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Resenha: De Frente Com o Serial Killer – John Douglas e Mark Olshaker
Impulsionados pelas obras de ficção no cinema, séries e livros e por produções biográficas sobre assassinos em série, o livro De Frente Com o Serial Killer (The Killer Across the Table) vem para aumentar o apetite daqueles que têm curiosidade sobre quem trabalhou com a construção de perfis desses criminosos, bem como entender um pouco mais sobre os comportamentos desses assassinos categorizados de acordo com seus padrões. A obra foi escrita por John Douglas e Mark Olshaker e foi publicada pela editora Harper Collins, com tradução de Isabella Pacheco, em 2021.
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John Douglas chegou a trabalhar junto com Robert Ressler, que também trabalhou no FBI e foi um dos responsáveis por cunhar o termo Serial Killer, bem como pelo projeto de entrevistar assassinos em série para melhor compreensão dos seus comportamentos. É interessante ver a história semelhante, mas com outras perspectivas, já que Ressler também é autor de alguns livros sobre o assunto.
Este livro se foca em quatro casos de assassinos entrevistados: Joseph McGowan, Joseph Kondro, Donald Harvey e Tood Kohlhepp. Enquanto em Mindhunter, Robert Ressler se foca nos casos investigados enquanto ainda trabalhava no FBI, em De Frente Com o Serial Killer, John Douglas esclarece desde a introdução que esses criminosos foram confrontados após sua saída e faz uma síntese sobre o que esperar:
“São todos diferentes entre si, cada um com as próprias técnicas, motivações e composições psíquicas. Variam de uma única vítima até cerca de uma centena, e aprendi com todos. Os contrastes entre eles são intrigantes e envolventes – assim como as similaridades. Todos são predadores e cresceram sem criar laços de confiança com outros seres humanos durante os anos de formação. E todos são casos importantes em um dos debates centrais da ciência comportamental: natureza versus criação, se assassinos nascem da forma que são ou acabam se tornando homicidas durante a vida”
Diferente de muitos livros que se focam tanto nos assassinos e acabam deixando a vítima e os familiares com tão pouco espaço, nesta obra os autores comentam um pouco sobre a vida de Joan, a garotinha que foi vítima de Joseph McGowan, bem como os efeitos devastadores para os pais e para a comunidade, e uma luta para que o criminoso não fosse libertado e corresse o risco de atacar outras garotas. Os esforços resultaram numa lei, mas como o crime havia acontecido antes, coube a John Douglas ser um dos responsáveis a avaliar o comportamento do assassino.
John Douglas relata os problemas de autoavaliação de criminosos e até de avaliações psiquiátricas feitas sem o devido cuidado, citando o caso de Ed Kemper que chegou a não considerado um perigo para os outros. Além disso, ele comenta sobre a controvérsia relacionada aos assassinos conscientes de seus atos ou não – assunto que rende muitas polêmicas na hora da aplicação da pena, pois a pessoa pode ser insana e ser tratada como se não fosse, levando à piora do quadro de saúde mental e até mesmo ao suicídio ou o contrário, quando advogados ou o próprio criminoso consegue manipular para usar como uma brecha jurídica.
Ao ler as anotações de John Douglas sobre Joseph McGowan, por exemplo, é possível conferir o contraste com as observações e avaliações feitas por outros profissionais que o analisaram e de como criminosos como ele conseguem facilmente manipular entrevistadores, levando a conclusões que possam minimizar as responsabilidades de suas ações e até fazer parecer como algo mais impulsivo e fruto dos conflitos internos, quando na verdade foi algo mais planejado e lúcido – e até prazeroso – do que o imaginado.
“Uma característica interessante e bem consistente entre os serial killers é que dois conceitos emocionais estão em constante conflito dentro deles. Um é o sentimento de grandiosidade e legitimidade. O outro é o sentimento de inferioridade e inadequação profunda e generalizada” – De Frente Com o Serial Killer, John Douglas e Mark Olshaker
Na entrevista com Joseph Kondro, a qual John Douglas foi convidado a gravar para um canal de televisão, embora ele tivesse acostumado a realizá-las somente para fins acadêmicos, ele revelou a faceta de um homem com um histórico problemático de crimes contra meninas e por uma das vítimas serem próximas dele, a própria polícia não chegou a considerá-lo inicialmente como um suspeito, já que ele se mantinha tão calmo e tentava passar a imagem de prestativo.
Para Douglas, isso é um exemplo de como muitos serial killers perdem o controle perto de suas vítimas, enquanto outros conseguem manter o sangue frio e coexistirem em duas realidades psíquicas: tanto a do perverso, dominador e com instintos assassinos, como a de alguém que supostamente estabelece laços sociais e um verniz de normalidade, embora tenha seus próprios conflitos. Enquanto alguns assassinos em série desenvolvem seus comportamentos ao longo da vida, ao entrevistar Kondro, o ex-agente do FBI percebeu que ele não demonstrava remorso seja ao falar de suas vítimas e os familiares (mesmo sendo pessoas próximas a ele) ou contar sobre os crimes contra animais cometidos quando era mais jovem.
