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Destaques

Scoop: Jornalistas da BBC e uma entrevista polêmica com príncipe Andrew

Quando um escândalo internacional envolvendo a Família Real estoura, uma jornalista tenta ser a primeira a conseguir uma resposta do príncipe Andrew para a BBC. Scoop é um filme de 2024 sem grandes surpresas para quem acompanhou a cobertura midiática da época, que mostra a importância do jornalismo não se silenciar quando se faz relevante. Um caso que havia sido noticiado há nove anos sobre a amizade de Andrew e Jeffrey Epstein estoura com a prisão do milionário e suicídio. Enquanto jornais de diferentes partes do mundo fizeram cobertura, o silêncio de príncipe Andrew no Reino Unido incomoda a equipe de jornalismo, que tenta persuadi-lo a dar uma entrevista. Enquanto obtém autorização para fazer a entrevista, a equipe de jornalismo mergulha nas informações que a Família Real não gostaria que fossem divulgadas sobre as jovens que faziam parte do esquema de tráfico sexual e as vezes em que príncipe Andrew estava no avião particular de Epstein. O filme foca mais na equipe de jornalismo do

Pós-Verdade: Quando Jornalismo, Propaganda Política e Cinismo se Confundem no Brasil

Estamos em 2021. Em teoria, com tanto volume de informação disponível, brasileiros e pessoas de diferentes países teriam mais condições de entenderem sobre manipulação política. Porém, o sistema político da Pós-Verdade tem revelado o quanto a democracia pode ser frágil quando as mentiras reforçadas constantemente por figuras políticas ganham destaque midiático. Em um jogo de inversão, quem mente, acusa o outro de fake news e muitos perdem o referencial de credibilidade, sem saber distinguir o que é jornalismo, propaganda política ou cinismo.

Muita gente poderia achar que o que tem acontecido nos últimos anos é um mero acaso, assim como milhares de brasileiros tentam minimizar o impacto das falas de Jair Bolsonaro, chamando-o de louco e mentiroso patológico – tirando de jogo a intencionalidade da questão de manipulação política por trás de suas estratégias de governar. 

Embora tente passar imagem de originalidade, nada do que ele faz é novidade no resto do mundo: talvez exceto pelo histórico mais problemático. Um dos políticos que tanto admirava, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump também investiu pesado em uma campanha de desinformação, o que é de amplo conhecimento, mas negado por seus apoiadores. Ao despertar o ódio na população por meio de mentiras e informações falsas, muitos deixam a racionalidade de lado e cometem absurdos, defendendo um narrador nada confiável.

No livro Pós-Verdade, o autor, pesquisador e jornalista britânico Matthew D’Ancona lembra que é difícil combater a desinformação simplesmente com a verdade ou intelectualidade, sendo necessária também a compreensão de que o outro lado explora as emoções. Nos dias atuais, com a avalanche de informações circulando nas redes sociais, há uma batalha pela atenção. Confira um trecho do livro:

“Se a distração pode ser a inimiga da verdade, conclui-se que seus defensores devem se engajar na batalha pela atenção. Não é suficiente divulgar um comunicado à imprensa, aparecer em um canal de notícias ou twittar uma reprimenda. Os meios da reprimenda devem corresponder à cultura vigente. Um podcast viral, uma manifestação de protesto ou uma petição on-line podem fazer mais para banir uma mentira do que uma asserção objetiva do fato. É uma bola de neve, claro: uma batalha interminável entre distração e contradistração não contribuiria em nada para o discurso democrático. A verdade nunca deve ser comprometida pela teatralidade. No entanto, é ingênuo pensar que a batalha contra a pós-verdade será ganha recorrendo unicamente a técnicas de verificação rotineiras” – Matthew D’Ancona, Pós-Verdade 

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Políticos como Bolsonaro, Trump e outros autoritaristas direta ou indiretamente incitam atos antidemocráticos. Não é à toa que entre suas bandeiras estão o ataque à Ciência e seus pesquisadores; à Educação e aos professores; à Imprensa e aos jornalistas; à Cultura, aos artistas e diferentes manifestações culturais. Também há uma tremenda resistência em aceitar opiniões divergentes e tentativa de distorcer fatos históricos que são de consenso popular para benefício próprio.

Com a pandemia, a rejeição ao governo Bolsonaro aumentou, mas em alguns grupos, ela esteve sempre desde o período das eleições. Enquanto para muitos, há um elemento surpresa sobre suas posturas, para outros, sempre ficou evidente de que seria assim ou até pior. 

Já são mais de 100 pedidos de impeachment do Bolsonaro. No dia 29 de maio de 2021, aconteceram manifestações pedindo Vacina e Fora Bolsonaro em centenas de cidades do Brasil e até mesmo em cidades internacionais. No dia 19 de junho de 2021, a expectativa é de que os números sejam maiores, já que muitos não foram no dia 29 de maio, por receio do vírus, não necessariamente porque não se posicionam contra o governo.

