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Destaques

Scoop: Jornalistas da BBC e uma entrevista polêmica com príncipe Andrew

Quando um escândalo internacional envolvendo a Família Real estoura, uma jornalista tenta ser a primeira a conseguir uma resposta do príncipe Andrew para a BBC. Scoop é um filme de 2024 sem grandes surpresas para quem acompanhou a cobertura midiática da época, que mostra a importância do jornalismo não se silenciar quando se faz relevante. Um caso que havia sido noticiado há nove anos sobre a amizade de Andrew e Jeffrey Epstein estoura com a prisão do milionário e suicídio. Enquanto jornais de diferentes partes do mundo fizeram cobertura, o silêncio de príncipe Andrew no Reino Unido incomoda a equipe de jornalismo, que tenta persuadi-lo a dar uma entrevista. Enquanto obtém autorização para fazer a entrevista, a equipe de jornalismo mergulha nas informações que a Família Real não gostaria que fossem divulgadas sobre as jovens que faziam parte do esquema de tráfico sexual e as vezes em que príncipe Andrew estava no avião particular de Epstein. O filme foca mais na equipe de jornalismo do

Pós-Verdade: Em livro, jornalista Matthew D’Ancona disseca o fenômeno da desinformação política e manipulação

Nos últimos anos os termos fake news, pós-verdade e informações falsas se tornaram bastante presentes nas sociedades e nos próprios jornais. Para entender um pouco mais sobre essa relação que já provocou muitos danos à democracia e às eleições de vários países e continua se alastrando em plena pandemia, uma boa indicação é o livro Pós-Verdade, do autor inglês Matthew D’Ancona, publicado no Brasil pela Faro Editorial, em 2018, com tradução de Carlos Szlak.

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Embora o termo seja novo para muitos, o fenômeno é antigo no Brasil, como lembram os editores na nota de introdução da versão traduzido para o português brasileiro. Eles citam um exemplo que não poderia passar batido, especialmente nesse período de tanto sofrimento causado pelo Covid-19 no mundo todo e que muitos têm se aproveitado da ingenuidade e da desinformação para atrapalhar as medidas que ajudam a diminuir a taxa de infecção pelo vírus. 

Enquanto o movimento antivacina cresce em várias partes do planeta, muitos profissionais de saúde e jornalistas têm dificuldade de lidar com a situação – aliás, entre todas áreas de atuações profissionais existem pessoas que acreditam em diferentes teorias de conspiração. “Não deixa de ser curioso que d’Ancona mencione, como exemplo prototípico da cultura da pós-verdade, a atual campanha antivacinação em voga nos EUA. Pois o Brasil é aquele país em que houve uma revolta popular, a Revolta da Vacina de 1904, contra a vacinação e a favor da varíola”, escreveram os editores.

Na introdução do livro escrita em 2017, Matthew D’Ancona declara que é jornalista há mais de 25 anos e curador de um museu de ciência de Londres e que diante do que têm acontecido nos últimos tempos, ele acredita que é errado ficar em silêncio e agir como se não tivesse sido perturbado profissionalmente. Ele pergunta: o que acontece quando as mentiras se espalham à vontade e muita gente não dá importância, além das falsificações e pseudociência?

“[…] Este livro é basicamente um tratado pessoal, e não um manual desapaixonado. Não é um momento para histeria. Da mesma forma, não é hora de ser otimista ou ter a confiança presunçosa de que aquilo que chamamos de pós-verdade seja apenas a última moda sobre a passarela intelectual, que desaparecerá espontaneamente na insignificância” – Matthew D’Ancona, Pós-Verdade

Logo no primeiro capítulo, o jornalista faz uma síntese sobre os perigos da pós-verdade para as sociedades. É interessante observar que mesmo o livro tendo sido publicado originalmente em 2017 e traduzido para o Brasil em 2018, muitos dos comentários de Matthew D’Ancona desnudam a estratégia do governo Bolsonaro, já que como não é surpresa para muitos, ele tenta imitar Donald Trump, um dos políticos analisados pelo autor.

