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Entrevista: Eliel Barberino, seu livro e zumbis como fenômeno cultural
Eliel Barberino nasceu no Rio de janeiro, em 1983. Estudou Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de janeiro. Começou também um curso de filosofia, mas trancou suas atividades acadêmicas oficiais para poder se dedicar ao seu livro A Era dos Mortos-Vivos [Leia a resenha do livro]. É um pesquisador independente e tem se dedicado como entusiasta a entender a questão do zumbi como um fenômeno cultural.
O autor Eliel Barberino respondeu a entrevista por e-mail para o Blog do Ben Oliveira e falou sobre o estudo de zumbis (zumbiologia), a razão dessas criaturas fazerem sucesso nas diferentes narrativas, a relação entre os mortos-vivos e a sociedade e deixou algumas dicas para escritores de ficção que desejam explorar a temática de zumbi. O livro A Era dos Mortos-Vivos foi publicado pela Cultura em Letras Edições, em 2016, e pode ser encontrado no site da editora.
Confira a entrevista com o autor Eliel Barberino:
Ben Oliveira: Em sua biografia no Clube de Autores você se define como um zumbiólogo. O que é um zumbiólogo?
Eliel Barberino: Acreditava ser quase um neologismo meu, mas percebi que existem realmente outras pessoas que se denominam zumbiólogos. Se temos o mesmo entendimento do termo, não sei, mas creio que os significados atribuídos ao vocábulo não possam variar muito. Zumbiólogo, basicamente, é um especialista em zumbis. Independente daqueles que se especializam em sobrevivência para um possível apocalipse zumbi, ou daqueles outros que estudam o fenômeno tratando-o apenas como um fenômeno cultural de ricas implicações sociológicas e filosóficas, que é o meu caso. Nos EUA temos, por exemplo, o professor universitário Brendan Riley, que oferece um curso sobre o zumbi na cultura popular. Ou mesmo o escritor Matt Mogk, criador da organização americana Zombie Research Society.
Ben Oliveira: De onde surgiu a ideia de escrever um livro sobre zumbis? Eliel Barberino: A ideia inicial surgiu quase de uma brincadeira. Eu queria juntar algum material literário para ministrar um curso sobre zumbis, embora não fizesse a menor ideia de como daria cabo a isso. Foi durante a elaboração de uma possível apostila para um curso que percebi que o material poderia render muito além disso. A ideia, entretanto, ficou engavetada ainda um bom tempo. Meses depois eu estava com a ideia para um livro completamente diferente, sobre os problemas da modernidade. Foi quando percebi que a questão do zumbi cairia como uma luva e serviria perfeitamente como o fio condutor de toda a discussão. Pude, então, tirar da gaveta meu tão sonhado projeto de escrever um livro sobre zumbis. Desde sempre minha ideia foi escrever um livro de não-ficção.
Outro fator importante que me motivou a escrever está justamente nesse fato. Embora exista na literatura internacional vários livros de não-ficção sobre zumbis, aqui no Brasil não existia praticamente nada. Eu escrevi um livro que eu queria ler, é uma obra que se fosse escrita por qualquer outra pessoa teria despertado meu interesse da mesma forma. A necessidade e a percepção de um nicho literário mal explorado no país me incentivaram a redigir a obra.
Ben Oliveira: Em seu livro, você diz que o zumbi é uma metáfora sobre o nosso século. Poderia explicar sua afirmação, para que aqueles que não leram o livro possam entender? Eliel Barberino: O zumbi é um reflexo do niilismo moderno. Ele é o monstro que melhor representa nossa época. Ele na verdade é um remanescente dos mitos tradicionais em plena modernidade. A ideia da ressurreição dos mortos e do fim do mundo é um tema religioso amplamente registrado em todas as culturas. Nosso século ainda é afetado por ecos do iluminismo, e uma das ideias que mais criaram raízes no entendimento comum desde então é a questão do desentendimento entre ciência e religião. O materialismo, aquela ideia que descarta o sobrenatural como real é amplamente aceita por boa parte da população, bem diferente de eras pré-iluministas. O zumbi não poderia surgir em outra época, ele é filho direto desse pensamento.
