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Pandemia: Brasis divididos entre narrativas, fatos e dados paralelos
A pandemia de Covid-19 intensificou as divisões e reuniões políticas e ideológicas da sociedade brasileira. O evento fez uniões improváveis surgirem e também escancarou o sistema de pós-verdade do governo Bolsonaro, mostrando que por trás das estratégias de desinformação e fake news, há também possíveis interesses financeiros.
Quem manipula? Quem é manipulado? São perguntas nem sempre fáceis de explicar. O que acontece, no entanto, é que para desacreditar jornalistas, profissionais de saúde e pesquisadores, alguns profissionais dos diferentes grupos têm sido usados para dar uma falsa credibilidade às narrativas paralelas. O resultado a gente acompanha diariamente nas mídias sociais: pessoas do Brasil brigando por questões que já foram esclarecidas em outros países.
Com mais de um ano de pandemia e mais de 515 mil mortes por Covid-19 no Brasil, o que se observa é a tentativa de trazer à tona o tempo todo questões que nem deveríamos mais falar, como o uso de tratamentos sem comprovação científica, como a Cloroquina e Ivermectina. Como os remédios são defendidos por Jair Bolsonaro, as discussões foram recorrentes na CPI da Pandemia, causando até mal-estar em quem assiste pela insistência de defender o indefensável.
Nesta quarta-feira, 30 de junho de 2021, o empresário Carlos Wizard prestaria depoimento à CPI da Pandemia, mas como estava com habeas corpus, ele se limitou a responder múltiplas vezes que se manteria em silêncio. A situação foi atípica para os senadores, que acreditaram que ele responderia pelo menos perguntas básicas.
No entanto, o mais chocante do dia foi um vídeo com trecho de uma entrevista de Carlos Wizard que foi reproduzido várias vezes pelos senadores. No vídeo, o empresário passa a informação falsa que ninguém que tomava o tratamento precoce (sem comprovação científica) morria de Covid-19 em Porto Feliz (SP) e sorrindo, ele diz que só morreu quem ficou em casa e não procurou atendimento médico imediato.
Um desses vídeos foi do dia em que ele foi entrevistado pela jornalista Leda Nagle. Ela que já ficou doente por Covid-19, precisou ser internada e viu que não era só uma gripezinha como muitos acreditavam na época. Vários vídeos do canal do YouTube de Leda Nagle foram removidos por conter informações erradas do ‘tratamento precoce’, o mesmo aconteceu com Alexandre Garcia e outros jornalistas.
Muitos senadores ficaram incomodados com o silêncio de Carlos Wizard, pois sua postura contrastou com a que foi observada nos vídeos. Como ele chegou lá com um versículo bíblico, vários senadores também apresentaram alguns durante suas falas – talvez em uma tentativa de comovê-lo de alguma forma a quebrar o silêncio, mas não foi eficiente. Embora o silêncio tenha sido usado para autopreservação, também serviu para aumentar a desconfiança de quem acompanhava a transmissão da CPI da Pandemia.
O versículo que Carlos Wizard trazia em mãos quando chegou: "Por isso não tema, pois estou com você; não tenha medo, pois sou o seu Deus. Eu o fortalecerei e o ajudarei; eu o segurarei com a minha mão direita vitoriosa".
Carlos Wizard esteve envolvido com o tratamento precoce, tendo dito que ajudaria a forrar o Brasil com Cloroquina, envolvimento na aquisição de vacinas por iniciativa privada e suposto aconselhamento paralelo. Ele foi convocado na condição de investigado, não só como testemunha e chegou a conhecer outras pessoas que estão sendo investigadas pela CPI da Pandemia, como a médica Nise Yamaguchi, que também defende tratamento sem comprovação científica e o ex-ministro de saúde Eduardo Pazuello.
Confira algumas dos destaques de hoje na CPI da Pandemia:
– A senadora Eliziane Gama disse que a hipocrisia é repugnante e por isso Jesus Cristo era contra. “O conselho mal dado pode levar milhares de vidas [...] Não era negacionismo, foi corrupção”;
– O senador Renan Calheiros acrescentou: “O perverso cairá pela sua falsidade”;
– O senador Otto Alencar disse para Carlos Wizard que a definição de Charlatão é exatamente a de alguém que recomenda tratamento sem comprovação científica, que não é médico e declarou que de forma irresponsável ele indicou cloroquina aos compatriotas (brasileiros);
– O senador Humberto Costa disse que a população brasileira está atenta sobre a vergonha mundial, sofrimento da população e velhas fórmulas (corrupção);
– O senador Rogério Carvalho disse que se não fosse pelo consórcio da imprensa não saberíamos o número de mortos pela Covid no Brasil;
– A senadora Zenaide Maia disse que Bolsonaro não tem nenhum compromisso com a dignidade ou vida humana;
– O senador Alessandro Vieira disse para Wizard: “A humildade precede a honra. Humildade é uma palavra que está faltando nessa etapa da sua jornada”
– A senadora Simone Tebet disse para Carlos Wizard: “O senhor está cometendo um grande equívoco ao ficar calado”. Ela também disse que é importante mudar o termo gabinete paralelo, para gabinetes. Tebet mencionou a existência de quatro gabinetes: Gabinete Oficial, Gabinete Paralelo, Gabinete do Ódio e Gabinete da Propina.
– O senador Fabiano Contarato disse: “Eu não acreditei nesse governo federal desde o início”. Depois listou os crimes que já foram confirmados de forma geral pela CPI da Pandemia e acrescentou para Carlos Wizard: “O principal bem jurídico que deve ser protegido é a vida humana”.
Após o encerramento da CPI da Pandemia, a sensação que ficou é a de que o charlatanismo é tão naturalizado no Brasil, que muita gente não percebe os seus riscos, tampouco acha que irá responder pelas consequências dos seus atos. A opinião sobre tratamentos sem comprovação científica divide até mesmo a comunidade médica, mas quando se trata de alguém promovendo, a pessoa corre o risco de exercício ilegal de medicina.
Embora o tema tenha sensibilizado os senadores de oposição e independente, passou batido por quem não vê mal algum na recomendação de tratamentos sem comprovação científica. Da mesma forma, essa tendência é observada fora da CPI: milhares de brasileiros ainda não entenderam a gravidade de dar falsas esperanças e prometer um tratamento que não funciona, e em como isso afeta o psicológico das pessoas, as colocando em situação de risco. Afinal, se o tratamento funcionasse, os órgãos de saúde não teriam tanta cautela e liberariam para todos.
E assim o Brasil vai caminhando. Nunca antes a imprensa foi tão atacada por um presidente do Brasil e tão necessária, já que a demanda de passar informações corretas e desmentir informações falsas tem sido quase que diária, especialmente nos tempos de pandemia. E como já foi mencionado por outros cientistas, não é uma questão de direita ou esquerda, mas que além de envolver crenças anticientíficas, pseudociência e negacionismo, em alguns casos também tem se esclarecido as questões financeiras por trás.
Se de cima com uma grama artificial verde, a terra já parece podre, imagina quando a CPI da Pandemia chegar ao fundo. As centenas de milhares de mortes clamam pelo fim do silêncio.
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