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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Resenha: Edgar Allan Poe: O Mago do Terror – Jeanette Rozsas

A contista e romancista Jeanette Rozsas escreveu o romance biográfico Edgar Allan Poe: O Mago do Terror, de 272 páginas, publicado pela Editora Melhoramentos, em 2012. Para quem é aficionado por Poe e já conhece sua história de vida, muitos dos fatos provavelmente são de conhecimento do leitor, mas talvez um dos diferenciais seja a narrativa, os diálogos e demais recursos literários que nos permitem entrar na pele do mestre da literatura de horror.

Livro Edgar Allan Poe Mago Terror Jeanette Rozsas

O livro traz 27 capítulos, epígrafes com trechos de textos produzidos por Edgar Allan Poe, fotos do escritor, ilustrações e registros das publicações, cronologia e um bônus com alguns fragmentos dos principais contos do Poe para abrir o apetite do leitor. Cada capítulo do livro tem um título que sintetiza os principais acontecimentos do período de vida retratado do mago do terror que vão desde sua infância, período em que já era uma traça de livros, até sua adolescência e entrada na universidade, na qual sua escrita começou a se desenvolver, passando pela fase adulta, seus infortúnios e vitórias na carreira de escritor profissional.

Edgar Allan Poe pode ser um dos símbolos do que significa ser escritor profissional. Sua história é marcada por mortes, rejeições, inseguranças, mas também pela fuga nos livros, tentativa de ficcionalizar a própria vida para que a realidade não o destruísse e a constante luta, mesmo com todas negações e exploração por parte das editoras, jornais e demais atividades profissionais que precisou atuar em nome do seu grande sonho: poder dedicar sua vida à escrita.

“As pessoas custam a reconhecer o gênio quando estão diante de um. Ponha aí a inveja, a competição e mesmo a falta de sensibilidade para saber o que é realmente bom. Pode demorar, mas o dia chegará, Edgar, anote o que eu digo. Você ainda será reconhecido como um dos maiores escritores dos Estados Unidos”.

Um ponto que chamou a minha atenção ao longo da leitura era o tratamento do padrasto de Poe. Ele nunca chegou a oficializar a adoção do escritor e essa angústia e tentativa de aceitação são alguns dos traços presentes não só na escrita de Eddie (como ele é chamado por seus familiares), bem como na sua personalidade. Outro escritor que passou por situação semelhante – não em relação à adoção, pois o pai era biológico –, mas na tentativa de ser valorizado pelo pai pela arte de contar histórias foi Franz Kafka, o qual acaba se diferenciando de Poe por não tentar disfarçar o seu sofrimento e fragilidade, enquanto o mestre das narrativas fantásticas sombrias omitia dos amigos muitas das dificuldades por quais passou.

A figura do corvo não poderia faltar no romance de Jeanette. A ave associada à morte é um dos destaques de Edgar Allan Poe e um dos seus mais conhecidos poemas The Raven (O Corvo). A criatura não simboliza só a morte biológica, apesar de Poe ter tido sua cota de tragédias, mas também a morte dos sonhos, a personalidade sombria que se revelava, especialmente durante sua entrega ao álcool – um dos vícios de sua família – a castração e o estranhamento que causava nos outros quando sabiam de seus objetivos, como muitos artistas que esperam poder passar os dias se dedicando ao seu ofício, John Allan (Edgar gostava de omitir o nome do meio por causa dos problemas com John), o pai adotivo de Edgar Allan Poe, outros membros da família e colegas, reconheciam o dom e predestinação do homem para a escrita, mas também desvalorizavam-no.

“Após o desgaste emocional de realizar uma obra perfeita, Edgar sentiu um grande vazio. Tornou-se quieto e retraído, passava longas horas perambulando, imerso nos próprios pensamentos. Deixou de escrever, deixou de procurar emprego, deixou de se preocupar com o dinheiro que minguava dia a dia”. 

Para quem gosta de conhecer mais sobre o processo de criação literária de autores, Poe relata como alguns textos eram escritos e reescritos até ficarem do jeito que ele gostava. Aliás, houve um período em que Edgar Allan Poe trabalhou como crítico literário, e quando ele não gostava do estilo do autor, ele destruía o texto nas resenhas de livros e quando gostava, sabia dar o devido reconhecimento. Quem já conhece A Filosofia da Composição, texto de Edgar Allan Poe, também tem alguns trechos em seus diálogos com outras pessoas, nas quais ele compartilha a necessidade de profissionalizar a escrita, de forma a fisgar o leitor, agradar a crítica, mas sem abrir mão da própria essência.

Biografia Edgar Allan Poe Mago Terror Jeanette Rozsas

Embora a ficção beba das experiências pessoais e seja impossível afirmar até que ponto os escritores acabam incluindo doses de autoficção em suas obras, fica nítido como Edgar A. Poe soube se inspirar nos eventos negativos de sua vida e transformá-los em contos e poemas. Seus primeiros textos, principalmente, foram inspirados em suas paixões, na morte, nos horrores da alma, bem como nas tentativas de conquistar o seu devido sucesso, compreendendo as obras literárias que leu ao longo da vida e tentando postular sua própria arte poética.

“Vocês acham que os horrores da alma de que trato em minha obra são pura ficção? Que as distorções de personalidades são ocasionais? Pois estão enganados! A maldade é inerente ao ser humano. Já nascemos marcados pelo mal. Os desejos do homem são sinistros”.

