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Destaques

Scoop: Jornalistas da BBC e uma entrevista polêmica com príncipe Andrew

Quando um escândalo internacional envolvendo a Família Real estoura, uma jornalista tenta ser a primeira a conseguir uma resposta do príncipe Andrew para a BBC. Scoop é um filme de 2024 sem grandes surpresas para quem acompanhou a cobertura midiática da época, que mostra a importância do jornalismo não se silenciar quando se faz relevante. Um caso que havia sido noticiado há nove anos sobre a amizade de Andrew e Jeffrey Epstein estoura com a prisão do milionário e suicídio. Enquanto jornais de diferentes partes do mundo fizeram cobertura, o silêncio de príncipe Andrew no Reino Unido incomoda a equipe de jornalismo, que tenta persuadi-lo a dar uma entrevista. Enquanto obtém autorização para fazer a entrevista, a equipe de jornalismo mergulha nas informações que a Família Real não gostaria que fossem divulgadas sobre as jovens que faziam parte do esquema de tráfico sexual e as vezes em que príncipe Andrew estava no avião particular de Epstein. O filme foca mais na equipe de jornalismo do

Autismo: Máscara das limitações e das habilidades para sobrevivência

Quando eu era mais novo, estranhava porque meus colegas se matavam de estudar e alguns iam mal e eu tinha mais facilidade de aprender do que eles em algumas disciplinas. Eu tinha meus próprios métodos de aprendizado e sempre gostava de ir além do que era oferecido em sala de aula, lendo diferentes livros sobre o mesmo assunto, ainda que os pontos de vista dos autores fossem bem diferentes.


A verdade é que até hoje sou assim. Não me conformo com primeiros contatos e/ou visões unilaterais. Como muitas pessoas no espectro autista, acredito que a educação precisa ser adaptada. No meu caso, mesmo sem qualquer suporte, eu consegui me virar ao longo da vida e nunca tive problemas com notas. Apesar das dificuldades de interações sociais, especialmente trabalhos e provas em grupo, eu sempre consegui disfarçar minha bem.

Os dois lados da máscara de autismo e habilidades:


Para não lidar com professores despreparados e colegas de sala que tinham inveja, eu aprendi a me controlar e não mostrar tudo o que eu sabia sobre os assuntos. É como um mecanismo de sobrevivência e camuflagem, ocultar aquela parte de si mesmo que provoca desconforto nos outros.

Eu não suportava aquelas pessoas que nunca conversavam comigo, mas tentavam grudar em mim nas horas de provas e trabalhos, especialmente quando pediam colas. Tudo o que eu conseguia pensar é: vocês só estão enganando a si mesmos.

Na universidade, tive problemas com professores na universidade, um dos cursos não terminei e como já relatei aqui, cheguei a corrigir conteúdo e ser punido por perguntar conteúdos que uma delas não sabia a resposta, já no outro, não suportava o conformismo e provas de decorar assunto e acreditava que seria melhor avaliar pelo grau de conhecimento – algo totalmente contrário ao que é esperado da proposta da graduação.

Só no curso de Jornalismo não tive problemas e fui até o final (graduação concluída; uma delas, eu tranquei e a outra, eu abandonei). Saí bastante da minha zona de conforto e aprendi muito sobre comunicação de forma geral, sociedade, psicologia, construção de conhecimento, transmissão de informações e comportamento humano.

Duranta grande parte da vida, eu não fazia a mínima ideia de que tinha Síndrome de Asperger (atualmente, englobada dentro do espectro autista). Eu só sabia que era diferente de muitas pessoas, mas não entendia.

Passei a vida inteira escutando frases como "você é esquisito", "você parece que veio de outro planeta", "você é diferente" e inúmeras variações. Assim como Pinóquio, eu cheguei a desejar que algum dia me tornasse um garoto de verdade.



