais”, “Fulano era autista e deixou de ser”“Autistas adultos não existem”. O que acontece com essas pessoas que passaram a vida inteira sem diagnóstico tentando se encaixar? Você sabe o quanto é frustrante ter que ir a um médico que não entende de autismo e ser questionado sobre seu diagnóstico? Ou como é aguentar comentários de pessoas que nunca leram nada sobre Síndrome de Asperger que acham que você está inventando?

Os profissionais da saúde com egos mais sensíveis que me desculpem, mas quem conhece Aspergers sabem que somos hipersinceros, especialmente quando se tratam dos nossos hiperfocos e estudar o autismo temporariamente se tornou um interesse meu: se eu tiver que ir a um profissional e ter que ensiná-lo sobre autismo, eu prefiro não ir; Não porque me acho superior, mas porque acredito que é o mínimo que deveriam estar fazendo: estudando sobre autismo. Autistas adultos são humanos e não têm o apoio necessário por causa do despreparo profissional. Um psicólogo que não entende de Asperger terá dificuldade de ajudar um aspie, especialmente se for psicanalista (o histórico da França de psicanalistas que internaram autistas e afastaram as crianças dos pais está aí para quem quiser ler e pesquisar). Um médico que confunde comportamentos autísticos com doenças o fará tomar remédios.

Alguns comorbidades são comuns na população autística, especialmente porque seus cérebros tentam se ajustar ao meio ambiente e na tentativa de lidar com excesso de estímulos, o sistema de compensação nem sempre dá conta. Ansiedade, depressão e TDAH são comuns entre autistas. Segundo Tony Attwood, aproximadamente 75% das pessoas com Síndrome de Asperger também tem TDAH – chocante seria se não tivessem, afinal, para quem tem Transtorno do Processamento Sensorial, muitas vezes, a atenção é desviada para o estímulo sensorial. Para quem tem hipersensibilidade ao som, como eu, barulhos leves como uma gota pingando na pia ou chiados de televisão e lâmpadas podem incomodar, mesmo que sejam indiferentes ou provoquem um leve incômodo em não-autistas.

Mesmo com o protetor auricular ou fone de ouvido, existem barulhos que podem me desconcentrar completamente. Aí entraria outra questão: qual é a linha entre o TDAH e a Síndrome de Asperger? Se o desvio da atenção está relacionada ao transtorno do processamento sensorial, será que podemos chamar de TDAH ou precisaríamos classificar uma nova forma de identificar transtornos, levando em conta a diferença de funcionamento cerebral do autista? Essa linha é bem fina.

Não é difícil entender a razão de autistas serem mais vulneráveis. Além de ter relação com o funcionamento neurológico diverso, também tem relação com conviver com situações que podem provocar o mal-estar. Quando a pessoa tem conhecimento, ela pode tentar se ajustar ou evitar algumas coisas; quando ela não tem esse conhecimento, ela pode ter crises e ter esgotamento (burnout autístico) e interpretar sua fadiga como qualquer outra coisa que poderia ser facilmente confundida com qualquer doença ou transtorno.

Duas expressões de pesquisadores do autismo e ativistas autistas ajudam a entender um pouco a dificuldade de representatividade seja na ficção ou no mundo real: “Se você conheceu UM autista, você conheceu UM autista” e “Nada sobre nós, sem nós”. Ressalto que entender sobre o Transtorno do Espectro Autista não deveria ser especialidade, deveria ser algo comum para diferentes profissionais da saúde, especialmente psiquiatras e psicólogos. A questão da identidade autista é muito importante. Enquanto algumas pessoas prefiram dizer "Fulano tem autismo", dentro e fora do Brasil, cada vez mais tem se discutido "Fulano é autista". Se o autismo é uma condição neurológica diversa, não é uma doença (logo não há cura – e eu não trocaria o meu cérebro autista por um não-autista, mesmo com minhas limitações), não há sentido em dizer que a pessoa tem algo, como se ela pudesse deixar de ser autista a qualquer momento.

