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Destaques

Scoop: Jornalistas da BBC e uma entrevista polêmica com príncipe Andrew

Quando um escândalo internacional envolvendo a Família Real estoura, uma jornalista tenta ser a primeira a conseguir uma resposta do príncipe Andrew para a BBC. Scoop é um filme de 2024 sem grandes surpresas para quem acompanhou a cobertura midiática da época, que mostra a importância do jornalismo não se silenciar quando se faz relevante. Um caso que havia sido noticiado há nove anos sobre a amizade de Andrew e Jeffrey Epstein estoura com a prisão do milionário e suicídio. Enquanto jornais de diferentes partes do mundo fizeram cobertura, o silêncio de príncipe Andrew no Reino Unido incomoda a equipe de jornalismo, que tenta persuadi-lo a dar uma entrevista. Enquanto obtém autorização para fazer a entrevista, a equipe de jornalismo mergulha nas informações que a Família Real não gostaria que fossem divulgadas sobre as jovens que faziam parte do esquema de tráfico sexual e as vezes em que príncipe Andrew estava no avião particular de Epstein. O filme foca mais na equipe de jornalismo do

A Loucura das Massas: Douglas Murray tenta defender o indefensável conservadorismo

A sociedade está caminhando para um mundo sem volta de cultura do cancelamento ou assim como muitas manifestações sociais relacionadas ao gênero, raça e identidade ao longo dos séculos, essa também vai passar? Embora não concorde com as ideias do autor, fiquei curioso para ler o livro A Loucura das Massas (The Madness of Crowds), escrito por Douglas Murray, traduzido por Alessandra Bonrruquer e publicado no Brasil pela editora Record, em 2021.

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A sensação que passa ao ler A Loucura das Massas é a mesma de ler um livro de ficção narrado por um narrador não confiável: deixando de lado posicionamentos ideológicos, fica claro que do mesmo modo que ele crítica os excessos dos movimentos identitários, ele também distorce por meio de sua lente política algumas informações para defender suas ideias.

É importante perceber que alguns conceitos são confusos para a sociedade. Muitos não sabem a diferença entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa, bem como os limites da opinião e cruzamento da barreira mais problemática, se transformando em discurso de ódio.

Não é difícil entender porque o livro de Douglas Murray faz tanto sucesso entre esse público, já que da mesma maneira que ele critica o público ativista que segue a onda, muitas vezes se deixando levar pelas emoções, o público-alvo de sua obra é formada por pessoas dispostas a encontrar qualquer argumento que legitime suas ações, sem se preocupar com os efeitos secundários nos anos atuais, comparando com um período no qual a população não se importava tanto com a defesa das diferentes minorias e não tinham tanto espaço na mídia e na política.

Uma afirmação contemporânea bastante forte nos círculos sociais dos que se opõem às defesas de minorias identitárias é: “As pessoas estão muito chatas hoje em dia! Não se pode falar nada, sem ser criticado ou correr o risco de ser cancelado”. Sobre o que o autor chama de “patrulhamento digital”, ele argumenta que muitas celebridades, autores e políticos têm receio dos comentários na internet que possam opor às “regras do jogo”.

“Os efeitos podem ser vistos em qualquer jornal […] É por essa razão que os políticos parecem tão aterrorizados quando alguém tenta conduzi-los a terreno espinhoso […] porque mesmo uma resposta negativa (de qualquer um no mundo) pode ser transformada em tempestade. Esse medo agora engolfa a maioria das figuras públicas, pois mesmo quando pensam que estão se saindo bem – ou heroicamente –, elas podem descobrir que o som que ouvem não são aplausos, mas suas carreiras desmoronando” – Douglas Murray, A Loucura das Massas

Não dá para negar que algumas pessoas cometem atos de desequilíbrio e hipocrisia, muitas vezes, tentando tirar significações de onde não tem simplesmente para defender seus posicionamentos identitários, mas não dá para achar que todos são assim.

Uma coisa é certa: como discute Douglas Murray no livro, essa vigilância constante de comentários feitos nas redes sociais faz com que muitas pessoas se policiem o tempo todo e, algumas, até usem a polarização e politização como uma estratégia de marketing, mesmo que suas atitudes nem sempre façam juízo às declarações públicas. Mas como definir quem usa termos identitários para gerar atenção, lucro, mídia, marketing e publicidade, e como realmente está interessado nas pautas sociais? É um terreno incerto, que exigiria investigação da persona e personalidade por trás dos indivíduos na internet.  

“A chegada da era das mídias sociais fez coisas que mal começamos a entender e causou problemas com os quais mal começamos a lidar. O colapso das barreiras entre linguagem privada e pública é um deles […] parece capaz de causar catástrofes, mas não de mitigá-las, de ferir, mas não de remediar. Considere o fenômeno agora conhecido como humilhação pública” – Douglas Murray, A Loucura das Massas

Como defensor da liberdade de expressão, acredito que cada um interessado em ler o livro, deve tirar suas próprias conclusões. Pode ser que você concorde com as ideias do autor, as refute ou, assim como eu, perceba que mesmo com tantas falas problemáticas, alguns pontos podem levar a uma melhor reflexão de como o extremismo e posicionamentos agressivos não combinam com grupos que lutam por uma sociedade mais democrática e plural.