Muitas pessoas se focam tanto nas limitações, que acho importante abordar o lado positivo do cérebro autista. Embora sejamos todos diferentes, algumas vezes, criamos mecanismos de compensação que nos ajudam a lidar com as limitações: é um como um faca de dois gumes, você esconde o lado negativo, mas também aprende a ocultar o lado que brilha.

“A memória operacional não verbal permite não apenas a imitação, mas o oposto: evitar o que alguém fez que se provou ineficaz. É a chamada Aprendizagem Vicária” – Russel A. Barkley e Christine M. Benton

Conchas e pérolas


O problema das máscaras é que elas abafam não só as coisas que você tem vergonha de mostrar para os outros, mas as coisas boas também. Quando estudei Nutrição, eu tinha muita facilidade com o conteúdo, pois minhas disciplinas favoritas no ensino médio eram Biologia e Química. Já comentei em alguns lugares, mas eu não era uma pessoa muito fã da área de Humanas, embora eu gostasse de livros desde a infância.

Quando cursei Jornalismo, tive um professor exigente e excelente que sempre nos orientava a ir atrás do conhecimento. Ele não foi o único professor bom que eu tive, cada um deles me ensinou alguma coisa: jornalismo humanizado, cibercultura, design, marketing, metodologia científica, ética e por aí vai...

“Beber da fonte original” era o que ele nos recomendava. Eu adorava a disciplina dele, pois o conhecimento é algo que alimentava minha fome e sempre me deixava querendo mais. Então, aprendi a não me contentar com as superfícies das coisas, a questionar, a refletir.


Parece algo tão simples, mas ainda está em falta nos dias atuais: o tempo inteiro consumimos conteúdo na internet, televisão, livros, artigos, sem refletirmos sobre as intenções por trás de quem produziu.

Quando se trata de autismo, principalmente, o que leva as pessoas a acreditarem em determinadas informações incorretas e desacreditarem de outras? O distanciamento da leitura, as dificuldades de compreensão e interpretação textuais, as crenças e identidades, entre outras tantas questões, pesam na hora que entramos em contato com qualquer informação.

Mas voltando ao que interessa, para não me transformar na pessoa que sempre levantava a mão para responder as coisas, muitas vezes, eu levava um livro e/ou notebook na sala de aula. Não era como se eu não prestasse atenção nas aulas, pelo contrário, mas em grande parte dos casos, muito do que estava sendo dito, eu já sabia a resposta porque sempre me adiantava. Se estivesse no período de férias, eu procurava aproveitar os dias para adiantar o conteúdo e lia coisas que aprenderia em todos semestres, não só no semestre atual.

A verdade é que quando você se transforma na pessoa que é vista como 'sabe tudo' pelos outros, você cria mais inimizades do que amizades ao longo do caminho. 

Uma vez, na graduação de Letras, cheguei a questionar porque tantos professores liam tão pouco e como eles poderiam ensinar literatura, se estavam fugindo dos livros? Minha fala não foi aleatória, eu usei resultados de uma pesquisa para argumentar. É claro que o meu comentário não agradou a ninguém e que minha visão era diferente de vários alunos por causa da minha bagagem e vivência como escritor.

Só um dos vários comentários hipersinceros feitos ao longo da vida, que fiz sem nenhuma maldade, mas que foi mal-interpretado por quem não sabia que eu era Asperger – o que eu não culpo, afinal, nem eu sabia. Então, ao longo da vida, autistas vão desenvolvendo várias máscaras e aprendem a usar conforme o contexto: assim como os neurotípicos (não-autistas) fazem.

Como todo ser humano, temos nossos momentos bons e ruins, momentos em que nos abrimos e nos fechamos. Podemos ser bem diferentes e as impressões que constroem sobre nós nem sempre correspondem à realidade. Isso faz com que pessoas que não entendem de autismo, tampouco de Altas Habilidades/Superdotação, questionem o diagnóstico de autistas.


