Com a suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil , duas redes sociais serviram de refúgio para os usuários brasileiros: a Thrends e a Bluesky , sendo que a última está se destacando e entre os aplicativos mais baixados por ter um formato mais parecido com o antigo Twitter. Jornais, jornalistas, artistas, escritores, leitores, produtores de conteúdo, páginas de fofocas e cultura e contas de fãs de artistas (fandom) estão entre os que se inscreveram na Bluesky, ajudando a diminuir a abstinência deixado pelo X e a sensação de deserto de informações, já que a plataforma não era usada só para questões políticas e entretenimento, mas também para consumir conteúdos jornalísticos e informações em tempo real. Enquanto alguns estão desanimados e com preguiça de recomeçar, tentado encontrar os seguidores em comum que tinham no X, há quem esteja animado com a possível atualização, na qual estariam disponíveis o uso de vídeos e os assuntos do momento – curiosamente, há quem esteja contente sem a o
Livro Autismo (Volkmar e Wiesner): Pontos positivos e negativos
Quando se trata do Transtorno do Espectro Autista, as novidades, pesquisas e estudos podem ficar desatualizados de forma bem rápida. Embora a edição publicada no Brasil seja bem recente, em 2019, o livro Autismo, dos autores Fred R. Volkmar e Lisa A. Wiesner, com tradução de Sandra Maria Mallmann da Rosa, publicado pela editora Artmed, poderia ter discutido algumas questões mais atuais e pertinentes sobre as dificuldades sociais enfrentadas por autistas.
Conforme havia prometido nas redes sociais e aqui no blog, produziria mais conteúdo com indicações de leitura sobre o espectro autista. O Brasil tem um sério problema de desinformação e muito material desatualizado sobre autismo, isso acaba refletindo no preconceito, estigma, confrontos de opiniões de profissionais da saúde sobre diagnósticos e atrapalhando a vida de autistas e seus familiares, como se precisassem o tempo todo dar explicações se a pessoa é autista mesmo ou não – problema que poderia ser corrigido se o país investisse mais na capacitação e reciclagem profissional, além de uma melhor fiscalização sobre quem está trabalhando com autistas.
Como sempre faço nos textos, vou ressaltar que tenho plena consciência de que não existem dois autistas iguais, tampouco duas pessoa iguais com Síndrome de Asperger. Cada pessoa é única, logo os comportamentos podem ser completamente diferentes. Não existe um autismo, existem vários autismos. As necessidades de apoio, questões sensoriais (hipersensibilidade/hiposensibilidade), dificuldades com interação social, habilidades cognitivas, áreas de conhecimento e interesses podem ser bem diversas... por isso que se chama Espectro Autista e é preciso respeitar essa diversidade.
Embora eu tenho pontuado algumas questões que acredito que poderiam ser mais trabalhadas no livro, devo adiantar que Autismo é um dos melhores livros que já li sobre o assunto dos que foram publicados no Brasil. Muitos conteúdos não são traduzidos para o país, como o Guia Completo da Síndrome de Asperger (Tony Attwood), que faria muita diferença para os leitores brasileiros. O psicólogo especializado em autistas aborda vários dos mitos que são espalhados diariamente por profissionais desatualizados.
PS: O autor traz muitas referências de leitura para quem quiser se aprofundar no assunto. Ele dá uma pincelada em neurodiversidade e embora não seja o foco do livro, é algo positivo. Este texto traz minha visão, ninguém é obrigado a concordar – parece tão óbvio, mas ainda é preciso ressaltar. Falar sobre autismo é sempre complexo e dependendo da perspectiva, sempre vai faltar abordar alguma coisa importante.
5 Pontos positivos do livro:
1) Triagem e diagnósticos de autismo
Os autores comentam sobre o processo de triagem e diagnóstico nos Estados Unidos, mostrando a forte influência da escola, professores e profissionais de equipes multidisciplinares no processo. Embora no Brasil também existam equipes multidisciplinares, ainda há um forte poder nas mãos de médicos e nem todos estão atualizados quando se tratam de autismo. Quem já teve que procurar um especialista em autismo sabe como é essa realidade.
Volkmar e Wiesner lembram como nos Estados Unidos também existe essa diferença de atuação profissional dependendo da cidade, estado ou região. No Brasil, não é diferente. Enquanto algumas cidades concentram uma maior quantidade de especialistas, outras, não contam com tantos profissionais, refletindo na questão dos diagnósticos, tratamentos, adaptações escolares, inserção no mercado de trabalho e a busca pelos direitos. Lembrando: diagnóstico é um direito, não é um favor.
2) Rastreamento, comportamentos e traços
Volkmar e Wiesner listam vários testes utilizados para o diagnóstico, mas lembram que o diagnóstico ainda é clínico, portanto, quanto mais experiência o profissional tem, mais fácil o processo de identificação. Os autores lembram que mesmo pessoas inexperientes podem usar algumas ferramentas e indicar, posteriormente, para especialistas e/ou equipes multidisciplinares
Para ajudar neste rastreamento, seja na infância, adolescência ou vida adulta, os autores citam vários dos comportamentos e traços de pessoas no espectro autista, citando também as abordagens para prestação de assistência médica.
