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CPI da Pandemia: Irmãos Miranda, contrato irregular da vacina indiana e suspeita de prevaricação de Jair Bolsonaro
Nesta sexta-feira, 25 de junho de 2021, a CPI da Pandemia teve um dia atípico. Com depoimentos marcados em cima da hora, os senadores defensores de Jair Bolsonaro não tiveram tempo de se preparar para o que viria, mesmo as informações tendo sido divulgadas na imprensa antes. Participaram como convidados os irmãos Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do ministério da saúde e Luis Miranda, deputado federal.
Até o momento desse texto, mais de 900 mil pessoas assistiram ao vídeo de hoje da CPI da Pandemia pelo canal do YouTube da TV Senado. Lembrando que ela também é transmitida por outros canais e mídias sociais, como pelo Facebook e Twitter. E com o crescente interesse da sociedade pelo que está sendo investigado, vários jornalistas e produtores de conteúdo têm levado o debate para seus espaços e reproduzindo trechos relevantes – sendo até uma boa opção para os que não têm tempo ou paciência de assistir as longas horas das sessões.
Um fato marcante que contrasta com a postura negacionista do governo foi de que o servidor público concursado Luis Ricardo Fernandes Miranda havia ajudado hoje com a liberação das doses da vacina da Janssen dos Estados Unidos para o Brasil e esclareceu que seu interesse é pela saúde pública e pelo SUS, não por partidos políticos. Era possível ver o seu cansaço, já que ele tinha voltado direto de outro país e ido para a CPI da Pandemia e ele aguentou mais de sete horas de sessão.
O que o dia de hoje teve de diferente dos outros foi fornecer documentos sobre irregularidades no contrato da vacina indiana, Covaxin, além de revelar a pressão que sofreu o servidor Luis Ricardo Fernandes Miranda para agilizar. Além do próprio profissional ter estranhado, conforme a CPI da Pandemia vem apurando, o depoimento escancarou como o Governo Federal tentou dar prioridade para uma vacina que ainda não tinha sido aprovada pela Anvisa, estava com uma oferta de R$ 1,6 bilhão e um valor por vacina acima do previsto inicialmente, além de ter um processo semelhante ao da Coronavac de vírus inativado.
Por que tudo isso levantou tanto espanto entre os senadores? Vários dos elementos do contrato eram o que Jair Bolsonaro usava como justificativa para não comprar outras vacinas, alegando que a Anvisa não tinha liberado, que ninguém sabia os riscos de uma vacina de vírus inativado ou que os valores e os contratos estavam abusivos. A própria Pfizer chegou a oferecer 50% de desconto do valor pago pelos Estados Unidos e União Europeia e o governo não aceitou.
A pressão atípica pela aceleração do contrato da vacina Covaxin, mesmo com irregularidades, também gerou inquietação. Só da Pfizer, foram mais de 100 tentativas de negociar a vacina. Bolsonaro também desdenhou publicamente da Coronavac, que é produzida pelo Instituto Butantan, chamando-a de ‘Vacina Chinesa’ ou ‘Vacina do Dória’, dizendo que não ia comprá-la. A CPI da Pandemia também chegou a apontar episódios em que tentaram desmoralizar a Fiocruz, instituição brasileira que tem um acordo com a biofarmacêutica AstraZeneca.
Em um cenário no qual o Brasil ultrapassou mais de 510 mil mortes e a CPI com a proposta de investigar as ações e omissões do Governo Federal na pandemia, conforme as informações vão sendo apuradas, maior é a pressão para que os senadores responsabilizem os culpados, especialmente pelos riscos do Covid-19 e suas cepas se espalharem pelo país e mais pessoas se infectarem e morrerem. Além disso, alguns estados também lidam com o atraso da vacinação e falta de vacinas, revelando a desigualdade da distribuição e a falta que fizeram os contratos negados.
