Não havia talvez quando se tratava de pôr a própria saúde mental em primeiro lugar, especialmente quando o outro a estava negligenciando. Não havia talvez para continuar sustentando um relacionamento que não ia para frente, no qual o outro se negava a se responsabilizar e se colocava constantemente no papel de vítima. Não havia talvez quando você havia se transformado em uma espécie de terapeuta que tinha que ficar ouvindo reclamações e problemas constantes, se sentindo completamente drenado após cada interação. Já não havia espaço para o talvez. Talvez as coisas seriam diferentes se o outro tivesse o mesmo cuidado com a saúde mental que você tem. Talvez a fase ruim iria passar um dia. Talvez a pessoa ia parar de se pôr como vítima e começar a se responsabilizar. Eram muitos talvez que não tinha mais paciência para esperar. Então, não, já havia aguentado mais do que o suficiente. Não era responsável por lidar com os problemas do outro. Não era responsável por tentar levar leveza diante...
Palestra com a autista Julie Dachez, autora do livro A Diferença Invisível e Doutora em Psicologia Social
Perdi a conta de quantas vezes já indiquei o livro da Julie Dachez aqui no meu blog e nas redes sociais. A Diferença Invisívelé uma graphic novel que aborda um assunto importante e muito negligenciado em vários países do mundo, como na França, no Brasil e nos Estados Unidos: a vida de pessoas com Síndrome de Asperger (espectro autista) que só descobriram o diagnóstico depois de adultos, a dificuldade de encontrar profissionais que entendam do assunto e os preconceitos de quem não sabe lidar com a informação.
Quem já leu o livro da Julie Dachez, percebe que ela tem uma visão bem crítica sobre a pressão que a sociedade impõe às pessoas que são diferentes. Em sua palestra, ela mantém firme esse pensamento e leva o espectador a refletir sobre os comportamentos de neurotípicos (não-autistas), de maneira similar a que fazem com pessoas no espectro autista.
O que para alguém por fora das confusões que existem no mundo do universo do autismo pode parecer uma revolta sem motivos, na verdade, representa uma mudança do paradigma. Pessoas no espectro autista de diferentes países têm levantado questões sobre a neurodiversidade – a importância da aceitação de diferenças neurológicas.
Alguns países têm histórico de abusos físicos, psicológicos, internações involuntárias, dificuldade de acesso aos tratamentos de saúde e diagnósticos, efeitos colaterais por excesso de medicamentos (nos casos em que não há necessidade), tratamentos controversos sem comprovação científica e teorias ultrapassadas alimentadas pela psicanálise, como a da mãe-geladeira. O que para algumas pessoas poderia parecer algo do passado, além de ser alvo de investigações em alguns lugares, em outros, ainda é naturalizado.
Julie Dachez pergunta a audiência como eles se sentiriam se fossem estigmatizados por serem do jeito que são: por gostarem de jogar conversa fora e terem tanta necessidade de socialização. Ela comenta que passou a vida inteira com a sensação de inadequação (não se sentir boa o suficiente) e explica que se as pesquisas se focassem na inclusão, muitos autistas teriam uma vida digna e seus direitos respeitados.
“Você pode imaginar viver em um mundo onde você é a minoria? [...] Onde as pessoas vão te dizer coisas como, "você não parece neurotípico"; ou, eu sei tudo sobre pessoas neurotípicas, porque eu assisti uma temporada inteira de Friends” – Julie Dachez
Por causa da falta de investimento em conscientização e inclusão, ela relembra que muitas pessoas no espectro autista estão fora do mercado de trabalho e muitos autistas estão condenados a uma vida de solidão, pobreza e exclusão. Julie Dachez também comenta sobre como os critérios de diagnósticos de autismo estão orientados no gênero masculino e como muitas meninas e mulheres podem passar a vida toda sem diagnóstico por causa disso.
Julie diz que sabe que nem todo mundo no espectro autista tem as mesmas características, mas que isso não significa que as pessoas não deveriam questionar os critérios éticos de pesquisas. Ela afirma que não teria conquistado várias coisas, como áreas de conhecimento, se não fosse pelas características de quem está no espectro autista, como o hiperfoco, sensibilidade e criatividade.
“Eu gostaria de viver em um mundo no qual eu possa ser eu mesma. Onde minha voz importa. Onde eu possa ter o suporte que eu preciso [...] Onde eu não tenha que lutar contra estereótipos e discriminação todo santo dia, este é o mundo que nós temos que construir [...] “Você não é uma doença que precisa ser curada. Você é o suficiente” – Julie Dachez
Assista a palestra Can you imagine a world where you are the minority? (Você pode imaginar um mundo onde você é a minoria?), Julie Dachez:
Assista ao meu vídeo sobre o livro A Diferença Invisível:
Alguns textos sobre autismo publicados aqui no blog:
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpade na loja Kindle.
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