“Pobreza e falta de escolarização dos pais, em particular em sistemas educacionais desgastados, também podem levar a sérios subdiagnósticos de autismo e diagnósticos incorretos de outros problemas, o que pode dificultar a detecção do transtorno e o atendimento no sistema escolar” – Volkmar e Wiesner, Autismo
3) Inclusão escolar e tecnologia assistiva
Sobre o direito da inclusão, os autores ressaltam que embora seja garantido por lei, nem sempre a inclusão acontece de forma adequada. Se na realidade dos Estados Unidos é assim, no Brasil, então... Eles ressaltam que inclusão precisa ter um planejamento individual e que a escola precisa ser adaptada, mas também comenta métodos de intervenção baseados em evidências.
“As necessidades de comunicação devem ser encorajadas [...] Alguns indivíduos com Asperger e autismo com alto funcionamento têm melhores habilidades com vocabulário, as quais podem iludir os membros da equipe da escola, levando-os a achar que a criança não precisa trabalhar com o fonoaudiólogo. Na verdade, o que essas crianças precisam é trabalhar a comunicação, e não apenas o vocabulário. As competências da vida diária se tornam determinantes cada vez mais importantes da autossuficiência e da independência à medida que o indivíduo cresce”– Volkmar e Wiesner, Autismo
Ainda na questão da escola, como alguns autistas podem ter dificuldade com a escrita cursiva e/ou com a comunicação oral, os autores discutem de forma breve o uso de tecnologias de apoio, como computador, lembretes visuais, sintetizadores de texto para voz e programas/aplicativos que podem ajudar com as questões organizacional e executiva.
4) Remédios e capacitação sobre autismo
Um dos pontos mais interessantes do livro, levando em conta uma série de problemas que podem acontecer pelo uso indiscriminado, é o capítulo sobre o uso de medicamentos. Eu, particularmente, não sou fã de medicações (para mim), mas sei que existem casos e casos e cada um deve ser avaliado com seriedade, levando em conta as comorbidades (esta parte poderia ter mais destaque no livro e mais exemplos de comorbidades), interações dos remédios e efeitos adversos.
“Cobertura de seguro restrita, envolvimento de múltiplos profissionais e fraco monitoramento contribuem para o uso excessivo de medicação, com potencial para efeitos colaterais e interações medicamentosas” – Volkmar e Wiesner, Autismo
Volkmar e Wiesner falam sobre erros cometidos por familiares, professores e profissionais de saúde com pessoas no espectro autista na questão do comportamento e lembra que essa falta de conscientização pode provocar problemas, especialmente pela falta de treinamento e capacitação em hospitais, pronto-socorro e equipes multidisciplinares em colégios.
5) Tratamentos controversos e desinformação sobre autismo
Os autores do livro fazem um alerta sobre tratamentos controversos sem comprovação científica e casos ‘milagrosos’ divulgados pela mídia. Qualquer pessoa pode publicar livros, oferecer cursos e divulgar tratamentos alternativos – já comprovar as informações e os resultados, é algo que nem todos conseguem, o que inclusive já levanta suspeitas sobre a eficácia e as segundas intenções por trás.
Muitos profissionais correm o risco de perder a licença por questões éticas, assim como existe o problema de popularização de alguns ‘tratamentos’ por causa de celebridades. Estamos em 2019, mas muita gente ainda prefere acreditar no boca a boca do que ir atrás de informações, pesquisas e estudos sérios.
Com tantas informações de qualidade na internet, também existe o outro lado: os grupos que espalham notícias falsas de saúde, muitas vezes, com segundas intenções – interesse financeiro ou tentativa de promover determinados tratamentos. Muitas dessas informações são compartilhadas em grupos fechados. As instituições de saúde fazem alertas, mas vai da responsabilidade da pessoa estar consciente sobre os perigos da influência digital negativa. Embora seja um problema mundial, no Brasil, a questão da educação precária e a falta do hábito de leitura tornam ainda mais perigoso o charlatanismo na área da saúde.
5 pontos negativos do livro:
1) Camuflagem de autistas
O livro não cita a dificuldade de profissionais com o diagnóstico de meninas e mulheres no espectro autista, tampouco autistas adultos – uma questão bem comum que tem sido discutida nas comunidades de autistas de vários países. Vez ou outra, alguns profissionais comentam o assunto, mas ainda é tratado de forma velada, como se houvesse uma resistência de autocrítica dentro do meio médico e também outros profissionais que fazem parte das equipes multidisciplinares responsáveis pelo diagnóstico de autismo. Volkmar e Wiesner confirmam, mas não se aprofundam, em como é limitada a literatura sobre adultos autistas, “uma população crescente e importante, nem sempre bem atendida pelo sistema de saúde”.