*Quem leu meus textos antigos, sabe que não tenho um papel de Altas Habilidades e não tenho interesse de ir atrás de um, mas na infância fiz acompanhamento com psicóloga que dizia que minha inteligência era acima da média e me entediava com jogos infantis. Nem sempre é preciso um papel para identificar autistas com altas habilidades, a vivência costuma ser bem diferente e temos mais desenvolvimento social (liderança, criatividade e flexibilidade mental), pois aprendemos a mascarar nossos traços e/ou as pessoas passam a ver somente as coisas que somos bons (nossas habilidades) e ignoram nossas limitações.

Alguns comportamentos ao longo da vida:


– Posso ser a pessoa engraçadinha em determinadas situações e ser extremamente sério em outras;

– Posso querer esconder meus conhecimentos em determinados debates ou querer exibi-los em outros, especialmente se for um hiperfoco;

– Posso pegar modos de falar, sotaques, expressões, comportamentos, se fico muito perto de alguém; isso facilitou inclusive o meu aprendizado de inglês;

– Posso ser o garoto que sentava na primeira fila nas minhas aulas favoritas e ser o garoto que sentava na última fila nas disciplinas que eu já sabia;

– Posso ser extremamente chato e dar patadas em quem tenta me prejudicar e posso ser bem legal com quem nunca fez nada de mal a mim;

– Posso ser grosso, se percebo que algumas pessoas só me procuram quando precisam e não demonstram reciprocidade; mas posso ser muito justo e ajudar sem esperar nada em troca, se a pessoa não tenta tirar qualquer vantagem de mim;

– Posso ser a pessoa que fica em completo silêncio ou a que fala demais;

– Posso ser invisível em situações desconfortáveis ou posso me permitir ser eu mesmo quando estou confortável;

– Posso ser a pessoa que dança e as pessoas ficam impressionadas, e/ou me pedem para ensinar a coreografia, como posso ser a pessoa que fica encostada na parede, só observando;

– Posso fingir que não sei sobre determinado assunto só para não deixar a conversa morrer, ou posso cortar o diálogo desde o início, se eu estiver com pressa ou ocupado;

– Posso ser hipersincero com quem tenho intimidade e me pede sinceridade e até mesmo ofender sem querer; como posso oferecer uma semi-sinceridade para quem sei que pede a verdade, mas só está falando da boca para fora;

– Posso te dar liberdade para perguntar coisas íntimas, fazer piadas sem graça, contar memórias e experiências; como posso ser a pessoa que parecerá extremamente fechado e mal-humorado;

– Posso dizer com todas letras o que preciso dizer, ou posso usar meus conhecimentos linguísticos e brincar com as palavras;

– Eu poderia dar inúmeros exemplos e ainda não teria fim essa lista; basta usar a imaginação.

Jornada em busca de mim mesmo


Seja o rótulo do garoto estranho ou do garoto sabe-tudo, muitas vezes, vestimos máscaras, mas, em outras vezes, as pessoas nos colocam máscaras de acordo com as perspectivas delas. Em todo caso, máscaras abafam quem somos. Elas servem para proteger? Com certeza. Mas o excesso de proteção pode sufocar.

Desde que parti em minha jornada à procura do diagnóstico formal, uma aventura de dois anos, cheia de altos e baixos, eu me tornei mais confiante do que era. Foi como se ao descobrir as respostas que faltavam, eu tivesse conquistado a liberdade para ser eu mesmo.

No dia 18 de junho, Dia do Orgulho Autista, talvez muitos não entendam porque nos aceitamos como somos. Está tudo bem não entender, mas você pode aceitar. 

Eu estaria mentindo se dissesse que ser autista é a melhor coisa do mundo, tenho meus dias ruins; mas também não estaria sendo sincero se dissesse que eu gostaria de ser não-autista, da mesma forma que sou gay e não gostaria de ser heterossexual, ou que sou escritor e não gostaria de ser advogado, entre inúmeros exemplos.