Muitos fatos interessantes são amarrados no romance biográfico sobre o Poe. O desconhecimento de outras pessoas sobre suas dificuldades financeiras, como a carta escrita pelo escritor francês Charles Baudelaire (As Flores do Mal), um dos responsáveis por divulgar a obra de Edgar pela Europa, a qual ele envia para a tia do rapaz e comenta não ter ideia devido à bagagem literária do colega escritor, sua educação e conhecimentos sobre a arte da escrita.
Ilustração Biografia Edgar Allan Poe Mago Terror Jeanette Rozsas
Ilustração feita pelo gravurista Eugene Michel Abot (1836-1894) para a versão francesa de Os Crimes da Rua Morgue.

Edgar Poe tem uma história fascinante e triste. A arte, sem dúvidas, acaba se alimentando de todas essas sensações, como a melancolia – a qual o próprio escritor ressalta ser importante para envolver o leitor, em sua filosofia da composição sobre o poema O Corvo. Enquanto Poe lutou para ter o seu trabalho reconhecido e conseguir ganhar dinheiro suficiente para proporcionar uma boa vida à sua família, pois mesmo seu pai adotivo tendo recursos nunca o ajudou e o autor acabou morrendo miserável, sem conquistar o seu objetivo, ainda hoje vemos uma espécie de ode ao sofrimento e forte preconceito com os escritores que acabam conquistando seu lugar ao sol. Enquanto o artista é incapaz de pagar as próprias contas e considerado invisível pelos seus familiares, amigos, colegas e profissionais de outras áreas, está tudo bem, principalmente quando lidam com um apoio só de aparência. Afinal, é preciso sofrer para ser artista. A partir do momento em que ele começa a fazer sucesso, é como se ele precisasse pedir desculpas e voltar a ser olhado como um coitadinho.  Stephen King, por exemplo, foi um dos que bebeu na fonte de Poe e conseguiu evitar o mesmo destino e se fosse hoje, Edgar não passaria pelos mesmos apertos.

“Uma existência que tinha começado com uma série de sonhos quase sempre transformados em frustrações de repente precipitou-se, tal qual um trem desgovernado”.

Além de deixar seu legado para a literatura de horror, fantasia, ficção científica e policial, a história de vida de Poe tornou-se inspiração para que outros escritores continuem a produzir e acreditar em si mesmo. Desde aquela época, Poe mostrou como o artista acaba se tornando vítima aos olhos dos outros e, muitas vezes, do próprio meio editorial, quando algumas temáticas são desvalorizadas – quando alguns escritores passam fome, literalmente, e outros estão nadando em dinheiro. Os critérios mudam o tempo todo, mas o mesmo preconceito que Poe teve que enfrentar ainda é presente, principalmente nos meios universitários, em que muitos escritores contemporâneos ainda são considerados invisíveis e o cânone literário continua hipervalorizado. Stephen King que o diga, após sofrer uma enxurrada de críticas negativas e desapegar da crítica literária, desde que esteja contente podendo sobreviver com sua escrita, escrevendo o que gosta e agradando seus leitores. O lixo literário de hoje pode ser o ouro de séculos depois. Enquanto alguns autores estão fadados ao esquecimento, outros que foram ignorados enquanto vivos resistirão às traças e suas obras permanecerão reimpressas durante gerações, recompensando todo o esforço e dedicação às letras, para que pelo menos suas almas descansem em paz. Não precisa ir direto à obra de Edgar para reencontrá-lo, quem é conhecedor de suas narrativas pode senti-lo nas entrelinhas e intertextos de escritores de diferentes épocas. O poeta maldito sorri...

Sobre a autora – Contista e romancista paulistana, Jeanette Rozsas tem trabalhos publicados em jornais e revistas literárias no Brasil e no exterior. Publicou, entre outros, os romances As Sete Sombras do Gato (Idea Editora, 2006) e Morrer em Praga (Geração Editorial, 2007), cujos direitos de filmagem já foram adquiridos. Seu romance biográfico Kafka e a Marca do Corvo (Geração Editorial, 2009) recebeu o prêmio de Melhor Romance Informativo pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ/2010) e foi selecionado pelo Programa Nacional da Biblioteca da Escola (PNBE/2011).

Palestrante convidada em diversas universidades e institutos de pesquisa literária, como a Casa das Rosas (SP), OFF Flip (Parati-SP), Bienal do Livro, FLIPoços (Poços de Caldas-SP), Fantasticon e Brazilian Endowment for the Arts (NY), Jeanette tem integrafo também bancas julgadores nas categorias conto e romance, junto com Nelson de Oliveira, Marcelino Freire, Anna Maria Martins, Rodolfo Konders, Cláudio Willer, entre outros. Seus quatro romances publicados foram selecionados pelo Projeto de Apoio Cultural da Secretaria de Estado da Cultura – ProAc.

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O livro Edgar Allan Poe: O Mago do Terror – romance biográfico pode ser comprado no site da Saraiva, Livraria da Folha e Livraria Cultura [eBook]  



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Comentários

  1. Infelizmente conheço muito pouco da obra do Poe, mas o pouco que eu conheço deu para passar a admirar a sua genialidade e talvez por isso esse livro chamou a minha atenção logo de cara. Não o conhecia, mas já está na lista dos favoritos. Isso pelo fato de poder conhecer um pouco da história, através de um livro diferente, mas também por tudo que envolve a carreira literária. Pra quem também escreve deve ser uma obra essencial, não? hehe

    Abraços,
    Ricardo - www.overshockblog.com.br

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    Respostas
    1. Oi, Ricardo! Quando se trata do Poe, sou um pouco suspeito. Super recomendo. Infelizmente, o livro não aborda tanto a escrita literária dele, quanto eu gostaria, acaba se focando mais na vida. Porém, não deixa de ser interessante, já que mesmo quando o escritor tenta fugir de sua vida, ela acaba dando jeitos de entrar em sua produção, seja se baseando em fatos e ficcionalizando ou pelo excesso de negação / fuga de determinadas coisas.
      Muito obrigado por sua visita!!
      Volte sempre.

      Abraços

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