Não há dúvidas de que uma das principais preocupações dos senadores foi em relação a essa disparidade de tratamentos do governo em relação aos contratos das vacinas, negando e/ou atrasando boas oportunidades para priorizar uma proposta duvidosa da Índia. O governo também investiu na produção de cloroquina e investiu em propaganda de tratamento precoce sem comprovação científica, como a ivermectina.
Inúmeras vezes, o próprio presidente Jair Bolsonaro apareceu em vídeo divulgando a cloroquina e a ivermectina, dizendo que já havia salvado muitas vezes. Não só ele, outros senadores governistas já defenderam na CPI da Pandemia, como o Luis Carlos Heinze. Políticos defensores de tratamentos sem comprovação científica tentam alegar que houve uma politização, mas esses remédios contra Covid-19 não são recomendados por instituições nacionais e internacionais, bem como as pesquisas já mostraram que não há eficácia.
Para alguns dos centenas de milhares de telespectadores da CPI da Pandemia, um dos fatos mais reveladores do dia foi o anúncio do deputado federal Luis Miranda de que diante da situação estranha, das pressões que o irmão servidor estava sofrendo e das irregularidades do contrato, ele alertou o próprio presidente Jair Bolsonaro e o mesmo havia dado a entender de que tomaria alguma providência e de que isso era coisa de certo deputado.
Após horas de pressão, somente depois do senador Alessandro Vieira dizer em voz alta o nome do deputado, mencionando que o irmão dele era corajoso de estar lá, mas que ele não, pois todos tinham lido as entrevistas e os senadores estavam esperando que ele falasse, já que tinha jurado falar a verdade, e da fala da senadora Simone Tebet, tentando tranquilizá-lo, o deputado Luis Miranda disse em voz alta: Ricardo Barros.
O momento que ele falou gerou até uma pausa na sessão, pois outros senadores haviam questionado e ele estava relutante em compartilhar, mencionando que sua memória não era muito boa. Por trás da demora de revelar, se escondia o medo por ele, pelo irmão e pela família, já que Luis Miranda sabe como os seguidores de Bolsonaro são influenciáveis nesses tempos de polarização e o próprio ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni fez uma ameaça aos irmãos Miranda, o deputado e o servidor público.
O senador Randolfe Rodrigues disse que só agora Bolsonaro anunciou que ia pedir para a Polícia Federal investigar o contrato da Covaxin. Quase 3 meses após ter sido alertado pelo deputado Luis Miranda e o irmão servidor público Luis Ricardo Fernandes Miranda. Ele também lembrou que se não fosse pelo servidor, o governo teria cometido crime. O senador Omar Aziz concluiu que Jair Bolsonaro prevaricou ao não ter denunciado para a polícia federal na época.
O contrato da Covaxin não surgiu do nada na CPI da Pandemia. O Ministério Público Federal pediu que o contrato do governo com a Bharat Biotech seja investigado. O contrato de compra de 20 milhões de doses da vacina indiana tem hipótese de superfaturamento.
Segundo informações do Diário do Nordeste, as investigações também mostram que o contrato com a Precisa Medicamentos, que tem como um dos sócios Francisco Emerson Maximiano já tem histórico de investigação com outra empresa, que recebeu R$ 20 milhões antecipados e não entregou medicamentos, causando prejuízo para centenas de pacientes.
Inúmeros senadores agradeceram a presença dos irmãos Miranda e a sessão deixou a sensação de que esta havia sido uma das mais importantes do ponto de vista histórico, já que o presidente Jair Bolsonaro adora provocar outros políticos e se gabar de que nunca cometeu corrupção. Mas mais preocupante do que isso, a questão demonstra como em plena pandemia o governo se envolveu com ações irregulares e uma série de erros que custaram milhares de vidas, desde falta de campanha de comunicação, constantes ataques às medidas de restrições e lockdown, desmoralização das vacinas, promoção de aglomerações sem máscaras pelo próprio presidente, entre outras.