No livro Fascismo à Brasileira, o jornalista Pedro Doria narra a saga do fascismo na Itália, como ele serviu de influência para a Ação Integralista Brasileira e as possíveis similares e diferenças com o governo Bolsonaro. Mas será que fascismo é um termo acurado para descrevê-lo? 

“Se a definição é histórica, se é uma referência ao ponto mais baixo ao qual a humanidade chegou no século XX, então não dá para afirmar que há um novo fascismo […] Mas se a definição é política, ora. O momento em que nos encontramos na história, tanto no planeta quanto no Brasil, tem muitos pontos de contato. Muitas semelhanças” – Pedro Doria, Fascismo à Brasileira

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Nos últimos anos, nas manifestações virtuais e reais, muita gente diz lutar contra o fascismo, porém, é importante entender que a influência cultural e intelectual por trás do bolsonarismo não é forte, causando divergências nos pensadores: alguns veem só traços de fascismo, outros veem uma mistura de fascismo e nazismo, semelhanças com o trumpismo e chavismo e outros acreditam que é preciso descrever o sistema de forma própria. Eu diria que é um governo que tenta ser fascista, mas não consegue por não ter popularidade nem influência suficientes. 

Embora represente a Extrema-Direita, os comportamentos de Bolsonaro chegaram a ser comparados com os de governantes de países de esquerda que ele tanto critica, como Nicolás Maduro, da Venezuela e o ex-presidente de Cuba, Hugo Chávez. Com as tentativas de impor o que as redes sociais podem ou não banir, em breve ele deve ser comparado à China e outros países em que a internet é controlada pelo governo. O presidente da Índia também tem mostrado sua insatisfação com o Twitter, tentando dizer o que eles devem apagar ou não.

O que aconteceria se as declarações de Bolsonaro tivessem sido levadas a sério por todos desde o início? Será que ele teria sido eleito Presidente da República do Brasil? A área de Humanas foi uma das mais atacadas pelo governo desde o início. Inúmeras piadas rolam pela internet sobre a dificuldade que os professores de História terão para explicar o desastre que foi o bolsonarismo para o país.

E onde entra a pandemia nisso tudo? Para qualquer pessoa com bom senso, dá para perceber que o desastre sanitário no Brasil seria possível de prever. Um governo que constantemente ataca a pesquisa científica; faz declarações negacionistas minimizando os riscos do Covid-19, promove tratamentos sem comprovação científica e aglomerações sem máscara, bem como levanta dúvidas sobre a eficácia das vacinas, dizendo que é melhor se infectar com o vírus para ter imunidade; entre outras inúmeras falas problemáticas que a pessoa que for catalogar todas teria uma tremenda dor de cabeça.

Existe viés que afeta, sim, a percepção científica. Porém, também existe intencionalidade. Quando uma pessoa foi corrigida por seus ministros da saúde e continua espalhando mentiras de forma pública, além de debochar do sistema, ela está colocando a vida de milhares de pessoas em perigo. A pior parte nisso tudo é que existem jornalistas que deveriam consultar especialistas de saúde antes de publicar essas falas, mas acabam fazendo propaganda anticientífica. Em alguns casos, conforme tem sido levantado pela CPI da Pandemia, alguns foram, literalmente, pagos para fazer propaganda do governo e/ou têm lucrado com fake news por sistemas de monetização.

“É o contexto da desinformação que cria condições para o avanço do ódio, ele mesmo uma chave para formas mais radicais de irracionalidade” Marcia Tiburi

Quem não está por trás dos bastidores, nem sempre é capaz de fazer julgamento crítico. O sistema da Pós-Verdade é difícil de enfrentar, mas necessário. Ficar de braços cruzados só faz com que constantemente disseminadores de informações falsas promovam uma inversão de conceitos. “É só uma gripezinha”, “Não existe racismo no Brasil”, “As eleições foram roubadas”, “Não querem vender alguns tratamentos contra Covid-19 por conspiração da Big Pharma”, entra tantas mentiras que circulam à vontade e atingem um público que nem sempre é capaz de discernir o que é real ou inventado. Não por aleatoriedade, mas por estratégia. 

Sem o jornalismo sério, como a população vai poder definir o que é verdadeiro ou falso? Quando jornalistas atuam como propagandistas de políticos (sendo pagos para isso), o risco de desinformação é maior ainda, sem mencionar a falta de transparência com o público. A Pós-Verdade evidencia uma naturalização da antiética generalizada e a urgente discussão de mais mecanismos para proteção pública. Quando mentiras podem induzir à morte, discutir fake news vai além de politização, como alguns gostam de alegar, e se torna, acima de tudo, uma questão de direitos humanos e justiça.



*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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