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Resenha: Tempo de Cura – Monja Coen

O livro Tempo de Cura , da autora Monja Coen , está repleto de reflexões e foi escrito no período da Pandemia de Covid-19, no período em que o Brasil e o resto do mundo estava lidando com questões como o isolamento social e o uso de máscaras respiratórias, bem como com pessoas que se negavam a seguir as orientações de saúde pública. O livro foi publicado pela editora Academia , em 2021. Compre o livro: https://amzn.to/3PiBtFO Em um período difícil, no qual as pessoas tiveram que lidar com a solidão, doenças e mortes, o livro escrito pela Monja Coen serviu como bálsamo para acalmar os corações e mentes – e pode ser lido até nos dias atuais, pois nunca estamos completamente imunes a passar por uma próxima pandemia e a doença permanece causando impactos para a saúde da população.  Compartilhando suas primeiras experiências com o zen e a meditação, Monja Coen é certeira em falar sobre a importância da paz e da cura e da preocupação com o bem-estar coletivo, dando como exemplo as orientaçõe

Livro explora demônios interiores, metamorfoses e hipocrisias

Quando penso no livro O Pacto / Amaldiçoado (Horns), do Joe Hill, não consigo deixar de pensar em A Metamorfose, do Franz Kafka. O que as duas obras literárias têm em comum? Ambas retratam um personagem que se transforma em outra criatura, mas as coincidências não param por aí. Aquilo que provoca estranhamento no outro, muitas vezes, é fruto de conflitos internos mal resolvidos – o mal-estar quase sempre é fruto de um reflexo, de encarar aquilo que negamos em nós mesmos. O que um inseto e um demônio podem nos ensinar sobre a vida e o comportamento humano? Muitas coisas. No Brasil, O Pacto foi publicado pela Editora Arqueiro, em 2010, com tradução de Barbara Heliodora e Helen Potter Pessoa.


É difícil ler o primeiro capítulo deste romance sem pensar em Gregor Samsa. Acredito que a semelhança entre o início foi intencional, o que por si só já promove uma boa dose de intertextualidade e ajuda a quebrar um pouco do preconceito literário com livros contemporâneos, principalmente com os gêneros de horror e fantasia sombria. “Certa manhã, ao acordar após sonhos agitados, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseando num monstruoso inseto”, Franz Kafka, A Metamorfose. Confira abaixo o primeiro parágrafo de O Pacto / Amaldiçoado, do Joe Hill, no qual o narrador descreve Ignatius Perrish:

“Ignatius Martin Perrish passou a noite bêbado, fazendo coisas horríveis. Acordou na manhã seguinte com dor de cabeça, levou as mãos às têmporas e sentiu algo estranho, um par de protuberâncias pontiagudas. Estava tão enjoado – sentia-se fraco e seus olhos lacrimejavam por causa da luz – que, a princípio, não deu atenção a isso. A ressaca não lhe permitia pensar nem se preocupar” 

Desde o início de O Pacto (Amaldiçoado), o leitor sabe que Ig Perrish se transformou. No primeiro capítulo, que é bem breve, o narrador revela que os chifres cresceram na cabeça do personagem principal da noite para o dia e isso provocou um susto grande nele. Logo, o foco do livro não é essa transformação, o que não é nenhuma surpresa, mas como o evento está relacionado com a trama e com a tragédia: o amor da vida de Ig, Merrin é estuprada e assassinada e ele é o principal suspeito do crime. O jogo da culpa é uma constante na história, bem como o de apontar o dedo que nunca volta para si mesmo.


Toda transformação tem o seu preço, independente de querermos pagá-lo ou não. Nossas imagens são moldadas de acordo com a maneira que as pessoas nos olham e que nós mesmos nos reconhecemos. Diante dessa crise de identidade, Ignatius Perrish é levado a mergulhar em suas próprias memórias, para descobrir que teria acontecido no dia em que Merrin foi assassinada. Teria ele matado a mulher que ele amava?