Os mortos-vivos modernos são apenas matéria, não possuem alma que os animem, ou tão pouco qualquer força sobrenatural agindo neles para isso, como o caso dos vampiros como corpos reanimados por demônios. Vejo o zumbi como um reflexo inconsciente desse processo. O ser humano é uma máquina de criar mitos. Joseph Campbell, Mircea Eliade e Jung são alguns exemplos de pensadores que defendem essa tese.
Mesmo numa sociedade materialista, o ser humano em sua composição continua funcionando de maneira religiosa. A questão é que os mitos nas sociedades tradicionais encontravam uma realidade fértil onde se nutriam, nesse sentido, a sociedade moderna não fornece arcabouços para os mitos se sustentarem, mas mesmo assim, eles permanecem. O quadro que temos então é uma civilização que ainda deseja a vida eterna e por algum mecanismo psicológico ainda cria histórias sobre o fim do mundo, entretanto sem a base para sustentar essas ideias.
O que decorre disso tudo é que não sabemos como lidar com esses sentimentos; desejamos a vida eterna, mas ela agora é desejada aqui, e não mais no pós-morte. Acreditamos de alguma maneira que o mundo vai acabar, se não mais através de dilúvios, quem sabe por causa de alguma guerra nuclear. Os mitos são representações de potencialidades humanas, quando nas mitologias, uma divindade decide acabar com a humanidade devido a seus pecados, só está a nos mostrar que nós somos capazes de tal façanha.
Ben Oliveira: Qual é a importância da representação dos monstros nas narrativas?
Eliel Barberino: Embora os monstros sempre apareçam como oposição ao humano, eles são um reflexo de nós. A etimologia da palavra vem do latim monstrare, que quer dizer mostrar. Os monstros “mostram”um pouco de nossa natureza, eles são sempre representações metafóricas de potencialidades humanas assim como em O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde (O Médico e o Monstro). Monstros seriam uma espécie de eufemismo para tratar de coisas referentes a nós mesmos. Mesmo que acreditemos ingenuamente estar criando histórias com monstros pelo simples intuito de nos entreter.
Ben Oliveira: Você pensa em continuar pesquisando e escrevendo sobre a temática dos mortos-vivos?
Eliel Barberino: Sim, pretendo. Talvez um outro livro sobre os desmortos, ou mesmo uma ampliação de A Era dos mortos-vivos. Depois que publiquei o livro e recebi as primeiras impressões dos leitores percebi que alguns pontos ainda podem ser explorados. As vezes penso em me aventurar em algum romance sobre zumbis, mas como tenho lido pouca coisa de ficção ultimamente, não me sinto muito seguro em me desbravar por esses caminhos.
Ben Oliveira: Algumas universidades estão oferecendo cursos sobre zumbis e sobrevivência no caso de apocalipse zumbi. Você acredita que é possível acontecer?
Eliel Barberino: Sim, para a questão de um apocalipse causado por alguma guerra ou catástrofe natural, e talvez apenas numa microescala. Agora quanto a um apocalipse zumbi, nos moldes romerianos, não. Algumas pessoas afirmam que possa ser possível a descoberta de algum vírus que transforme os seres humanos em zumbis, mas pelo pouco que conheço até agora isso me parece pura ficção. Parte disso é fruto daquela ideia de que “ a ciência ainda não pode, mas um dia poderá”, tanto para o bem, como para o mal. Prefiro não me antecipar. Assumo aqui minha ignorância saudável a respeito de questões futuras. Pode ser que sim, mas no presente momento acho muito pouco provável.
Ben Oliveira: Qual a sua opinião sobre os diferentes cursos sobre zumbis?
Eliel Barberino: Acho totalmente válidos, pois é um tema que dá para ser muito bem explorado e interligado a várias disciplinas. O zumbi é um ponto que une história, sociologia, filosofia e arte com maestria, e se bem explorado rende “um bom caldo”. Quanto aos cursos voltados para a área de sobrevivência, se não for visto como diversão, tenho lá minhas ressalvas. Crenças muito fortes sobre o fim do mundo costumam apresentar resultados um tanto preocupantes, como a história de algumas seitas americanas nos mostraram. Cursos de sobrevivência não são exclusividade de fãs de zumbis, eles de fato podem ser muito uteis em catástrofes. Uma associação com uma ideia de um fim iminente quepode ser um pouco mais problemático.
