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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Autismo: Números dos autistas no Brasil e problemas complexos que são ignorados

O Brasil está mais de dez anos atrasado nas questões do autismo. Por aqui ainda é naturalizado a pessoa/família esconder o autismo dos outros, as dificuldades gritantes de diagnóstico, despreparo profissional, pseudoeducação inclusiva, negação (tanto da família quanto da própria pessoa no espectro autista), entre tantos outros problemas.


Faltam estratégias para ensinar autonomia e inclusão no mercado de trabalho.

A falta dos números do autismo no Brasil esconde inúmeros problemas complexos


A questão da inclusão de autistas no país só vai avançar quando mudar essa mentalidade de que o autismo precisa ser escondido. Muitos adultos autistas morrem pelo mundo inteiro, pois escondem as dificuldades, desenvolvem depressão e tem intenções suicidas: a maioria por falta de acesso aos tratamentos e condições de sobrevivência. Isso levando em conta os adultos autistas leves, imagine os outros tantos problemas que acontecem em inúmeros países, como violência contra autistas em instituições, negligência, crimes, hipermedicamentação sem estimular atividades etc.

Se a pressão é alta para adultos neurotípicos (não-autistas), imagine como é a pressão para a pessoa autista que tem dificuldades com coisas que são naturais e simples para os outros. Afinal, as dificuldades de interações sociais influenciam a vida inteira da pessoa (e o autismo não se limita a questão social, afetando também questões sensoriais, comportamentos e podendo ser ainda mais complexo quando a pessoa tem outras condições associadas).

Como o autista vai sobreviver sem emprego? Quem cuida dos autistas quando os familiares não estão mais presentes? Seja financeiramente para os autistas que têm mais autonomia, mas não conseguem se incluir no ensino e mercado de trabalho, afetando seu futuro; Ou pela dificuldade com atividades diárias que podem estar presentes em todos graus do autismo, especialmente por causa dos diagnósticos tardios, falta de estimulação (plasticidade cerebral) e dependência.

Quando os autistas têm pais/familiares para ajudarem é um cenário, quando ele precisa se virar sozinho é outro (nos graus leves nos quais a pessoa tem parceiro e busca mais autonomia). É uma discussão que vai além dos graus de autismo, de 'parecer autista ou não', que ainda está muito atrasada no Brasil.

As pessoas acham que Aspergers, por exemplo, têm mais chances de autonomia, mas se esquecem de levar em conta várias coisas, como o preconceito (o autista não é responsável pelo preconceito que sofre dos outros, das portas que se fecham e não se abrem), falta da capacitação profissional multidisciplinar (professores, pedagogos, médicos, psicólogos etc. que não entendem o que é o Transtorno do Espectro Autista), falhas da educação inclusiva (estar na sala de aula sem absorver o conteúdo ou ganhar notas a mais para não ser reprovado: inclusão que mais exclui do que acolhe), vagas de trabalho que não se encaixam no perfil de autistas, entre tantos outros problemas.

Quem não entende do assunto, tende a achar que o grau de funcionalidade/subtipos de autismo podem definir o futuro e a necessidade de apoio da pessoa. Porém, tantos atrasos de diagnósticos, fazem muitas pessoas descobrirem o autismo de forma tardia, seja na infância, adolescência, vida adulta e eu nem vou incluir a população mais marginalizada quando se trata de autismo: os idosos, que podem ter seus comportamentos confundidos com outras doenças/condições que também afetam as funções executivas (memória de trabalho, raciocínio, flexibilidade de tarefas, resolução de problemas, planejamento e execução).

Também poderíamos fazer um recorte sobre como a desigualdade social afeta o diagnóstico de autismo. Isso acontece no mundo inteiro, não só no Brasil. Nos Estados Unidos, a população de imigrantes, latinos, negros, população LGBTQ, asiáticos e por aí vai... têm menos acesso ao diagnóstico. Por aqui, não é tão diferente. Somente as famílias de autistas e os próprios autistas adultos (com diagnóstico tardio) sabem o quanto é complicado depender de profissionais que não entendem do assunto, de consultas e tratamentos caros, de ter que viajar para ser atendido, entre outras coisas. Para quem não vive essa realidade, exigir políticas públicas melhores pode parecer um exagero.