Quando falamos de autismo, o foco depende de quem está narrando. Profissionais da saúde têm uma visão bem diferente dos autistas, assim como mesmo os familiares de autistas têm visão diferente da pessoa autista. Já recomendei a leitura de textos escritos por autistas e deixei várias recomendações (leia neste post). Inclusive, vale lembrar que autistas podem progredir ao longo da vida, muitas vezes, eles só têm um tempo diferente. Existem autistas não falantes defendendo seus direitos na internet: um Asperger tem dificuldades diferentes de autistas de 'outros graus' e jamais poderá se posicionar como uma voz para eles, mas será que um autista com limitações não pode dar sua opinião e ser escutado?

Estamos em 2018, mas algumas pessoas parecem que pararam no tempo. Quando o autismo não era chamado de autismo, muitas pessoas confundiam com uma forma de esquizofrenia infantil. Alguns comportamentos eram (e ainda são) reprimidos, como os Stims (movimento autoestimulatório repetitivo): embora muitos autistas se sintam incomodados com os olhares de estranhamento, muitos têm defendido o Stim. Para familiares e profissionais, a estereotipia é visto como algo ruim; para alguns autistas, o stim só deve ser educado se for relacionado à automutilação, já que esses movimentos servem para relaxar e evitar crises por causa do excesso de estímulos e de estresse. A comunidade autista não é homogênea; as associações de autismo não lutam pelas mesmas coisas. Enquanto alguns ainda acreditam e desejam uma cura, outros lutam pelo direito de serem ouvidos e respeitados e pela necessidade de inclusão na educação e no mercado de trabalho. Assim como acontece com a História, a visão da maioria muitas vezes tenta apagar e silenciar a da minoria. Quem conta a história? O vencedor.

Embora o Sheldon (The Big Bang Theory) esteja longe de representar todas pessoas com Síndrome de Asperger e o espectro autista como um todo – duas coisas impossíveis de acontecer com qualquer personagem ou pessoa real, afinal, o espectro é bem diverso e dois autistas podem ser completamente diferentes –, acredito na importância dessa representatividade, por menor que ela seja. Como muitas pessoas têm dificuldade de entender o autismo, muitas vezes, utilizar personagens de obras populares da ficção acabam sendo uma forma de facilitar e explicar os comportamentos que causam estranhamento nos outros. O lado obscuro disso é que pode acabar ajudando a alimentar estereótipos. As características comuns podem ajudar na identificação, mas não podem limitar o autismo. “Você não parece o Sheldon!”. Olhando a superfície de um personagem, mesmo que um autista trabalhe na mesma área que o Sheldon e tenha o mesmo hiperfoco, ele pode ser bem diferente, mas se você aprofundar o seu olhar no personagem, vai perceber que ele tem comportamentos semelhantes ao de várias pessoas no espectro autista com Síndrome de Asperger.

Nem todo autista é genial. Personagens geniais despertam a atenção das pessoas, mas no mundo real, essas pessoas não são facilmente aceitas. Sheldon é um personagem que revela um lado cômico, seus comportamentos são tolerados pelos telespectadores, mas quando se trata do mundo real dificilmente seria tão querido por causa da sua rigidez de pensamento. Assim como Sheldon fez um contrato com o colega de apartamento, Leonard, Albert Einstein fez uma lista de obrigações que a esposa tinha que cumprir. Aspies não são perfeitos, mas não-autistas também não são. Quando se trata de autismo, há muito o que as pessoas acham que é exagero ficcional, quando já aconteceram com pessoas na vida real.

Personagens como Shaun Murphy (The Good Doctor) e Sam (Atypical) também não representam o espectro, mas suas histórias e comportamentos ajudam bastante na hora de explicar alguns comportamentos de autistas, inclusive na hora de entender questões como preconceito e superproteção. Perceberam o padrão? Homens brancos. No filme Adam (2009), Hugh Dancy interpreta tão bem o personagem autista que sua história de vida é quase uma aula sobre Síndrome de Asperger. No filme Tudo Que Quero (Please Stand By), Dakota Fanning fez um trabalho excelente de representar uma personagem autista que mostra que mesmo com as limitações, também está disposta a ir atrás dos seus sonhos e acabou contribuindo para a campanha da ONU sobre diagnósticos de meninas. Onde estão os personagens autistas de outros grupos étnicos? Vale lembrar que The Good Doctor, originalmente, é uma série coreana.