Ben Oliveira: O egoísmo, o preconceito e o ódio são responsáveis por milhares de mortes todos os anos. No caso de um apocalipse zumbi e todo o desespero e a luta pela sobrevivência, mesmo com informações e cursos, como você acha que as pessoas reagiriam?
Eliel Barberino: Da pior forma possível. Sou um tanto hobbesiano quanto a isso. Se com uma civilização melhor estruturada como a nossa, com leis e acordos sociais, vemos com frequência casos como os que você citou, imagine uma sociedade em que a ordem esteja despedaçada, como no caso de um apocalipse zumbi; as coisas tenderiam a se intensificar. Isso é o apocalipse zumbi.
Romero em seus filmes sempre nos fez questão de lembrar que os seres humanos são os vilões. Em A Noite dos Mortos-vivos é o desentendimento dos habitantes da casa que põe fim a tudo. Em Despertar dos Mortos temos o grupo de motoqueiros e os habitantes do shopping se matando, os zumbis ali ficam apenas andando sem rumo pelo shopping e se aproveitam como hienas da carniça deixada pela briga grande entre os dois grupos de seres humanos. Esse é o papel do apocalipse zumbi como mito, nos mostrar o quão baixo a natureza humana pode chegar numa situação anômala de organização social. Seja no fim do mundo ou nos campos de concentração durante a segunda guerra.
Ben Oliveira: Como estudioso, você também deve ser consumidor de histórias com a temática. Quais são suas narrativas favoritas de zumbis (filme, livro, HQ, jogo, série)?
Eliel Barberino: Os filmes de George Romero, pelo menos sua “quadrilogia” principal. Gosto muito também de A volta dos Mortos-vivos II, talvez porque tenha sido o primeiro filme de zumbis que vi. Sei que o primeiro da série é o mais aclamado, mas gosto dessa sequência. Nos quadrinhos gosto muito da série Marvel Zombies pela criatividade, mas também do italiano Dylan Dog em O Despertar dos Mortos-vivos, sei que a história foi adaptada para o cinema, mas infelizmente ainda não consegui assistir. Quanto aos games, para minha infelicidade sou uma negação com essa plataforma. Talvez consiga não passar muita vergonha no Plantas vs Zumbis. Cresci vendo meus amigos jogando Resident Evil, embora eu não fosse um bom jogador, preciso reconhecer o papel de importância que o jogo teve mundialmente para os zumbis.
Ben Oliveira: Do sobrenatural para o meio tecnológico, os zumbis chamaram mais atenção quando se aproximaram mais de nossas realidades. Até quando você acredita que os zumbis continuarão sendo um fenômeno cultural? Há o risco de se tornarem banais?
Eliel Barberino: Não consigo prever até quando conseguiremos gostar de histórias de zumbis, mas a fórmula criada por Romero jamais se tornará banal, pois ela toca em questões caras a qualquer geração. Será sempre considerada um clássico. O que pode ocorrer é o desgaste pela repetição do tema ou a completa descaracterização, como já ocorreu anteriormente na própria história dos filmes de zumbis antes de Romero e como vem ocorrendo ultimamente.
Hoje, temos zumbis infectados, ou os zumbis com consciência, ou pior ainda, os romances com zumbis. Filosoficamente, definir uma coisa é dizer o que ela é, ainda mais, dizer o que ela não é. Quando um zumbi pode ser qualquer coisa, ele na verdade não é nada. Corremos o risco de voltar a ter futuramente filmes como os da década de cinquenta e sessenta, em que qualquer criatura poderia ser considerada um zumbi. Temos casos curiosos de filmes dessas épocas que retrataram pelo termo zumbi desde alienígenas a monstros do pântano.