A inclusão do número de autistas no Censo é importante, pois vai mostrar informações relevantes, como a falha de diagnósticos no Brasil (os números de diagnósticos são bem abaixo do número real de pessoas no espectro autista), a necessidade de mais profissionais capacitados em diferentes regiões do país (deveria ser obrigatória a reciclagem de conhecimento sobre autismo, pois existem muitos profissionais que entendem o básico e não entendem da diversidade no espectro autista, atrapalhando tanto diagnóstico quanto tratamentos, como atrasando o trabalho em equipe de profissionais, quando um discorda do diagnóstico do outro), associações que se foquem não só em crianças autistas, mas também busquem acolher adolescentes e adultos autistas e ensinem estratégias para atividades diárias, entre outras questões.

Por causa da falta de informações, muitas pessoas tendem a enxergar o autismo ou como uma catástrofe, ou como algo simples (especialmente nos casos leves que tendem a ser negligenciados até mesmo por profissionais da área de saúde). Seja pela dificuldade de compreensão e/ou baixo conhecimento sobre as questões neurobiológicas do autismo, a percepção sobre os autistas pode ser irreal, isso vindo tanto de familiares quanto das próprias pessoas no espectro autista que não sabem quais são suas limitações (muitos precisam de profissionais para orientar atividades, como cozinhar, prática de atividades físicas, mobilidade, higiene etc.).

É preciso que se desenvolva uma consciência da importância dos números do autismo no Brasil para que o futuro não repita o passado. É um absurdo ver em pleno 2019 autistas que não estão recebendo o apoio que deveriam: reportagens de autistas amarrados/acorrentados podem chocar quem não está acostumado com a realidade, mas todo mundo volta para suas vidas depois de desligarem a televisão. O que acontece com as pessoas que vivem em cidades sem profissionais? Sem recursos financeiros para pagar profissionais, afinal, o atendimento e tratamentos não são acessíveis no Brasil? Será que as pessoas não percebem o quanto é prejudicial normalizar um sistema que não fornece apoio para autistas e seus familiares?



Graus de funcionalidade do autismo escondem limitações diárias


Então, uma série de problemas complexos vão se enrolando, desde o autista que necessita de maior apoio dos familiares e de intervenções, passando pelos autistas que precisam de apoio, mas tem um pouco de autonomia, até os autistas que teoricamente têm mais funcionalidade e chegando até os autistas que lutam por autonomia, mas lidam diariamente com as limitações do autismo; conseguem trabalhar, mas estão quase sempre esgotados, já que as atividades de socialização podem nos deixar sobrecarregados sensorialmente e esgotados, levando horas e/ou dias para recarregar as energias.

Uma pesquisa recente está questionando os graus de funcionalidade do autismo, pois podem levar a falsas percepções sobre autistas. Algumas expressões na comunidade autista têm sido repetidas há anos, mas ainda não foram absorvidas pela população: “Se você conheceu um autista, você conheceu um autista. Não existem dois cérebros autistas iguais” e em relação aos subtipos: “Quanto menos funcional, mais subestimado e quanto mais funcional, mais negligenciado”.

O estudo com mais de 2 mil autistas é importante para mostrar a importância das políticas públicas e de como os graus de funcionalidade podem ignorar necessidades e limitações diárias (pobre comportamento adaptativo).

“O termo [altamente funcional] desconsidera completamente as dificuldades que esses indivíduos têm no dia-a-dia [...] Enquanto o QI está correlacionada com a capacidade funcional, é na verdade um preditor realmente fraco do nível das habilidades de vida diária que esses indivíduos têm” Andrew Whitehouse, professor de pesquisa sobre autismo no Telethon Kids Institute e na University of Western Australia em Perth, Austrália.

