A linha era tênue entre a verdade e a autoficção, mas a literatura era um espaço para criar e não tinha compromisso com a realidade. Como tinta invisível, personagens às vezes se misturam e podem confundir. Um personagem pode ser vários e a graça não está em descobrir quem é quem, mas de aproveitar a leitura. Escrever em blog poderia não ser a mesma coisa do que escrever um livro de ficção ou de memórias, mas a verdade era que acabava servindo para as duas coisas. Às vezes o passado estava no passado. Às vezes o presente apontava para o futuro. Mas nunca dá para saber sobre quem se está escrevendo e há beleza nisso. A beleza de que personagens não eram pessoas, de que não precisava contar a verdade sempre, que às vezes quatro personagens poderiam se tornar um. Saber quem é quem parecia o menos importante, mas apreciar a beleza das entrelinhas. Ia escrevendo como uma forma de esvaziar a mente e o coração, sentindo o corpo mais leve. Escrevia e continuaria escrevendo sempre que sentisse ...
Muita gente me acompanha, mas não me conhece. Alguns vieram recentemente por causa das campanhas de conscientização do autismo.
Outros não faziam ideia de que sou autista/Asperger, afinal, descobri de forma tardia, só aos 29 anos, e no Brasil, muitos profissionais não entendem sobre Síndrome de Asperger, autistas com altas habilidades e camaleões – logo, eu evito julgar quem é leigo no assunto, já que temos um problema estrutural, muitas vezes, associado à falta de leitura e ao desinteresse pela educação.
Se você trabalha na área, no entanto, eu julgo (e muito), afinal, é seu trabalho estar atualizado e não ficar espalhando mitos, preconceitos e mentiras sobre o espectro autista. Já deixei várias indicações de leitura sobre o autismo no meu blog e nas redes sociais.
Mas hoje quero falar sobre algo importante, sobre como os livros mudaram minha vida. Como escritor e alguém que lê desde sempre, eu posso garantir que não seria o mesmo que sou hoje sem a leitura.
Minha paixão pelos livros (hiperfoco para alguns), fez toda diferença para mim. Diferente de charlatões, não me arrisco a dizer que a leitura ajuda a 'reduzir o autismo', mas se eu tenho mais 'leitura social' é, sem dúvidas, porque a literatura e a ficção ajudam a entender melhor o comportamento humano.
Ser escritor no Brasil não é uma tarefa fácil. Só quem embarca nesta jornada sabe quais são as dificuldades: quem está de fora pode só tentar imaginar. Mas, assim como o leitor teimoso que insiste a ler até a última página do livro, eu insisto escrevendo.
Ainda sobre o poder da escrita e da leitura, ambos me deram uma voz e ajudaram com a minha construção de identidade. Sem os livros, eu teria sido enganado por profissionais antiéticos, como muitos autistas e familiares são diariamente.
“Jess sabia que um livro não era só um livro. Tudo tinha um significado. Havia uma teia invisível que conectava as palavras. Era como magia”– Ben Oliveira, O Livro (Os Bruxos de São Cipriano #2)
Vocês conseguem imaginar que eu me descobri Asperger graças a um livro, que me levou a tantos outros livros e a uma das profissionais mais humanas que eu já conheci?
Pois é. Se não fosse pelo livro de quadrinhos A Diferença Invisível (Julie Dachez), levaria mais anos – ou jamais descobriria que estou no espectro autista, como acontece com centenas, milhares de adultos no Brasil e em diversos países.
A graphic novel conta a saga de uma mulher que se descobre autista na vida adulta: a verossimilhança é tão assustadora, que como moderador de grupo de autismo e envolvido com a comunidade internacional de autistas, eu já vi a mesma história se repetindo dezenas de vezes: preconceito de profissionais desatualizados, pessoas que não entendem e se negam a aceitar o autismo e a árdua jornada de lutar para ser quem você é, sem sentir vergonha do que os outros possam falar.
Para finalizar, de tantos hiperfocos (e nem sempre escolhemos, muitas vezes, somos escolhidos por eles), eu tenho um (entre outros) que me permite conectar vários assuntos e ilhas de conhecimento. Este é o poder da literatura: conectar pessoas, áreas de conhecimento, entreter, informar, conscientizar e, acima de tudo, nos tornar mais empáticos e melhores seres humanos.
Em breve falarei sobre como a tecnologia facilita a vida de pessoas no espectro autista – e até mesmo ajuda com a camuflagem de Aspergers adultos. Para quem está preocupado se eu vou falar só de autismo, pode ficar tranquilo. Estou devendo algumas resenhas de livros para o meu blog e em breve vou cumprir. Também devo voltar a gravar mais vídeos sobre livros para o meu canal do YouTube, assim que o barulho permitir.
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1)e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.