Creio que as análises dos discursos devem englobar a intencionalidade dos interlocutores, não só os termos utilizados, evitando que o movimento que lute por uma sociedade mais diversa não seja vista com um olhar autoritário. Além disso, também é importante que seja levado em conta o contexto, já que em tempos de mídias sociais, trechos picotados se espalham numa velocidade incrível e muita gente não procura investigar as origens ou a veracidade antes de julgar.

Para defender a ideia de que a internet tem causado danos irreversíveis para a imagem de muitas pessoas, o autor cita trechos de uma palestra da Hannah Arendt, em 1964, na qual ela comentou que nem sempre as pessoas sabem o que estão fazendo e que além de imprevisíveis, essas ações são irreversíveis e cita como uma solução a habilidade de perdoar.

“Sem sermos perdoados, liberados das consequências do que fizemos, nossa capacidade de agir estaria confinada a um único ato do qual jamais poderíamos nos recuperar”– Hannah Arendt

Douglas Murray parece ser contra as alterações ao longo do tempo das prioridades de pautas sociais. O autor, por exemplo, cita que há alguns anos, a luta era pela aceitação da homossexualidade e agora a causa trans têm ganhado mais destaque.

Trans é um dos capítulos mais polêmicos do livro, passível de muitas problematizações, por meio de argumentos ele tenta se focar tanto na possibilidade de arrependimento de uma pessoa passar por cirurgia de readequação sexual, deixando claro o seu viés sobre o assunto comentando comparando a hardware e software e trazendo a fala de um gay que passou pelo processo de tomar hormônios femininos e depois se arrependeu.

O questionamento de James diz respeito sobre a velocidade com que está crescendo o mundo transgênero e se as taxas de suicídio de trans continuam altas antes e depois da cirurgia – porém, sua fala coloca toda responsabilidade na questão identitária do indivíduo, desconsiderando problemas da sociedade, como a transfobia, o desemprego, a exclusão, a falta de apoio, os possíveis transtornos psiquiátricos, entre inúmeros elementos, já que o suicídio costuma ser multifatorial e complexo.

A Loucura da Massa tenta defender o indefensável, usando discursos que podem facilmente manipular quem tem uma pobre leitura do mundo, alimentando as fantasias dos conservadores de que está tudo bem deixar as coisas serem do jeito que são. Um dos exemplos citados por Douglas Murray é o de feministas de ‘ondas anteriores’ que agora são afastadas das feministas que têm uma visão mais empática e inclusiva de mulheres trans, tentando mostrar como a cultura do cancelamento está indo longe demais.

“Os defensores da justiça social, da política identitária e da interseccionalidade sugerem que vivemos em sociedades racistas, sexistas, homofóbicas e transfóbicas. Sugerem que essas opressões estão interligadas e que, se aprendermos a ver a partir dessa teia e desfazê-la, finalmente poderemos lhe pôr um fim. Depois disso, algo acontecerá. Não está claro precisamente o quê. Talvez a justiça social seja um estado que, uma vez atingido, permaneça estável. Talvez requeira atenção constante. É pouco provável que descubramos” – Douglas Murray, A Loucura das Massas

Como não existe um referencial de sociedade na qual não existem problemas relacionados à diversidade racial, sexual e identitária, Douglas Murray acredita que a atitude de muitos movimentos é injusta. Seu discurso pode ser problemático ao afirmar que muita gente se utiliza da vitimização e que é algo cada vez mais buscado; além de crer que essa busca pela eliminação das injustiças sociais não é uma solução, mas “somente um convite à loucura em vasta e custosa escala, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade como um todo”.

No posfácio do livro, Douglas Murray disse que muitas pessoas concordaram com alguns dos seus pensamentos e entraram em contato, além de citar de forma breve o caso de cancelamento da escritora J. K. Rowling (autora de Harry Potter), cujos comentários feministas anti-trans levaram a uma legião de fãs e famosos virarem as costas para ela.

O autor gay descreve como a identidade de quem tem falas que discordam do posicionamento de justiça social acaba sendo deixado de lado. Além de citar alguns exemplos no livro, Douglas Murray descreve como ao ser noticiado um episódio no qual ele cometeu gafes sobre pronomes, muitos sites de notícias omitiram o fato dele ser gay.

O livro A Loucura das Massas tem uma missão impossível: ao mesmo tempo em que defende a necessidade de uma sociedade que julga menos e que seja paciente e perdoadora com quem nem sempre sabe ou se importa com as ‘regras do jogo’, diferente de pessoas que são preconceituosas por falta de informações, Douglas Murray é conservador por escolha e não demonstra nenhum remorso. Logo, por que o leitor deve aceitar seus argumentos? Por comodismo?

A atitude de Douglas Murray se posicionar em defesa dos cancelados mostra que talvez a sociedade não esteja errando tanto quanto ele imagina. Em vez de acreditar que os movimentos sociais precisam parar de ‘patrulhar’ pelos erros dos outros na internet, creio que pela própria saúde mental, é importante que cada indivíduo saiba seus próprios limites, evitando o burnout tão comum em pessoas que lutam por suas causas.

Um dos grandes erros do autor talvez seja o de dizer que movimentos sociais causam rupturas, em vez de união, mas não fazer o exercício básico de se colocar no lugar do outro.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

Comentários

  1. Obrigada pela publicação! (In)felizmente comprei o livro de olhos fechados, a partir da indicação de uma professora da universidade que mais tarde soube que flertava com o liberalismo e conservadorismo. Foi um baque começar a leitura e me deparar com essas falas tão problemáticas e seu post me deu um alívio em saber que eu não estava superestimando-as.

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