Ben Oliveira: Em 2015, você publicou o livro Autumn Hollow, um livro infantojuvenil com a temática sombria e diferentes criaturas, como monstros, fantasmas e zumbis. O que o leitor pode esperar do livro?
Eliel Barberino: Autumn Hollow na realidade nunca foi planejado como um grande projeto editorial. Ele serviu a um propósito. Já estava com A Era dos Mortos-vivos terminado e não sabia ainda muito bem como me aventurar no mercado editorial. Pensei inclusive em autopublicar meu livro sobre zumbis. Foi justamente no intuito de conhecer antes o mercado da autopublicação que me aventurei a escrever Autumn Hollow. Todavia esse modelo de publicação não me agradou. Mesmo assim gosto muito do livro, pois ele segue a linha da série Goosebumps, ao qual eu amava na infância e ainda admiro muito. Foi um livro escrito bem rápido, talvez eu tenha gastado mais tempo nas ilustrações que na própria história. Guardada as devidas proporções, é um livro que gosto muito, me deu muito prazer escrevê-lo e ilustra-lo. Entretanto nunca fez parte dos meus planos trabalhar uma divulgação nele.
Ilustração de Eliel Barberino, presente em seu livro Autumn Hollow. A imagem foi cortada para o blog.
Ben Oliveira: De que forma seus estudos te ajudaram na hora de escrever? Eliel Barberino: Diria que sem eles eu não escreveria. Tanto meu modo de escrever como as ideias são reflexos de minhas leituras. Meu livro é um reflexo e um resumo de tudo o que li até hoje. Lembro que quando o planejava tinha em mente alguns livros com os quais eu gostaria que ele se parecesse. O próprio ato de escrever é um complemento às leituras. O conhecimento ganha forma e se completa quando lemos e escrevemos. As ideias se ampliam e ganham forma nesse processo. Sempre gostei muito de escrever, algumas partes do livro foram aproveitadas de textos que escrevia após alguma leitura, ou algum momento de distraída reflexão. O capítulo sobre a morte, por exemplo, foi desenvolvido a partir de um trabalho da faculdade.
Ben Oliveira: Há algum próximo projeto literário em mente? Eliel Barberino: Sim, há. Durante o processo de produção de A Era dos Mortos-vivos me deparei com temas que não pude desenvolver de forma ainda mais profunda devido ao fio condutor que havia estabelecido para o livro, no caso, os zumbis. Essa área de contato entre ciência, filosofia e religião é minha área de estudo favorita. Comecei a rascunhar algo que provavelmente virá a ser um novo livro, não sei quando, poistenho muita coisa para ler como bibliografia ainda. Penso também numa leve ampliação em alguns pontos de A Era dos Mortos-vivos como já havia comentado.
Ben Oliveira: Quais dicas você deixaria para escritores de ficção que desejam escrever contos, romances e roteiros com a temática de zumbi? Eliel Barberino: Os zumbis nunca tiveram o passado nobre na literatura como os monstros clássicos e só alcançaram fama com o filme A noite dos Mortos-vivos, dirigido por George Romero. Este filme então serviu como modelo definitivo do que viria a ser o zumbi moderno. A fórmula é básica e muito fechada. Mortos que retornam a vida e que são carnívoros, e que dão início a um processo de caos social, ou fim do mundo. Nessas histórias esse é apenas o pontapé inicial, e os monstros serão meros coadjuvantes.
Toda história de zumbis precisa necessariamente ter bons personagens humanos, são os vivos e suas relações que devem ser exploradas. Embora a fórmula pareça rígida, a parte maleável para o autor criar é muito maior. Podemos ter desde comédia a romances ambientados no apocalipse zumbi. Não acredito que haja dicas ou segredos. Mas seguir à risca esse modelo ainda tem feito muito sucesso. Não que não seja possível escrever uma boa história sem recorrer a isso. Por exemplo, uma parte muito negligenciada nas narrativas de zumbis é a questão do medo dos mortos, e de que eles voltem para nos atormentar. Stephen King fez um ótimo trabalho em O Cemitério (Pet Sematary) ao tratar dessas questões, embora alguns não considerem a obra como um livro de zumbis.
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