A ficção falha na representatividade de autistas, mas não choca. Não choca porque no mundo real o autismo é invisibilizado diariamente. Não choca porque ter um profissional que entenda de autismo ainda é um privilégio para poucos. Não choca porque o universo da ficção é um espelho retorcido da realidade e o real ainda tem falhado. Não choca porque as pessoas têm uma visão preconceituosa sobre autistas e essa mesma visão é espalhada por profissionais que deveriam entender do assunto. Não choca porque embora o autismo não seja uma doença, em alguns lugares, ainda é tratado como tal e o autista tem problemas de inclusão no colégio, universidade e mercado de trabalho. Não choca porque é vergonhoso um autista ter que defender o próprio autismo, só porque as pessoas não entendem que o espectro autista não é linear e mesmo duas pessoas com Síndrome de Asperger podem ser bem diferentes.

Não choca porque as pessoas ainda acham que todo autista é introvertido e não percebem que mesmo um autista extrovertido pode ter dificuldades de manter relacionamentos, se sentir frustrado em dobro por não ter amigos e se sentir solitário. Não choca porque há quem acredita que autistas não podem ter relacionamentos estáveis (e não fazem sexo), namorar, casar e/ou ter filhos. Não choca porque diariamente autistas ativistas combatem informações falsas espalhadas na internet, como a de que o autismo é causado por vacinação, dietas milagrosas e tratamentos sem comprovação científica. Não choca porque o suicídio entre autistas de 'alto funcionamento' é comum porque somos a parte invisível do espectro autista. Não choca porque diariamente alguém que não sabe nada de autismo tenta corrigir um autista. Não choca porque enquanto o debate sobre autismo for pautado somente em crianças e/ou na parcela da população que gera alguma forma de lucro e exclui as classes sociais menos favorecidas, quem dará apoio aos adolescentes, adultos e idosos autistas?

Assista ao vídeo com 7 curiosidades sobre Síndrome de Asperger:



*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

Comentários

  1. Ben, tenho lido seus textos e tem me ajudado muito a entender uma série de coisas! Obrigada por tanta informação de qualidade e tanto empenho em divulga-las! <3
    Rosana Oshiro

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    1. Oi, Rosana! Fico muito feliz em saber que meus textos estão te ajudando de alguma forma. Gratidão pelo comentário.
      Abraços

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  2. Parabéns pelo texto. É uma triste realidade temos poucos profissionais que entendem sobre TEA. Fui diagnosticada adulta e foi um longo processo, pois a questão era "descobre quando é criança", mas o aconteceu foi q recebi outros diagnósticos, precisei explicar que não foi "algo q surgiu quando eu já era adulta". Teve médico que eu fui que pareceu ofendido quando eu tentei falar sobre TEA, tentei pq fiquei nervosa e não consegui. Quando encontrei uma psicologa e um psiquiatra que etendem do assunto foi muito bom. Meu hiperfoco é sobre TEA tbm.

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    1. Oi, Tayane! Muito obrigado pelo comentário. É uma situação deplorável um autista ter que comprar que é autista para profissionais da saúde e até mesmo lidar com o preconceito de aspies intolerantes. Fico feliz em saber que seu hiperfoco também é TEA.
      Abraços

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  3. Fico muito feliz em ler seus textos porque sempre aprendo alguma coisa nova!!! Essa parte: "Não choca porque o universo da ficção é um espelho retorcido da realidade e o real ainda tem falhado.", em teoria eu até sabia disso, mas quando raciocinei agora, percebi que na prática eu não compreendia isso, agora entendo porque a ficção é como é, inclusive na representação do borderline, que sempre foi doloroso para mim. Obrigada!!

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    1. Oi, Michele! Fico feliz que tenha gostado do texto, pois tive receio de ter sido mal-interpretado naquela conversa. Então, sim... Quando a gente reflete quantas pessoas não entendem do assunto ou estão sem diagnósticos (independente da condição ou transtorno), nós entendemos porque a ficção falha mais ainda.
      Abraços

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