Chega a provocar um efeito de estranhamento ao perceber que as estratégias adotadas por certos políticos dão tão certas na manipulação, que é como se os países vivessem, literalmente, realidades paralelas. Há uma narrativa distorcida que parece verdadeira contra inúmeras narrativas tentando contar a verdade que são desacreditadas, devido aos constantes ataques à credibilidade da imprensa e crenças conspiratórias. 

“Entramos em uma nova fase de combate político e intelectual, em que ortodoxias e instituições democráticas estão sendo abaladas em suas bases por uma onda de populismo ameaçador. A racionalidade está ameaçada pela emoção; a diversidade, pelo nativismo; a liberdade, por um movimento rumo à autocracia. Mais do que nunca, a prática da política é percebida como um jogo de soma zero, em vez de uma disputa entre ideias. A ciência é tratada com suspeição e, às vezes, franco desprezo” – Matthew D’Ancona, Pós-Verdade

É quase como se milhares de pessoas ficassem adormecidas, vítimas de um feitiço do sono lançado por presidentes que sabem quais teclas apertar para alimentar o ódio, para dar a falsa sensação de que não há nada errado acontecendo e/ou para criar cortinas de fumaça semanalmente e desviar o foco da população.

Entender o passado, nos ajuda a entender o presente. Mesmo que recente, na época em que o livro foi escrito, Donald Trump ainda era Presidente dos Estados Unidos. Vale mencionar que, por entender a complexidade do fenômeno, o jornalista Matthew D’Ancona acertou em cheio ao dizer que mesmo que ele não fosse reeleito, o problema continuaria existindo no território norte-americano. Tanto é que, nos últimos tempos, Trump chegou a perder suas contas nas redes sociais e continua espalhando as mentiras de que as eleições presidenciais norte-americanas foram roubadas.

Para ficar mais fácil de entender o que é pós-verdade, o autor disse que o Dicionário Oxford escolheu o termo como palavra do ano em 2016, cujo significado seria: “circunstâncias em que os fatos objetivos são menores influentes em formar a opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal”. 

Considero importante entender melhor sobre o fenômeno já que ele gera mais divisões à sociedade, jogando pessoas contra as outras com base em informações que são manipuladas e os que procuram a verdade são vistos com desconfiança. Desde que Trump e Bolsonaro foram eleitos, os ataques aos jornalistas só aumentaram, seja pelas posturas deles ou dos seus apoiadores. 

Vale lembrar que os levantamentos mostram números preocupantes de declarações mentirosas feitas por alguns políticos na mídia que se aproveitam do fenômeno da Pós-Verdade: um dos ex-aconselhadores de Trump que ajudaram com sua campanha presidencial, Roger Stone já manifestou publicamente que faz parte do jogo político e que não se importa com o que as pessoas vão pensar dele. Mesmo suas estratégias sendo dissecadas, alguns apoiadores são tão cegos por figuras políticas que preferem ignorar – o que gera mais polarização e nos faz questionar até que ponto esses cidadãos são manipulados ou se deixam manipular.

“Trump aprendeu que a “marca” tem mais importância que a contabilidade pública de fato e ficção, e que a busca insone por publicidade é muito mais importante que a cobertura objetiva sem erros. O que Cohn ensinou a Trump foi muito mais do que relações públicas tradicionais – o gerenciamento de notícias –, mas a criação de um mito moderno. Nesse jogos, os fatos eram um luxo e, frequentemente, algo irrelevante […] O que importa não é a veracidade, mas o impacto” – Matthew D’Ancona, Pós-Verdade

Matthew D’Ancona lembra que a mentira política por si só não caracteriza a pós-verdade. Segundo o jornalista, o que muda é que se em determinada época, a população era mais crítica sobre a desonestidade, ultimamente tem se mostrado indiferente e conivente. Com os crescentes escândalos políticos pelo mundo, muitos perderam a confiança nos interesses políticos e a imagem ganhou mais peso do que as ações, abrindo espaço para pessoas que antigamente dificilmente seriam eleitas.