O que eu quero dizer com isso? Recentemente escrevi um texto sobre a autonomia de Aspergers e a importância do desenvolvimento na infância, adolescência e vida adulta. Muitas pessoas olham Aspergers e autistas leves e dizem: “Mas nem parecem autistas”, mas não fazem ideia dos inúmeros desafios diários.

A falta de conhecimento sobre autismo e Síndrome de Asperger no Brasil, fez com que uma geração de pessoas ficasse sem diagnósticos e sem os tratamentos adequados. É uma falsa simetria achar que o simples fato da pessoa ter Síndrome de Asperger (autismo leve) significa que ela vai ter uma vida mais tranquila do que autistas de outros graus, especialmente se ao longo da vida ela não foi estimulada, não desenvolveu habilidades por causa da superproteção, entre outros cenários envolvendo comorbidades como depressão, ansiedade, síndrome do pânico, TDAH, transtorno bipolar e transtornos de aprendizagem.

Se a situação de funcionalidade não é tão justa nos Estados Unidos, um país que tem investido há anos em pesquisas e conscientização sobre autismo, imagine como são as coisas no Brasil. Quantas campanhas voltadas para autistas adultos no Brasil você já viu? Quantas campanhas alertando sobre a importância dos diagnósticos, independente da idade, já que é um direito? O problema de desemprego entre autistas, por exemplo, é global, mas quais números temos no país para saber como estão as coisas por aqui?

Temos o problema do tabu: tanto do autismo, como de outros transtornos comuns em autistas, como o TDAH em adultos. O autismo por si só já pode dificultar a vida da pessoa, quanto mais comorbidades ela tem, mais desafiador é ter uma vida com autonomia; mais a pessoa pode precisar de acompanhamento profissional que nem sempre é acessível. De que adianta o autista ir a um psicólogo que não entende nada de autismo e vai dar conselhos que não vão servir para o seu dia-a-dia, por exemplo? Ou ao profissional que não entende como o autismo afeta as funções executivas e que não leva em conta que todos cérebros são diferentes, que o que é fácil para um, pode ser difícil para o outro e não é o diagnóstico que vai definir isso, mas a história de vida da pessoa, suas questões genéticas e neurobiológicas e quais áreas foram trabalhadas ou não.


Inclusão complicada devido às particularidades de cada autista


É um erro muito grande achar que o autista leve não pode vir a precisar de apoio, de que basta jogá-lo numa escola e universidade. A realidade de muitos autistas, independente do grau, é a do bullying, o que acaba prejudicando ainda mais a saúde mental. Mas o bullying não vem só de outros alunos, muitas vezes, é ignorado por profissionais da educação. A escola pode ser um inferno para muitos autistas e isso só vai mudar quando se perceber a importância de uma educação realmente inclusiva.

O problema da inclusão escolar do autista e também do mercado de trabalho, é que muita gente tende a pegar o autismo e ver só de um jeito, sem levar em conta toda complexidade e diversidade do espectro autista. Na teoria, um autista com superdotação pode usar suas habilidades para ter autonomia; na prática, dependendo de questões neurobiológicas, de estimulação, do contexto social e cultural no qual vive, o autista pode ser visto como genial para algumas coisas e ter muita dificuldade com atividades do cotidiano, o que acaba afetando também sua autonomia. Uma pessoa pode ser genial, mas ter dificuldade para atividades básicas, como ir ao supermercado e ao banco; os  outros não compreendem a importância da fila preferencial, por exemplo, e acham que é porque o autista quer um tratamento especial.

Então, o processo de inclusão se torna desafiador. Apesar das dificuldades com trabalhos e avaliações em grupo e das avaliações por interação social na aula, eu sempre gostei de estudar e sempre tive facilidade para aprender, porém, esta não é a realidade de todos autistas, independente do grau. Colocar um autista em sala de aula, se ele não está aprendendo, pode ser uma situação complicada. A pessoa pode se formar e ter dificuldade com coisas básicas do conteúdo.

