Conectados, mas fora de sincronia. Era como os dois estavam. Não sabia como resolver a situação, antes que se tornassem dois completos estranhos. No meio de tantos ciclos terminando, tinha acreditado que um novo ciclo se manteria. As horas que passavam conversando se transformaram em minutos, e então, em segundos. Já sabia que isso ia acontecer e tentara antecipar o fim várias vezes, então por que estava tão incomodado? Sentia saudades e não sabia como verbalizar? Não importava. Foi deixando o outro cada vez mais livre, até que as mãos que um dia tinham se tocado se voltaram para os dedos que haviam deslizado pela última vez. Parte de seguir em frente era também como deixar as coisas irem, seguirem seu ciclo natural. Não adiantava criar qualquer forma artificial de manter o contato vivo, só precisava aceitar as coisas como elas eram. Cansado de aceitar que tudo tinha sua finitude, foi cada vez menos se abrindo a novos inícios – se todos estavam fadados ao fim, por que se dar ao tr...
O Exorcista: O livro, o medo e o sucesso não tão acidental
Quando pensamos em O Exorcista, logo associamos o livro ao filme que se tornou um clássico do terror. O que muita gente não faz ideia é de que o escritor e roteirista William Peter Blatty nunca teve a intenção de escrever um romance de terror, não gostava de assistir filmes do gênero e tampouco se interessou por outros livros contemporâneos de temáticas parecidas com a qual ele produziu, além de ter ficado com ranço de outras produções cinematográficas que tentaram captar a essência de sua obra e provavelmente odiaria a nova série televisiva da Fox, The Exorcist – embora a nova adaptação toque em muitas feridas e desdobramentos relacionados ao universo do exorcismo.
Escrever é um jogo de sorte, mas mesmo quando o autor acerta, nem sempre ele está disposto a pagar o preço da sua conquista. O que leva um escritor de comédia a se aventurar pelo universo de uma criança supostamente possuída por demônios? Para começar, não dá para ignorar a importância do dinheiro, embora muitos escritores ainda tenham receio e preconceito de admitir o quanto era, ainda é e será difícil para muitos contadores de histórias; com exceção de autores best-sellers e seus contratos de milhares de dólares. Só o amor pelo ofício nem sempre garante ao escritor profissional a possibilidade de fazer aquilo que gosta, especialmente aos que se dedicam em tempo integral à carreira.
O sucesso pode alavancar e também se tornar um peso. Da inquietação e curiosidade com um caso de exorcismo noticiado em um jornal, ele mergulhou neste universo para entender mais sobre o lado religioso e psicológico da possessão. Dá para imaginar que ele pudesse retomar sua carreira de textos comediantes depois do impacto de O Exorcista? Apesar de alguns leitores terem um medo terrível de O Exorcista e do filme ter feito muitas pessoas perderem o sono e passarem mal, William Peter Blatty descreve o seu romance como uma obra detetivesca paranormal ou um thriller teológico – que pode ser considerado uma trilogia junto com os livros A Nona Configuração e Legião. As entrelinhas trazem provocações existenciais e religiosas sobre o fenômeno da possessão, como o desconhecimento e a descrença dos próprios membros da igreja.
Inspirado em um acontecimento no qual os desdobramentos permanecem misteriosos e muitas vezes são analisados e aceitos pela ótica da fé ou negados pela ciência, O Exorcista é inquietante porque nos faz perceber o quanto estamos sujeitos a perder o controle, independente da razão ou crença. Mais preocupante é lembrar que muitos dos casos se tratam de autossugestão ou até mesmo de sugestão que acontecem em ambientes nos quais o medo e a opressão são estratégias de controle. Sabendo disso, na época de estreia do filme, o próprio autor demonstrou receio de que mais pessoas pudessem manifestar sintomas e achassem que precisavam de exorcistas, mas também lembrou que os delírios sempre estiveram presentes na sociedade.
Apesar de saber que vários casos eram fraudes ou distúrbios mentais, o escritor não duvidou de que alguns fenômenos paranormais eram reais e alegou ter tido suas próprias experiências. Independente do rótulo adotado pelo autor, a força de sua história aterrorizou milhares de pessoas de diferentes lugares do mundo. Aos que não se sentiram incomodados ou impactados, vale lembrar que a intenção do escritor nunca tinha sido a de provocar o medo, mas a de contar uma história investigativa e paranormal. As expectativas ficam por conta de quem lê, assim como as diferentes percepções da leitura.
O Exorcista é um desses livros que dificilmente esquecemos e de tempos em tempos, os leitores se surpreendem com os efeitos causados pela narrativa ao longo da leitura. Há quem tenha medo de ler na madrugada e escutar barulhos estranhos. Enquanto outros são levados a acreditar que algo ruim vai acontecer se lerem.
Mesmo lançado há mais de 45 anos, o legado de William Peter Blatty nos lembra da influência do medo em nossas vidas. Para alguns, o livro vai além do entretenimento e é visto como um conto caucionário sobre a importância da religião (a luta entre o bem e o mal), mas basta ler as entrelinhas para lembrar que diante do desconhecido e quando as coisas fogem de nosso controle, até mesmo os mais religiosos e os mais céticos têm suas estruturas abaladas. No final, intencionalmente ou não, mais do que um livro de terror, Blatty criou uma atmosfera sombria e confessional, na qual encaramos que a existência é circular e que a única certeza da vida humana é a incerteza.
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad.
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