Uma das estratégias adotadas por quem se utiliza da pós-verdade é a seleção de trechos descontextualizados. Isso ficou evidente até nos dias atuais no Brasil, onde acontece a CPI da Pandemia que busca desmascarar a adoção de tratamentos sem comprovação científica contra Covid-19 e algumas pessoas recortam/editam vídeos para fazer parecer que os senadores apoiam o que eles estão criticando – só uma, entre várias táticas adotadas para causar confusão, desmoralização e desviar o foco do que realmente importa.

“A questão não é determinar a verdade por meio de um processo de avaliação racional e conclusiva. Você escolhe sua própria realidade, como se escolhesse comida de um bufê. Também seleciona sua própria mentira, de modo menos arbitrário. Em um caso clássico de algo que os psicólogos chamam de “espelhamento”, Trump – notório em sua campanha por suas mentiras – começou a acusar seus críticos da mídia de espalhar “notícias falsas”” – Matthew D’Ancona, Pós-Verdade

Se no passado as teorias da conspiração faziam sucesso em um público mais limitado, o jornalista lembra que nos tempos atuais, com as redes sociais, jornais e mídias de ‘fatos alternativos’, além de terem maior espaço e interação, abordar esses assuntos é algo lucrativo – por mais absurdos, fictícios e improváveis que sejam, há um público que consome conteúdos questionáveis e compartilha com mais pessoas, sem nem pensar nas consequências.

Levando isso em conta, Matthew D’Ancona defende os jornais tradicionais, por mais que muitos estejam morrendo financeiramente nos tempos digitais, já que há um trabalho de checagem dos fatos e também de retratação quando se divulga algo incorreto – algo que dificilmente acontece nessas mídias alternativas. 

De forma ingênua e otimista, muitas pessoas de diferentes lugares do mundo acreditaram que a internet seria uma ferramenta para ajudar a compartilhar conhecimento de qualidade e corrigir inverdades, mas seja por crenças, interesses políticos, financeiros e/ou ideológicos, não foi isso que aconteceu e vários estudos apontam a maior adesão e compartilhamento de notícias falsas do que notícias verdadeiras justamente porque de forma intencional, quem produz o conteúdo ou quem é a fonte sabe que vai mexer com o psicológico do consumidor das informações.

Outro erro comum era acreditar que as teorias da conspiração e informações falsas faziam mais sucesso entre as pessoas com menos nível educacional. Para Matthew, as pesquisas indicam que o ensino superior não necessariamente protege as pessoas do pensamento mágico, já que mexe com as crenças. O jornalista chega a comparar a uma infecção, o que é bem pertinente nesse período de pandemia para entender o quanto a pós-verdade pode ser perigosa, já que mesmo quando a verdade é oferecida como tratamento, nem todos conseguem se recuperar e aceitá-la.

Dois exemplos citados no livro de como as informações falsas mesmo quando não se sustentam com evidências científicas ou históricas podem provocar danos à sociedade são os do movimento antivacina que espalhava que vacinas causavam autismo e dos negadores do Holocausto, que acreditavam que era só uma visão dos judeus e não a realidade. 

“A pós-verdade alimenta a alienação, o desarranjo e o silêncio entorpecedor” – Matthew D’Ancona, Pós-Verdade

Segundo Matthew D’Ancona, ficar esperando que o fenômeno da pós-verdade vá desaparecer com o fim de determinados governos é uma ilusão – a passividade e o silêncio não são uma estratégia inteligente, sendo a educação midiática uma das propostas, já que a tecnologia não vai voltar atrás e ainda há muito que precisa ser mudado na legislação para impedir determinados conteúdos nas redes sociais. 

Matthew D’Ancona conseguiu transformar um assunto tão complexo em algo fácil de entender em seu livro Pós-Verdade, deixando bem claro que nem sempre basta passar as informações corretas, mas sendo também necessário entender de questões emocionais e cognitivas por trás das crenças e como contra-atacar as fake news com inteligência emocional e linguagem acessível. 

Pós-Verdade é um livro indicado para todos que lutam pela democracia e sabem o quanto notícias falsas podem criar caos, violência, criminalidade e afetar resultados eleitorais, além disso, em período de pandemia, entender as motivações por trás de quem espalha informações problemáticas de saúde – como tratamentos sem comprovação científica e mentiras sobre a gravidade do vírus – pode salvar vidas.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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