Então, independente do grau, a questão da inclusão de autistas é difícil, seja na escola ou no mercado de trabalho, pois pode variar completamente, seja por questões sensoriais, por necessidade de apoio e estimulação, por inteligência e questões cognitivas. Alguns Aspergers podem aprender a camuflar suas limitações (mascaramento do autismo), mas não significa que quando eles chegam em casa eles não ficam esgotados, por exemplo, por mais que eles escondam dos outros suas dificuldades, isso não significa que elas deixaram de existir.

Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. – Lei Brasileira de Inclusão

Abaixo alguns exemplos que não representam todos autistas, afinal, independente do grau, autistas podem ser completamente diferentes: 

– O autista superdotado, por exemplo, pode ficar entediado no ensino regular, se não se sentir desafiado, o que acaba levando a muitos a quererem desistir dos estudos;

– O autista moderado pode ter dificuldades por causa dos comportamentos, especialmente se ele não tiver o suporte adequado;

– O autista leve e Asperger pode parecer bem incluído na escola, mas se sentir excluído e/ou querer aprender só disciplinas relacionadas ao hiperfoco e/ou os pais podem achar que o filho está bem incluído, sem se dar conta de que ele pode estar solitário e deprimido;

– O autista grave pode precisar de uma equipe de profissionais e a família pode não ter condições financeiras de fornecer o apoio necessário.

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem Lei Brasileira de Inclusão 

Enquanto existem autistas que conseguem concluir os estudos e se inserirem no mercado de trabalho, existem autistas cujos olhos estão sendo fechados diariamente: 

– Autistas que acabaram abandonando os estudos;

– Autistas que são muito dependentes para atividades diárias que poderiam ser aprendidas e ensinadas por profissionais, coisas como mobilidade, cuidados pessoais e comunicação (no caso dos autistas não oralizados, é importante ensinar a comunicação alternativa);

– Autistas que têm crises de agressividade pela falta de repertório de comunicação e comportamentos que não foram aprendidos, falta de acesso aos tratamentos adequados;

– Até mesmo autistas leves/Aspergers com inteligência média e/ou acima da média que lidam diariamente com questões relacionadas ao preconceito e às falhas de inclusão, desenvolvendo ansiedade pelo medo do futuro, depressão por uma série de problemas, baixa autoestima, fobias, pânico;

– Entre tantos problemas que são empurrados para baixo do tapete, pois nem sempre são entendidos pelos profissionais e pelas famílias por causa da baixa compreensão do brasileiro da necessidade de um entendimento mais profundo das complexidades e da diversidade do autismo.

Falar de autismo nunca é simples, pois é muito complexo. Muita gente tende a generalizar e deixar uma série de questões de lado. Meu texto mesmo jamais estará completo, pois cada pessoa sabe sua própria realidade com o autismo, seja como autista, como familiar de autista e/ou como profissional que atua com autistas.

O que eu quero dizer é: 

Saber os números dos autistas no Brasil pode ajudar com melhores políticas públicas, disponibilização de recursos para capacitação profissional, diagnósticos precoces e tardios, tratamentos multidisciplinares e estratégias de conscientização e inclusão. 

O que está na Lei Brasileira de Inclusão é uma coisa, o que acontece na prática ainda é bem distante do ideal. Quem acaba conseguindo superar melhor essas dificuldades são as pessoas com mais poder aquisitivo e mais acesso aos profissionais de saúde de qualidade. Porém, a realidade brasileira da desigualdade social respinga completamente no autismo, tornando uma situação complicada não só para os autistas, independente do grau, mas também para seus familiares que ficam em um cenário de desesperança sobre o presente e o futuro dos autistas.

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro, jornalista por formação e Asperger. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.



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