Deixando bem claro que minha preocupação não é com quem não se interessa em saber que está no espectro autista. Pelo contrário, é com as pessoas no espectro autista que não conseguem diagnóstico por falha de capacitação profissional. Cada um deve ir atrás do que é melhor para si mesmo. Se uma pessoa passou a vida inteira sem diagnóstico e não tem interesse em ir atrás, é uma escolha dela. O que não pode ser normalizado é como, por preconceito e desconhecimento, muita gente continua recebendo diagnósticos errados e/ou subdiagnósticos.
2) Suicídio e exclusão
Os autores citam de forma breve os acidentes, mas não aborda uma das questões de maior preocupação da comunidade autista internacional: o suicídio. Além das taxas de suicídio entre autistas serem mais altas, seja na infância, adolescência ou vida adulta, muitas vezes, está associada à depressão, falta de acesso aos serviços de saúde, dificuldade de inclusão e de ser entendido pelas pessoas ao redor, negação de familiares e profissionais da área da saúde, bullying, entre tantos outros problemas sociais, muitas vezes, associados ao preconceito e ao estigma.
3) Falta de relatos de autistas
A proposta do livro é levar várias referências científicas, porém acredito que a falta de espaço para depoimentos e experiências de pessoas no espectro autista empobreceram a leitura. Cada ano que passa, mais e mais livros escritos por/com relatos de autistas têm sido publicados pelo mundo, além de artigos, vídeos, documentários, palestras etc – poucos livros sobre autismo/Síndrome de Asperger, me cativaram tanto quanto o escrito pelo especialista australiano Tony Attwood, justamente porque ele tem uma visão mais humana e soube como incluir falas de autistas.
Essas experiências humanas fazem muita diferença no conhecimento da realidade do autista. Nem sempre as suposições de profissionais correspondem ao que os autistas estão realmente sentindo. Basta lembrar que durante anos as questões sensoriais (Transtorno do Processamento Sensorial) foram ignoradas, um atraso que fez muita diferença na qualidade de vida de autistas, fazendo parecer que as crises e comportamentos eram sem sentido, quando há sempre uma causa por trás.
4) Desconsiderar a leitura do livro por pessoas no espectro autista
Sei que pessoas no espectro autista não são o público-alvo do livro, mas como acontece com muitas obras sobre o assunto, é difícil ler sem pensar que muitos autores não se importam se estão sendo lidos por autistas. Assim como profissionais da área fariam uma leitura crítica, autistas também podem ter um olhar mais crítico e menos tendencioso sobre o que está sendo dito sobre sua própria condição neurológica diversa. Com tantos autistas na área da saúde, é um erro ignorar essas narrativas e perspectivas na hora de publicar um livro.
“Hiperlexia é a habilidade isolada de ler palavras individuais com maior proficiência do que seria esperado para a idade cronológica e outras áreas de dificuldades do indivíduo. Algumas crianças com autismo ou TEAs (Asperger) podem se tornar verdadeiras leitoras precoces”– Volkmar e Wiesner, Autismo
5) Apoio psicológico para todos, não só para a família
Antes de encerrar, o livro traz uma parte de apoio às famílias. Mais uma vez, poderiam ter incluído o autista no texto. Toda dinâmica familiar é complicada. Se não é fácil para os familiares, certamente também não é fácil para as pessoas no espectro autista – ser minoria (neurodiverso) em um mundo formado por maiorias (neurotípicos) não é a experiência mais agradável. Tratar como se autistas fossem alheios ao que acontece ao redor (e como isso influencia os comportamentos e a saúde mental) não é algo muito esperto.
Muitos dos problemas relacionados ao autismo nem sempre estão relacionados à pessoa, mas ao seu entorno. As adaptações ao ambiente se tornam mais complicadas quando falta compreensão e conhecimento sobre o assunto, sem falar na questão da negação e da superproteção – nesse sentido, a série Atypical traz algumas discussões e reflexões interessantes.
Se o livro não fosse tão focado só nos pais (acredito que seria interessante para eles também saberem mais sobre as dificuldades e outras questões na vida adulta e velhice – muitos profissionais e obras simplesmente negligenciam o envelhecimento dos autistas), seria importante se o livro abordasse a questão da autoestima, autoconhecimento, identidade, conhecimento dos próprios direitos, mercado de trabalho e vida adulta.
Sobre os autores:
Fred R. Volkmar é professor de Psiquiatria Infantil, Pediatria e Psicologia da Yale University School of Medicine. Principal autor da seção sobre Transtornos Globais do Desenvolvimento do DSM-IV, da American Psychiatric Association, coordenou a pesquisa sobre autismo na Yale University, sendo coatuor de diversos livros sobre o tema. Orientador de centenas de estudantes, interessa-se por levar os conhecimentos de pesquisa para profissionais da saúde, pais e professores.
Lisa A. Wiesner é pediatra em Orange, Connecticut. Graduada pela Havard College e pela Case Western Reserve School of Medicine, completou sua residência em Pediatria no Yale New Haven Hospital, bem como fellowship em Hebiatria. É professora da clínica de Pediatria do Yale University School of Medicine.
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*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano:O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.
Veja também: Vídeo com 7 curiosidades sobre Síndrome de Asperger:
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