O livro
Asperger’s on the Inside, escrito por
Michelle Vines, traz memórias de uma mulher com Síndrome de Asperger/Autista. A autora alerta desde o início que a obra reúne informações pessoais, para que os leitores não comprem acidentalmente achando que se tratam de informações formais sobre autismo/Síndrome de Asperger.
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Na introdução do livro, Michelle Vines lembra que formalmente o termo Síndrome de Asperger não é mais adotado, desde que passou a ser classificado dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Compartilhando suas experiências com sentimentos e relacionamentos, a autora não quis que o livro se tornasse só uma lista de comportamentos/traços autísticos, mas mostrar a parte humana. Como muitas pessoas com diagnóstico tardio de autismo, que descobriram só na fase adulta, Michelle descreve:
“Você vê, durante a maior parte da minha vida, eu não sabia que Asperger existia. Eu cresci com a premissa de que eu era perfeitamente normal, com apenas algumas peculiaridades e diferenças em relação à minha personalidade. Ok, talvez muito poucas então, mas elas não eram nada ultrajantes! Então, eu sempre assumi que era baseado em personalidade e eu era simplesmente única. Ninguém nunca me disse que eu tinha uma síndrome!” – Michelle Vines, Asperger’s on the Inside
Embora o diagnóstico seja importante para o autoconhecimento e entendimento das pessoas ao redor, Michelle quis que os leitores entendessem que ela é um ser humano com sentimentos reais. Ela também afirma que ao decorrer da escrita, sua escrita e percepção também se transforma, passando por períodos iniciais de incerteza e insegurança até uma visão mais positiva, madura e compreensiva do próprio diagnóstico.
Da raiva de ter sido incompreendida e maltratada por outras pessoas, Michelle conta que sua intenção inicial foi abrir os olhos da pessoas e lembrar a importância de celebrar as diferenças. A autora relembra sua infância, período em que os traços autísticos ficam mais evidentes – ainda que na época muitas pessoas não faziam ideia, afinal, o diagnóstico oficial de Síndrome de Asperger entrou no DSM em 1994 –, e de como sua mãe percebia que as outras crianças tratavam sua filha de forma diferente e de como ela era corrigida (ainda que não propositalmente pelo desconhecimento das limitações) e isso acabou influenciando sua autoestima.
“Como uma pessoa real e não um estereótipo ou um exemplo de livro didático, meus traços de personalidade são complexos, até eu tenho dificuldade em determinar onde minha personalidade termina e começa meu Asperger. Não existe tal coisa como o meu lado Aspie e o meu lado normal. Há apenas eu! Então eu vou intencionalmente deixar essa linha borrada” – Michelle Vines, Asperger’s on the Inside
Um ponto bem interessante levantado pela autora é de que devido à dificuldade de diagnósticos de Síndrome de Asperger/autismo leve e da falta de conscientização sobre o universo autista, além de lidar com os estereótipos, muitos autistas têm dificuldade de conversar sobre o assunto com outras pessoas, seja pela descrença de que o aspie está no espectro autista e/ou porque as pessoas associam a personagens ou outros autistas que elas conhecem e isso acaba tornando a conversa estranha ou atrapalhando o diálogo.
Mesmo com as limitações, Michelle lembra que muitos autistas aprendem por observação de comportamentos, imitações e padrões, podendo disfarçar algumas dificuldades de interações sociais. Ainda que autistas aprendam a participar de atividades sociais, vale lembrar que o cérebro permanece processando as informações de forma diferente: levando a exaustão e, em alguns casos, à sobrecarga sensorial.
“Então, é uma pena que as pessoas frequentemente se afastem de Aspies assumindo o oposto de nós. Eles nos vêem parecendo insensíveis em tempos emocionais e fazem suposições sobre sermos frios ou desprovidos de apoio. Eles assumem que somos amigos ou parceiros medíocres - insensíveis, talvez. Mas não é isso que está acontecendo. Nós temos sentimentos - sentimentos extremamente intensos. Às vezes leva tempo” – Michelle Vines, Asperger’s on the Inside
Do Bullying e das dificuldades de fazer amizades no colégio, coisas bem comuns para autistas, passando pelo mito de que autistas são egoístas, quando em muitos casos, eles têm dificuldade de se comportar da maneira esperada, muitas vezes, natural para neurotípicos (não-autistas). Michelle tenta puxar a narrativa através de perguntas e respostas.
Em um dos capítulos do livro, Michelle fala sobre sua relação com as sensibilidades sensoriais – algo que pode ser completamente diferente em autistas. Um comentário interessante sobre a hipersensibilidade auditiva é de que além de alguns barulhos machucarem alguns autistas, como o cérebro filtra diferentes estímulos sonoros e sensoriais ao mesmo tempo, muitas pessoas não sabem que, muitas vezes, o autista tem dificuldade de escutar o que alguém está falando e exige maior esforço de concentração, enquanto o cérebro de não-autistas geralmente consegue filtrar os outros barulhos, de forma a não atrapalhar o entendimento. Coisas simples como falar no telefone podem ser bem desconfortáveis para autistas e isso pode fazer as pessoas acharem que você não está interessado em falar com elas.
Muitos aspies com diagnóstico ou sem podem ter dificuldade em manter empregos formais. Com Michelle não foi diferente, especialmente porque na época ela não fazia ideia do autismo e não entendia porque o trabalho a deixava tão deprimida e cansada. Porém, apesar do excesso de exposição a situações sociais esgotar autistas, que precisam de mais tempo para recarregar as energias do que não-autistas, Michelle também toca em um ponto preocupante e comum da vida de adultos autistas: a solidão.
“Apesar de nossa tendência a parecer indiferentes ou desinteressados, nós Aspies [autistas] ainda somos criaturas sociais com necessidades humanas reais. Precisamos de companhia e companheirismo tanto quanto qualquer outra pessoa, pelo menos nas quantidades certas, dado o nosso modo de vida” – Michelle Vines, Asperger’s on the Inside
Michelle compartilha os altos e baixos de sua vida e de que forma o autismo influenciou sua carreira e seus relacionamentos. Mãe de dois filhos, ela foi casada com um homem que a apoiou quando soube do diagnóstico – questões que ainda são um tabu para muitas pessoas –, mas eventualmente acabaram seguindo caminhos diferentes pela necessidade de viagens constantes.
Apesar de falar das dificuldades de interações sociais e de como em alguns momentos de sua vida adulta Michelle se sentiu solitária, ela também ressaltou como o diagnóstico ajudou a moldar uma imagem mais positiva de si mesma e lembrou da importância da comunicação com outros aspies, ajudando com a sensação de pertencimento. Embora autistas possam ser bem diferentes, foi uma experiência de leitura interessante, até mesmo porque durante um bom tempo, as pessoas tinham poucas referências da perspectiva feminina.
Confira mais indicações de livros sobre o assunto:
Síndrome de Asperger: Guia do especialista mundial em autismo, Tony Attwood
Asperger (Forma leve de autismo): Graphic novel francesa ajuda na conscientização
Asperger na adolescência e amizade são temas do livro Em Algum Lugar nas Estrelas
Resenha: O Cérebro Autista – Temple Grandin e Richard Panek
5 Motivos para Ler O Que Me Faz Pular (Naoki Higashida)
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror
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