A senadora Simone Tebet disse que o servidor do ministério da saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda deveria ser condecorado por ter impedido o governo de fechar um contrato fraudulento de vacina. Em vez disso, o presidente vai mandar investigar o servidor. “Há um estado policialesco, que está investigando os cidadãos de bem [...] Não é possível viver nesse país”, afirmou Simone Tebet.
Ela também acrescentou que as pessoas precisam ser investigadas e punidas e lembrou que Jair Bolsonaro foi avisado do contrato fraudulento da Covaxin, mas em vez de fazer algo, ele varreu para baixo do tapete e prevaricou.
"São tantos os crimes que chega no final em crime de organização criminosa, só que aí tem algo mais. O que os irmãos Miranda estão falando é que chegaram na autoridade máxima do país e disseram a ele que tem fortes e gravíssimos indícios de corrupção. Ao invés de se buscar investigar, colocou tudo para debaixo do tapete. Agora que está se falando que vai levar para os órgãos de controle" – senadora Simone Tebet
A senadora Eliziane Gama disse que o deputado Luis Miranda chorou e perguntou se ele gostaria de requisitar proteção da CPI da Pandemia. Ele mencionou que já havia sofrido vários ataques na internet e fake news, como uma visita que fez a China e o acusaram de comunismo – praxe do círculo bolsonarista-conservador na internet.
O depoimento dele só reforçou a necessidade do retorno da CPI Mista das Fake News, levando em conta que após o seu início, diminuíram os ataques virtuais e uso de bots, mas ainda continuam ataques coordenados contra opositores do Bolsonaro. O mais chocante no caso é que o deputado Luis Miranda é apoiador do Bolsonaro e mesmo assim foi atacado.
A última senadora a falar na CPI da Pandemia, a senadora Zenaide Maia disse: “Só o fato do presidente optar por uma vacina que o desenvolvimento é igual o da Coronavac e insistir na compra de uma vacina, Covaxin, que nem aprovada pela Anvisa estava. Isso não tem explicação, é um fato”. Ela também criticou o episódio em que Jair Bolsonaro tirou a máscara da criança em plena pandemia e sobre as milhares de mortes, acrescentou Zenaide Maia: “Tem que ser punido. Como é que pode uma pessoa fazer tudo isso e não ser responsabilizada?”. Lembrando que além da senadora que é médica, a Sociedade Brasileira de Pediatria divulgou nota de repúdio pelo episódio.
Uma das falas mais importantes da noite foi da senadora Simone Tebet. Ela disse que o Bolsonaro se elegeu ao dizer que tinha como bandeira a da ética, de que o seu governo seria diferente, a favor do combate à corrupção e gestores experientes, mas não foi o que ficou provado nessa pandemia e em outras áreas importantes para a sociedade. Ela também criticou a direção antidemocrática que o país estava tomando e que torcia para que o Ministério Público Federal e o Judiciário continuassem com as investigações.
O senador Fabiano Contarato elencou os erros cometidos por Bolsonaro e sua gestão na pandemia e comentou que ficou insustentável a permanência do Presidente da República à frente do Palácio do Planalto. “Chegou o momento de a Câmara dos Deputados se posicionar com relação aos 130 pedidos de impeachment que estão engavetados”, afirmou Contarato.
Senadores da CPI da Pandemia em entrevista coletiva: Renan Calheiros, Omar Aziz, Randolfe Rodrigues e Eliziane Gama.
A rejeição de Bolsonaro que já estava alta, nesta sexta-feira ficou evidente em várias redes sociais. Muita gente já desconfiava que por trás da insistência nos tratamentos sem comprovação científica e nos atrasos da vacinação tinha alguma coisa errada.
Ainda no embalo, cada vez mais grupos têm apoiado o pedido de impeachment. Um superpedido de impeachment deve ser protocolado na próxima quarta-feira, 30 de junho de 2021. O pedido deve reunir vários pedidos anteriores de políticos de diferentes partidos e associações, entre elas a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
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