“Há um debate frequente na comunidade médica forense sobre a influência de lesões cerebrais e anormalidades naqueles que cometem um crime violento. Descobriu-se que alguns assassinos – que se sujeitaram a estudos de imagens ou cujos corpos sofreram autópsias – têm lesões de vários tipos no cérebro. Estudiosos do campo determinista, que acreditam que tal comportamento anormal é influenciado por causas psicológicas distintas, dizem que essas lesões provam por que um criminoso age de tal forma. Outros do campo do “livre-arbítrio” dizem que essas lesões podem ser mais um sintoma do que uma causa – ou seja, são o resultado dos danos produzidos pelo comportamento impulsivo e de risco que esses caras têm quando crianças” – De Frente Com o Serial Killer, John Douglas e Mark Olshaker
O terceiro caso relatado no livro é o de Donald Harvey, que ficou conhecido como Anjo da Morte por matar pacientes do hospital em que trabalhava, em sua maioria, idosos. John Douglas comenta sobre o perigo de desde os primeiros crimes o suspeito passar despercebido, pois é algo que pode dar a falsa sensação de liberdade para cometer mais assassinatos. Para quem tem fobia de hospitais e baixa confiança em profissionais de saúde, histórias como a de Harvey são assombrosas, pois criminosos assim costumam ter mais vítimas do que outros assassinos em série violentos e passam invisíveis até que finalmente sejam descobertos.
Tão chocante quanto o comportamento assassino de Harvey é a percepção de que muitas das mortes cometidas ao seu redor quase sempre eram vistas como questões de saúde ou intoxicações alimentares e as reais causas nunca eram investigadas, como nos casos de envenenamento e de sufocamentos. Como alguém consegue matar dezenas pessoas e continuar impune? A associação com fatores naturais e de doenças preexistentes o faziam que ele sequer fosse visto como potencial suspeito, ainda que vários de seus crimes tenham sido motivados por raiva e vingança.
“Pessoas normais acham difícil captar a realidade de que predadores pensam de forma diferente. Tendemos a querer avaliá-los do ponto de vista de nossa experiência e de nossos valores de vida, e depois tentamos descobrir o que foi que “deu errado”. Em outras palavras, qual é a parte anormal que, uma vez identificada e “consertada”, fará com que eles pensem de maneira “normal” de novo? Em muitos casos, há uma parte anormal que determina ou influencia o comportamento. Mas, no momento em que um indivíduo age em seu desejo predatório, geralmente, é tão assimilado com sua personalidade que ele não se pode retirar e substituir como se fosse um defeito mecânico. É por isso que o conceito de reabilitação é tão problemático para criminosos violentos” – De Frente Com o Serial Killer, John Douglas e Mark Olshaker
O trecho acima revela uma das dificuldades comuns relacionadas aos criminosos violentos, desde a identificação, julgamento e supostas tentativas de reabilitação. Dependendo do indivíduo, quando capaz de manipular facilmente profissionais de saúde, advogados e juízes, sua pena pode ficar mais branda e há inúmeros casos de serial killers que se tivessem sido julgados de forma séria desde os primeiros casos, não teriam voltado a cometer crimes, até aqueles que embora apreciavam a liberdade para seus atos criminais, também tinham consciência que jamais conseguiriam parar de matar se não fossem presos. Para alguém com experiência no assunto, John Douglas era capaz de notar quando assassinos tentavam minimizar suas responsabilidades diante dos atos cometidos e até mesmo criticava os que usavam argumentos de transtornos psicológicos quando não tinham – questão que permanece polêmica até os dias atuais.
Se o caso de Donald Harvey promoveu mais informações sobre assassinos de pseudomisericórdia, o último assassino descrito no livro, Todd Kohlepp foge um pouco do padrão dos inúmeros criminosos entrevistados por John Douglas. Um assassino com comportamento misto (organizado e desorganizado), sem tantos traços exibicionistas narcisistas a ponto de gostar da atenção pelos seus crimes, mas que odiava ser confrontado e curioso o suficiente para colaborar em um teste de avaliação comportamental de maneira honesta.
Embora o livro traga muitas respostas sobre os comportamentos e até episódios determinantes na construção de personalidades problemáticas, bem como alguns de seus gatilhos, De Frente Com o Serial Killer conclui com a mensagem de que talvez algum dia os avanços da neurociência ajudem a entender melhor o que leva alguém a se tornar um serial killer, mas que dificilmente a questão da escolha das ações seja excluída desta questão, o que torna para John Douglas algo ainda relevante continuar compreendendo as motivações, as atuações e os perfis comportamentais, na esperança de ajudar a capturar outros criminosos.
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