“Lembrava-se de tudo escuro, um barulho muito forte e da sensação de estar girando. Ele fora arremessado numa tempestuosa torrente de emoções, ejetado da terra, arrancado de qualquer noção de ordem e lançado no caos. Ficara horrorizado, apavorado com a possibilidade de ser isso o que nos esperava após a morte. Sentiu como se tivesse sido varrido para fora, não apenas da própria vida, mas também de Deus, da ideia de Deus, da esperança, da razão, da própria noção de que tudo fazia sentido, do conceito de causa e efeito – e achou que não podia ser assim, a morte não podia ser assim, nem mesmo para os pecadores” – Joe Hill, O Pacto

O romance está dividido em várias partes. Apesar de Ig ser fundamental na narrativa, o narrador não se foca exclusivamente nele e o leitor também acompanha a história de outros personagens próximos de Ig e Merrin. Os momentos de estranhamento estão presentes do início ao final do livro, tornando a narrativa fantástica bem reflexiva, intercalando o suspense e a tensão crescentes com esses flashbacks e memórias. Ser um demônio não é o pior que poderia acontecer a Ignatius Perrish, mas se transformar em um divã ambulante e um ímã para a maldade humana, pode levá-lo a pagar um preço maior do que esperava em busca da verdade sobre o que teria acontecido a Merrin.

Não dá para negar que Joe Hill é filho do Stephen King. Dá para notar uma semelhança no estilo da escrita, embora ele tenha uma linguagem mais enxuta do que o pai, a semente da crítica social dentro de narrativas sombrias está presente em sua ficção. Apesar de ter sido escrito bem antes de Revival, o romance de Joe Hill também coloca o dedo na ferida da hipocrisia religiosa, mostrando que por trás das máscaras de anjos, muitas pessoas são piores do que aquelas que eles julgam mundanas. O narrador disseca a alma e os desejos dos personagens, revelando segredos obscuros que muitos tentam esconder, mas diante de Ig e seus chifres, as pessoas acabam soltando as verdades e não conseguem controlar suas línguas.

"Agora, vejo Deus como um escritor de livros populares sem imaginação, alguém que constrói histórias de enredos sádicos e sem graça, narrativas que só existem para expressar Seu horror pelo poder que as mulheres têm de escolher a quem amar e como, de redefinir o amor como acham melhor, não como Deus acha que deve ser. O autor não merece Seus próprios personagens. O Diabo é acima de tudo um crítico literário, que atira esse impostor sem talento à retaliação pública que Ele merece" – Joe Hill, O Pacto

Assim como Kafka nos mostra que o inseto não é tão pavoroso diante das ações de pessoas próximas, Joe Hill narra como uma criatura bestial pode ter um coração e uma alma tão boa quanto a daqueles que mentem para si mesmos e exploram os outros de diferentes formas. No universo ficcional de O Pacto, a figura do Diabo, usada por tantas religiões como sinônimo de maldade, perto do ser humano parece não ser tão ruim. Um romance cheio de reviravoltas, tragédias e que revela o que todos sabemos: algumas pessoas são piores do que demônios, não importa o quanto elas tentem ocultar suas trevas e mostrarem sua luz. Egos doentes são a perdição e quando estão fora de controle, servem como catalisadores do caos. Ig descobre que monstros, às vezes, servem como espelhos e revelam que muitos não só carregam um inferno dentro de si, como arrastam os outros junto com elas.


Sobre o autor – Joe Hill já ganhou diversos prêmios por seus contos, incluindo dois Bram Stoker, o mais importante da literatura de horror. É autor de A estrada da noite e O pacto e da coletânea de contos Fantasmas do século XX, todos publicados no Brasil pela Editora Arqueiro.

Ficou curioso para ler O Pacto? O livro Horns foi adaptado para o cinema em 2013, com direção de Alexandre Aja e adaptação do roteirista Keith Bunin. Entre os atores principais que estrelaram o filme estão Daniel Radcliffe, Juno Temple e Max Minghella.

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e do livro de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1), disponível no Wattpad.

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