Por hoje, prefiro me focar na parte positiva:

– Eu amo meu cérebro e a velocidade dele;

– Amo como consigo conectar informações com facilidade, enxergar padrões e aprender coisas novas de forma rápida;

– Amo conseguir ouvir sons que são imperceptíveis para os outros e isso me fazer apreciar ainda mais pequenos prazeres diários, como de ouvir música;

– Amo ter hiperfocos e como eles me ajudam a entender melhor a vida e obter informações que mesmo quem está trabalhando há anos na área não conhece;

– Amo ter uma memória que me faz lembrar coisas que os outros esqueceram;

– Amo poder apreciar a beleza da natureza e me conectar com ela através das minhas hipersensibilidades sensoriais;

– Amo sentir o toque do vento, ser envolvido pelo cheiro das plantas, escutar a melodia dos pássaros e me permitir ficar perdido no tempo de tão envolvido com os estímulos sensoriais.

Escolhas e destinos


Dos tantos hiperfocos e habilidades que autistas desenvolvem ao longo da vida, acabamos potencializando algumas e deixando outras adormecidas. Um dos meus primeiros hiperfocos foi a música: canto e dança, mas o mais duradouro foi os livros e a escrita, o que acabou me levando ao jornalismo, ao mundo dos blogs e à jornada de escritor independente.

O que determina qual caminho nos seguimos? A sobrevivência? As máscaras? Os desejos? Há dias em que me lamento nunca ter seguido o caminho da música e penso se fiz o certo ao escolher a literatura. Nesses dias, me lembro que a vida não precisa ser uma questão de A ou B, que existe uma interseção maravilhosa entre o universo musical e o literário. Ou quem sabe deveria ter me tornado fotógrafo?


Como o garoto que tinha facilidade com biologia e química, que começou na Nutrição e sonhava com a Medicina foi parar no Jornalismo e se tornou escritor? As circunstâncias, oportunidades e possibilidades nos transformam. Você poderia perguntar se me arrependo de me afastado das biológicas, desistido de cursar Medicina e escolhido uma das profissões mais desvalorizadas no Brasil: a do escritor. Minha resposta será:

Eu não seria o mesmo que sou hoje, sem tudo o que passei até aqui.

Será que eu teria tanta facilidade na comunicação na internet se não tivesse feito jornalismo? Será que eu entenderia bem expressões se não tivesse lido mais de mil livros e fosse um amante da literatura? Será que eu teria mais dinheiro? Será que eu seria mais feliz? Será?

São tantas perguntas. De todo jeito, o que eu quero dizer é que, em um cenário de múltiplas possibilidades, os conhecimentos e habilidades adquiridos ao longo da vida não se anulam, eles podem se somar. Como escritor e jornalista, posso reaproveitar um pouco de cada conhecimento. Não preciso ser médico para ajudar a salvar vidas; posso levar informações corretas, diante de um cenário caótico de informações falsas de saúde, por exemplo.

No final, são as escolhas que nos fazem ou somos nós que fazemos as escolhas? Por que me torturar pensando como seria minha vida se tivesse priorizado um hiperfoco/habilidade em vez de outro/outra, se eu posso me perder na brincadeira que temos várias vidas paralelas e talvez em cada uma delas, a pessoa que sou hoje está feliz com as escolhas que fez. É assim que eu prefiro viver.

PS: Como sempre ressalto em todos meus textos sobre autismo (ainda que de forma implícita), este texto reflete minha experiência, minha vivência. Não acho que seja saudável comparar a vida de dois autistas, independente do grau e do diagnóstico. Dois Aspergers/autistas podem ser completamente diferentes e seguirem caminhos divergentes, assim como podem existir autistas com uma ou mais comorbidades.


Texto da imagem: “Algumas vezes, aquilo que mais queremos é exatamente o que mais tememos conseguir” – Lucy Beresford

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro, jornalista por formação e Asperger. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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